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segunda-feira, 24 de março de 2008

Rastreio de Cozinha - 19

Depois de quatro dias sem entrar na fervorosa cozinha da faculdade, é claro que fico de má vontade. Sobretudo se a minha pressão insiste em oscilar feito o Pêndulo de Foucault. Mas, estou atento para o fato de que cozinha é pressão e trabalho, sempre. Por conta disso, nem vou reclamar porque queimei as pontas de quatro dedos em uma panela que é tombada (e, ordinariamente, me tombou) pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): a panela de barro do Espírito Santo, cuja culinária foi o tema central da aula desta segunda-feira, 24, na disciplina de Cozinha Brasileira.

A panela de barro é uma instituição de 400 anos. As paneleiras que a produzem usam o barro tabatinga para fazer as panelas e uma tintura chamada "tanino" que garante a cor escura (preta, algo ocre). As autênticas são as que têm o selo de autenticidade das "Paneleiras de Goiabeiras".

A fabricação da panela de barro é uma técnica indígena, transmitida de geração em geração até chegar às paneleiras do Espírito Santo. As paneleiras que as fazem retiram a argila do Vale do Mulembá, em Vitória. O barro passa por um processo de limpeza no qual são retirados os grãos de areia maiores e a matéria orgânica visível para que seja amassado, manualmente. Inicia-se, então, o processo de confecção da panela, através de uma técnica de modelagem aplicada a partir de uma bola de barro. O acabamento da panela é feito com seixos rolados (pedras de rio), casca de coco, facas e estiletes. A peça totalmente modelada é colocada ao ar-livre para secar e, depois de seca, é alisada com um seixo rolado para retirar os grãos de areia mais grossos. A partir daí, as paneleiras reúnem sua produção e queimam suas panelas. No final da queima, as peças, ainda quentes, recebem um tratamento de superfície com tanino.

Se você comprar uma dessas, deverá curá-la. O método é simples: coloque 2 colheres de azeite (ou óleo) na panela e leve ao fogo até queimar todo o azeite ou óleo. Quando a fumaça do azeite ou do óleo queimado ficar preta, a panela estará pronta para o uso. Cuidados na manipulação da panela no dia-a-dia: não a retire do fogo e coloque em superfícies geladas (mármore ou aço inox). Tampouco as lave quando ainda estiverem quentes (retêm o calor por bastante tempo). Se você fizer isso, trincará a panela ou levará umas boas pedradas na cara (isso é por minha conta).

De um jeito ou de outro, trate bem a sua panela de barro. Lembre-se que o processo é artesanal, tombado pelo patrimônio histórico, e que uma panela desse tipo nos conecta diretamente às primitivas tecnologias indígenas. Respeite seu próprio passado cultural. Ou levará uma pedrada de mim, mesmo (Eu já fiz isso e a pobre vítima levou alguns pontos na testa)!

Bem, com todo esse aparato, você já deve estar com fome. Olha só os pratos feitos pela nossa bancada hoje: Moqueca Capixaba, Casquinha de Siri, Pirão de Peixe e Maneco com Jaleco (esse é mineiro). Vou repassar a receita da Moqueca Capixaba, cuja única distinção com a Moqueca Baiana é o fato de, na Bahia, a moqueca ser feita com azeite de dendê e leite de coco e, no Espírito Santo, ser feita com azeite de oliva e óleo de urucum. Uma curiosidade: o nome moqueca vem da palavra tupi-guarani pokeka, que significa bagunça. Os índios chamaram de pokeka a técnica de enrolar o peixe na folha de bananeira, enterrá-lo no chão e assá-lo, com brasas por cima. Numa estilização para acompanhar a evolução do País (se é que houve alguma), a moqueca é feita na panela de barro (terra sob a qual está enterrado o peixe), é coberta de cheiro verde (folha de bananeira) e cozinha-se pacientemente no fogo (brasas). Esse é um dos motivos pelos quais eu gosto tanto de gastronomia: por mais que sejamos evoluídos, há um elo que sempre nos ligará à ancestralidade. À receita.

