Do caos calmo ao caos. Ponto!
Nem bem cheguei e sou devidamente abalroado pelos ruídos da cidade que não cessa o burburinho jamais, faça chuva (e quanta chuva tem feito!) ou faça sol. Agora mesmo são 23 horas e uma equipe da prefeitura insiste em contribuir para o aumento de decibéis com a potência da britadeira no asfalto aqui da rua. Mal se ouve a TV!
Passei a tarde e parte da noite com uma amiga a quem não via há quase um ano e meio. Ela vive em Montreal e, de passagem por São Paulo, me disse estranhar a multidão nas ruas. Montreal tem cerca de 1,7 milhão de habitantes. São Paulo contabiliza mais de 11 milhões de moradores. Somente na festa da virada do ano, a Avenida Paulista concentrou estimadas 2,5 milhões de pessoas, ou seja, uma Montreal e meia em pouco mais de 3 Km de extensão!
Não é à toa que ao passar pelas calçadas da Paulista a minha amiga tenha estranhado a movimentação. Um ano e meio fora de São Paulo e dentro de Montreal, onde não é preciso brigar por espaço nas calçadas, deve mesmo provocar calafrios. A minha amiga também estranhou o aumento de carros na rua e isso é um fato: 2009 bateu o recorde de vendas de veículos.
Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran), a cidade fechou novembro do ano passado com 6.698.004 veículos. Esse amontado de gente e de carros faz com que a poluição sonora e o estresse auditivo sejam a terceira causa de maior incidência de doenças do trabalho, atrás apenas de agrotóxicos e de doenças articulares.
Isso porque somente refere-se a doenças do trabalho. Imagine o que todo esse ruído faz a cada um de nós que aqui vivemos e somos acordados por saltos altos no apartamento de cima, por alarmes que disparam às 4 horas da manhã, por helicópteros que sobrevoam a cidade a qualquer hora do dia e, por vezes, da noite. Ainda agora ouço gritos de vizinhos na rua de baixo (ontem presenciei uma briga que envolveu pelo menos três casas!).
Mas, você quer saber? Quando lá estive, senti falta justamente dessa aglomeração, dessa justaposição de camadas e camadas de gente que, afinal, fazem dessa cidade o que é: urbe, tão generosa quanto o úbere de uma vaca holandesa. Uma cidade que, como Roma, decerto que é uma loba que amamenta filhotes sem fim. Com força. Como diria meu irmão, "aqui (lá em São Pedro do Turvo), a gente vive no sistema bruto".
Bem, devo dizer que aqui (em São Paulo), vive-se no sistema bruto também. A diferença é que a brutalidade referida pelo meu irmão deve-se à rudeza da natureza e ao natural trabalho braçal que o campo enseja no interior. Em São Paulo, a brutalidade é de outra coloração. É formada por vigas de aço e vidro que faz com que o homem que permeia o meio torne-se quase que de aço também.
Somente para registrar, fui devidamente enxotado do longo corredor entre a Paulista e a entrada da FNAC por um nada simpático segurança que insistiu em dizer que aquele espaço era privado e que eu não podia fumar ali. Como se sabe, a lei antifumo permite que se fume em espaços não-cobertos (públicos ou privados). Como de onde eu estava eu avistava largamente o céu, deduzi que era espaço aberto.
Não sei se os arquitetos mudaram a definição de espaço aberto, mas fui intimidado o suficiente pelo segurança para sair do local. O prédio abriga a FNAC mas também, na maior parte, a Petrobras e outros órgãos federais. Como eu discuti um pouco antes de ceder, o segurança apenas argumentava que o espaço era privado. OK, estava no papel dele. Mas o espaço é público.
Contei a história para exemplificar a brutalidade a que me referi. O sistema bruto de São Paulo é esse: desinformação, intimidação, barulho. Caos, pois. Somente me questiono que efeitos - além dos óbvios - têm essa passagem do caos calmo para o caos. Estamos apenas no sexto dia do ano, o Dia de Reis, e, ao menos hoje, fui plebeu mais que tudo. OK, sou urbe. Então, está tudo certo.