Esta semana, escrevi uma pequena matéria para o serviço online da publicação em que trabalho e citei a Ilha de Man. De fato, eu a verti para o português, a Ilha do Homem. A Ilha de Man (Isle of Man) é quase um montículo localizado entre a Inglaterra, a Escócia e a Irlanda do Norte.
Antes, era um reino nórdico, estabelecido pelos vikings. Depois, a Noruega cedeu a Ilha para a Escócia e, por fim, o local foi transferido para a Coroa Britânica. Tem uma área total de 572 km2, 48 km de comprimento e, em alguns lugares, a largura chega a 24 km. A população, conforme dados de 2006, é de pouco mais de 80 mil pessoas.
Formalmente, a Ilha de Man não faz parte do Reino Unido, é uma dependência da Coroa Britânica. E, por isso, a defesa e as relações externas são de responsabilidade do governo britânico. Uma organização extraparlamentar, Mec Vannin (filhos de Man) pretende alterar o estatuto da ilha e elevá-la a república soberana independente. Devo ter ouvido falar da Ilha de Man umas duas ou três vezes até aqui. Quando escrevi a nota a que me referi, foi com surpresa que encontrei o nome da Ilha entre os demais países.

(bandeira da Ilha do Homem)
Mas, a Ilha não é o meu foco, é apenas o nariz de cera (introdução do post). Passa-se que, assim que a nota foi ao ar, um leitor escreveu um comentário e alertou que nem ele nem qualquer outra pessoa que ele conhece chamaria a Ilha de Man de Ilha do Homem. Ou seja, eu havia escrito errado o nome da Ilha.
E me ocorreu que as pessoas - eu, você e todos, provavelmente todos os seres pensantes que habitam esse mundo - são bem rápidas em apontar incorreções, erros, equívocos e informações sobre as quais não têm certeza. Apontamos (e eu me incluo sim) rapidamente, ainda que não tenhamos ao menos checado se a informação que supomos deter é, definitivamente, a correta.
Pois o leitor assim agiu, por certo sob a guarida da convenção que determina que a Ilha de Man é Ilha de Man, e não, nunca Ilha do Homem. E mais não disse, não apontou fundamentos para o seu próprio comentário. Eu, particularmente, não respondi ao comentário. O serviço é da empresa e, para falar a verdade, não sei bem como é responder diretamente ao leitor sem argumentar e entrar em searas outras, longas como este post. Por isso, me calei. E note que eu não assino a matéria do serviço online.
Contudo, depois fiquei a pensar que muitas vezes, na minha vida, erros e incorreções que eu cometi me foram imediatamente apontados. Meu pai costumava gritar quando eu fazia algo errado ou diferente daquilo que ele supunha certo. Sempre me lembro disso. Não havia negociação. Era apenas de um jeito, do dele. E o apontamento era sempre rígido, sem maiores rodeios.
Depois, quando comecei a trabalhar no mercado formal, continuei a ouvir das mais variadas pessoas sobre algum serviço que eu havia feito e que estava errado. Ou apenas que não tinha sido feito conforme um determinado padrão. O padrão, no caso, é sempre da pessoa que está imediatamente num nível superior ao seu - pai, padrasto, chefe, o motorista do táxi (que detém o poder de me dirigir), o gerente do banco (que decide sobre minha eventual saúde financeira), o motorista (quando estou pedestre) e assim por diante. Há uma hierarquia da qual não se consegue fugir.
De sorte que, de tempos em tempos, erros, incorreções e equívocos me são apontados por todo lado. Claro que, por minha vez, eu os aponto também e o cachorro, como elo final da cadeia, deve correr atrás do gato para se vingar do humano. O gato vai atrás do rato que, por outro lado, rói tudo o que o humano faz. E assim, num círculo verdadeiramente monumental, comemos a própria calda e nem nos damos conta.
O que me chamou a atenção não foi o puxão de orelha do leitor. Foi o outro lado. Pouquíssimas vezes, raras mesmo, ouvi o contrário. Que o trabalho estava correto, que a informação havia valido a pena, que a matéria atendia determinada demanda, que o pasto roçado havia ficado segundo a vontade do meu pai. Não, isso é raro de acontecer. Eu podia carpir uma roça inteira (e eu o fazia) e me orgulhar do meu trabalho (e eu me orgulhava). Meu pai, no entanto, nunca disse uma palavra de retorno. OK, em sua defesa, posso dizer que foi assim que meu avô o tratou e era assim que ele imaginava que as coisas deveriam ser. Mas bem cedo eu era carente dessa afirmação positiva, desse reconhecimento, ao menos uma vez, de que tudo estava certo.
E isso, assim como o dedo apontado sobre os erros, continuou pela minha vida profissional. Você comete 9 acertos e 1 erro. E será para sempre lembrado por esse erro. Os acertos nunca são bons o bastante para se sobrepor aos erros. Jamais. Se eu informei bilhões ao invés de milhões, em matéria de qualquer coisa, cairão por cima de mim a fonte, o editor, o leitor e até mesmo colegas. É obrigatório que eu acerte sempre, que jamais erre.
Então, ao ler o comentário do leitor sobre a Ilha de Man, eu senti um enorme cansaço. Toda uma vida que, me pareceu, é vivida para apenas acertar. Nunca errar. Porque você será imediatamente punido, de uma forma ou de outra. Mas, se acertar, você não ganhará nada. É obrigação. Está implícito no grande contrato social que eu, afinal, nunca assinei.
Este post é apenas um desabafo. De uma exaustão que carrego comigo há tempos. E não vejo mais sentido em tanto acerto se sempre serei cobrado por erros, sejam enormes ou minúsculos. É cansativo. Não almejo condescendência e tampouco recompensas. No entanto, a cobrança milimétrica sobre tudo o que faço cansa. E não tenho mais energia para lidar com isso.
A propósito, sim, me é permitido nomear a Ilha de Man de Ilha do Homem. Eu não inventei a tradução. O engraçado é o nome da ilha. Ou, melhor, tem tudo a ver exatamente com o man.