Moqueca Capixaba

Ingredientes

- 1 Kg de robalo em postas (é o melhor peixe para fazer moqueca, mas, se você tiver com dificuldade para encontrá-lo, pode usar o namorado - o peixe, não o seu - ou o abadejo). Assim como há uma transmutação de pokeka em moqueca, aproveito para dizer aqui que você pode inventar a moleka, que consiste em brincar - você e o(a) namorado(a) - de sujar o outro de barro. Tente, invente, seja diferente!
- 200 gr de tomate
- 200 gr de cebola
- 10 gr de alho
- 20 ml de óleo de urucum (que você obtem ao aquecer o óleo vegetal, sem fervê-lo, e, com o fogo apagado, adicionando sementes de urucum - o óleo de urucum é feito por imersão, dessa forma. Deixe reservado por algum tempo até o urucum desprender o aroma no óleo)
- 1/4 de maço de cheiro verde (cebolinha e salsa e toda vez isso tem que ser explicado porque já soube de pessoas que, com mais de 40 anos, tiveram um choque ao saber que cebolinha e salsa compõem o chamado "cheiro verde")
- 2 limões
- 50 ml de azeite de oliva
- pimenta malagueta a gosto
- sal a gosto

Modo de preparo

1. Lave bem (delicadamente, não com aquela bucha assassina que você tem) as postas de peixe e escorra-as (por favor, não é preciso colocá-las no varal!).

2. Tempere as postas de peixe com limão, alho (picado) e sal.

3. Corte os tomates e a cebola em cubos médios (meça um paralelepípedo e tente imaginá-lo decomposto em 58 partes diferentes - o cubo será um desses pedacinhos).

4. Pique o cheiro verde em brunoise. Não faz o(a) esperto(a) de comentar comigo que cheiro não se pica. Essa piadinha é tão vermelha quanta a sua cara pós-piada.

5. Coloque no fundo da panela de barro uma cama (força de expressão, que coisa!), OK, um colchão, uma forração, um travesseiro, de cubos de cebola e tomate. Até aqui, espero que você tenha uma legítima panela de barro. Porque, se for para ser fajuto(a), é melhor sair da minha cozinha. Coloque 25 ml de azeite na panela, de forma a regar a hortinha de cubos de cebola e tomate. Feito o tal do acolchoado de cebolas e tomates, recline (olha que chique!) as postas de peixe nessa fofura de cama vegetal. E, atente para o detalhe: as postas devem ser colocadas lado a lado, e não umas sobre as outras. Peço cuidado na montagem da moqueca porque acredito, sinceramente, que os alimentos devem ser tratados com carinho. Se você prepara cada prato com tal nível de detalhes e uma dose extra de carinho, garanto que qualquer produção terá um sabor especial.

6. Coloque sobre as postas de peixe - devidamente aconchegadas umas às outras - mais cubos de cebola, tomate e, finalmente, o cheiro verde. Regue com o restante do azeite e com o óleo de urucum. Tempere tudo com pimenta malagueta a gosto.

7. Leve a panela ao fogo alto e espere até aquecê-la. Quando a moqueca começar a ferver, baixe o fogo e o mantenha assim até que as postas fiquem bem cozidas. Acerte, nesse momento, o sal.

8. Sirva com pirão de peixe e arroz branco.

(Rastreie: Visite Vitória, a capital do Espírito Santo. É uma das três capitais de estado no Brasil que é uma ilha - as outras são Florianópolis e São Luís. Vitória é conhecida como "Cidade Sol". Eu não conheço Vitória, mas, como adoro o litoral, sei que ia gostar. Quando lá estiver, quero que você traga para mim um jogo completo de panelas de barro. Legítimas, com selo. Se vou te buscar no aeroporto? Claro que não! E o café aqui em casa, não conta?)

13 Comentários:

Patty Diphusa disse...

Que fome. Não dá para fazer qualquer dia essa muqueca para a gente? Eu prefiro a capixaba, não gosto muito de dendê. Eu até compro prato branco. rs.

bjs ( vc já notou que seu blog dá quase um TCC?)

makarrao disse...

caramba, isso me abriu o apetite!
ehehe
sempre que eu estiver sem fome, perto da hora do almoço, vou dar uma passada por aqui.
[]s

leve solto disse...

Seu post me fez lembrar que o MR está prometendo este prato faz tempo pra confraria.... Fica dizendo que a panela de barro ainda não chegou de Minhas....rsrs

Bjos

Mara

Não sei se leu meu último post, mas lá informo que o bolinho deu certíssimo... Fantástico!
Posso adotar vc como consultor para assuntos culinários que não dou conta????
Se não, sem problemas! Continuarei te admirando como pessoa e amigo..rsrs

Anônimo disse...

olá olá

nossa nossa,

pensei em vc nesse weekend, meu, comi tantas coisas diferentes...e francesas é claro!me fez pensar no seu post sobre a culinaria francesa...sabe pratos com nomes de 50 palavras? passando vergonha à mesa pela minha ignorância com os talheres (não que já nao soubesse, mas sempre tem uma coisinha nova a aprender...não pensaria que alguém teria que me ensinar a comer um peixe, hahahahah!), passei de carro pelas vinhas da região de champagne-ardenne e...comi o melhor chocolate artesanal da região norte da frança com um cafézinho...hummmm, nem te conto quanto pagaram pelo chocolate, mas vc deve imaginar que por essa razão nao sobrou, ou melhor, nao teve chocolate o bastante,para que eu pudesse mandar um pra vc! sorry!bju bju!

Anônimo disse...

adoooorei o rugido dominical! o lance "alegria X ecstasy" e "gato X lebre", tudo a ver! biz biz

Anônimo disse...

e uma delícia o Matthew Fox...gente adoro h com cara de h e com barba por fazer, ui!rsrsrs

Anônimo disse...

vc falou da panela de barro e me fez pensar numa coisa: na minha casa em minas meu pai adora preparar o frango caipira na panela de ferro...e a gente percebe como muda o sabor!

Anônimo disse...

pra terminar: zazie é tudo. vc conhece mylene farmer?

Redneck disse...

Patty, pratos brancos e a panela de barro. Me mande a Vitória que, na volta, faço a moqueca. Sem queimar meus dedos. Beijo!

Makarrao, já falei por aqui que só falta a interatividade de paladar. Já pensou poder sentir o cheiro dessas comidas? É tudo de bom, eu lhe asseguro. Volte, com fome ou sem. Abraço.

Mara, mas a panela de barro é mesmo essencial, ainda que eu ache que o rm só enrola. Passei no seu blog e vi o post. Quanto à consultoria, estou como Gisele Bindchen: cobro cachê em euros. Se você me garantir, com minhas consultorias, uma viagem à França, serei seu personal cooker. Beijo!

marco*, marco*, marco*, marco*, marco* (percebeu a histeria e o rabinho abanando?), que delícia esse monte de comentário. agora, vou partir para a acidez: você não me deve um chocolate, me deve um convite para ir a Paris imediatamente. Como ousa me contar isso se, não fossem os queridos da Bélgica, e a minha páscoa seria um deserto de chocolate. Não ganhei nem um ovo (me dá um, please, please, dois é melhor ...). Você terá que me levar para almoçar, jantar, tomar café da manhã em Lyon, em Marselha, na Provence, em todo o lugar. Feio! Quanto à alegria x ecstasy, em particular, te conto detalhes. Sobre o lost Fox, nada a acrescentar (você é meu irmão gêmeo ou o quê?). Quanto à comida de seu pai, não sei o que está esperando que não me convidou para este frango de panela. Você viu que só me atiça e me deixa a ver navios? Finalmente, me apresente Mylene Farmer. Para isso, prepare o vinho e a Mylene. O jantar, eu faço. Depois a gente vê o resto. Vou cobrar o meu quinhão nesse latifúndio franco-mineiro. Beijo!

leve solto disse...

Red, não é o RM não!! É o MR (marcos rocha - plano geral)...

Euros? Tá doidinho meu amigo? Tomou gasolina ao invés de vinho neste final de semana? rsrsrs


bjo

Mara

Marcos Rocha disse...

Oi, Red Neck:

Sou eu mesmo, o tratante que prometeu reunir a confraria em torno de uma moqueca capixaba autêntica, que eu sei fazer razoavelmente, mas não com a sua competência, claro.
Aprendi no Cantinho do Curuca, na Praia de Meaípe (Guarapari - ES), que faz a melhor moqueca capixaba do Brasil, pelo menos segundo o Guia Quatro Rodas, que já lhe deu um e até dois pratos, como cotação.
O problema é que as minhas panelas de barro -- tenho três, pequena, média e grande -- ficaram em Uberaba, onde morava, e ainda não pude ir buscá-las.
Farei isso brevemente e prometo convidar a confraria.
Na sua receita, ainda bem que não incluiu um tempero que os capixabas adoram usar, mas fazem isso em excesso, o coentro. Não é todo mundo que gosta. Eu, pessoalmente, prefiro o cheiro verde.
Aqui em Sampa tem um restaurante chamado Espírito Capixaba, aqui no bairro de Pinheiros,que faz uma bela moqueca. Almocei lá domingo com a minha família e recomendo a todos.

Abraços,

MR
25/3 - 17:28

Roney Maurício disse...

Aí caboclo vermelho,

continua uma merda baixar sua página e mesmo depois o treco ainda fica em looping.

Mas já que meu velho amigo MR foi citado, vim cá prestigiar.

Primeiro, se você mandar seus leitores a Vitória eles é que vão te tacar pedrada: o lugar da moqueca é Guarapari, mais especificamente Meaípe e mais especificamente ainda o restaurante "Cantinho do Curuca". Aí, prepare-se pra ser acarinhado porque a tal moqueca é, mesmo, um troço de doido...

Segundo, a tradição culinária do Espírito Santo tem muito a ver com a proibição de abertura de caminhos para as Minas, por temor da Coroa em perder o controle sobre o transporte e exportação do ouro. Daí a forte influência indígena, uma vez que o pequeno Estado viveu séculos no isolamento.

Adiantou nada. Logo que puderam os mineiros invadiram a praia (Guarapari em particular) e de lá nunca mais sairam.

Redneck disse...

Mara, tomei foi uma dose mal colocada de wisky, isso sim! Antes, peço desculpas pela troca de siglas a ambos - rm e mr. Beijo!

Marcos, fiquei interessado neste seu jogo de panelas. Muito bom, muito bom! Quanto ao coentro, usamos sim, mas, era opcional, já que a receita autêntica não prevê o uso de coentro. Abraço e espero que a confraria tenha o prazer de degustar a sua moqueca.

rm, por que você xinga? A gente aqui falando em comida e você falando em m****??? É o seguinte: pelo menos 5 pessoas acessam o blog diariamente por acesso discado e não tem o problema apontado por vôcê com os "penduricalhos". Ainda que contrariado, acabei retirando alguns destes penduricalhos, como você disse. Mas, há blogs mais pesados do que o meu e não vejo dificuldade em acessá-los. E eu sugeri a visita a Vitória apenas, e não para exatamente comer a moqueca na cidade, como você pode ler no post. O que eu sei é que a moqueca capixaba tem variações segundo cada pessoa que a faz. A receita que passei é registrada como a autêntica. Nem por isso, no entanto, é a única. E cada um - como você e o Marcos Rocha - sempre terá um lugar especial para sugerir, o que é bem legal, já que a culinária é vastíssima. Quanto à história do Espírito Santo, tem muita coisa, sim, a começar da tradição indígena e outras influências, assim como ocorreu - e ocorre - de monte neste País. Abraço.

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