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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

No Natal eu venho me buscar

Ainda que eu não seja uma ave de arribação, tenho uma tendência migratória: faço, anualmente, o caminho de regresso para casa. Convenciona-se chamar de casa, ou pelo menos eu mantenho essa convenção, àquela a partir da qual fomos gerados para o mundo. De fato, casa é onde se está. Mais: casa sou eu mesmo, ao modo das tartarugas que carregam o próprio lar nas costas.


Mas empreendo todo ano uma espécie de romaria ou, para situar no período, uma via sacra. E é praticamente um hábito religioso que repito todos os anos, com raríssimas quebras. Assim, aponto meu bico de ave que não é ave para a região Oeste do Estado e vou. Sim, embora ave não seja, meio que voo. Depois, as multas voam atrás de mim.


E, mais uma vez, chega a hora da migração periódica. Todo ano prometo me fazer mais presente lá na casa da minha mãe. É lá que está a maior parte da minha família. Todo ano não cumpro a promessa. Este ano estive lá no começo de janeiro, na beira dos estertores de 2008, e depois em julho. E foi tudo. São quase 400 quilômetros de distância mas não é a distância física uma barreira, e sim a forma como levo a vida. De julho para cá, trabalhei todos os dias, de domingo a domingo, e apenas na semana passada houve um alívio.





Estou bastante cansado e estressado. Andei a reclamar por aqui vez ou outra desse esforço e sempre li de volta palavras que dão alento. Embora eu pareça refratário, afirmo que não sou e, para fazer ainda a analogia com as aves, mais vale uma palavra de incentivo aqui escrita por um(a) leitor(a) do que atitudes que não chegam a se concretizar e pairam feito penas ao vento, sem direção, a flutuar no espaço cada vez mais rarefeito da vida cotidiana.


Nesses cinco meses, entre julho e agora, passei, das 24 horas do dia, ao menos 16 horas colado à tela do computador. Por tudo: por trabalho, pelo blog, pelas redes sociais e, por fim, para me dedicar aos social games, os jogos atrelados às redes sociais que, como a milhões de outras pessoas no mundo, me fizeram um viciado diário.





Tenho uma relação mal resolvida com o mundo virtual: amo e odeio e isso pode ocorrer nas mesmas proporções. Amo porque se me abriu não apenas janelas, mas um portal inteiro, um imenso mar de pessoas, um universo pelo qual transitam seres deste planeta - quiçá de outros, nunca se sabe - e que estão, numa ilusão de ótica, simultaneamente tão perto e tão longe. Amo porque todo o ambiente da internet me fez conhecer pessoas novas. Que eu amaria ainda mais conhecê-las pessoalmente. Pois que me acompanham por aqui de uma forma que nem as pessoas reais, que me estão próximas, por vezes conseguem me acompanhar.


Odeio exatamente pelo mesmo motivo: por não poder trespassar a tela, atravessá-la como se um portal fosse e conhecer e me dar a conhecer às pessoas (OK, me dar é mais exato, admito). Que tudo que tenho desses seres que se encontram nessa massa esfera binária que, em combinações 011011001100110110, nos transformam, a todos, em pessoas de carne e osso, para além de nossos avatares, nicknames, fotografias e metáforas de todas as formas, são, por enquanto, relâmpagos de vidas que riscam essa estratosfera virtual.


Portanto, eu coloco de lado a virtual life, que acho, sim, uma second life tão rica quanto a first life pode ser, e vou para a real life. Vida real. Volto, uma vez mais, filho pródigo, para os meus.


Deixo a FarmVille em que planto e realizo colheitas virtuais para a terra que me viu nascer.


Deixo a famiglia do Mafia Wars e vou para a família a qual eu pertenço.


Deixo o Café World para tomar café de casa, feito na hora.


Deixo o Happy Aquarium para alimentar os peixes reais do açude do sítio em que nasci.





Assim, este blog e blogueiro pedem arrego e entram ambos em recesso. Que o gene recessivo do ano foi completamente coberto pelo gene dominante. E que, embora eu tenha tido excelentes resultados em muitas coisas, noutras predominou um certo desalento que, por fim, me abateu mais do que eu previa. Mas é para isso que voo em sentido contrário. Para me recompor. Para trocar as penas. Para sentir a vida real mais do que a virtual.





Formo fileira com aquelas pessoas que não têm muito apreço ao Natal. Nunca gostei da data, mesmo antes de identificá-la com o significado comercial que tem atualmente. Não sei nem explicar porque. Talvez seja porque não fui formado com um espírito natalino, de um papai noel que trouxesse presentes e me encantasse. Talvez porque nunca houve neve. E talvez porque no fundo eu era um incrédulo desde sempre.


Mas eu gosto do período em si que antecede e precede o Natal. Do fato de podermos, na minha casa, finalmente nos juntarmos a todos. É a única ocasião que acontece isso por mais que nos prometamos uns aos outros o contrário. O tal do espírito natalino ao menos tem o mérito de nos por em torno de uma mesa, uma casa e fazer daqueles instantes um mundo particular.


Gosto também da passagem de ano. Já passei sujo, no sentido estrito de não me banhar horas antes, descalço, sem camisa. Tive o maior prazer porque passei, um ano, a altas gargalhadas. Por tudo e por nada. Livre de qualquer outro pensamento. Acho que somente pelo prazer de estar onde estava com as pessoas que importavam. Antigamente, lembro que eu costumava me preparar cerimoniosamente para a passagem do ano: roupa branca, nova, um banho de purificação, um preparo para o que viria. Isso acabou. E não faz falta. São besteiras. Agora, o que importa são outras cerimônias, mais intangíveis porém mais importantes.


Se tenho algum sonho para 2010? Sonhos os tenho todos os dias. Sonho acordado inclusive. Sonho muito para mim mas não sou do tipo que acorda e acredita que a vida é pesadelo. Embora eu creia que a vida não é sonho, também não é pesadelo, certamente. Prefiro dizer que alimento perspectivas. Porque os sonhos pertencem ao universo dos sonhos e é lá que ficam, no reino do inconsciente. As minhas perspectivas para 2010 são muitas. Mas tem uma, particularmente, que a mim me daria muito prazer efetivá-la: gostaria de ir para Portugal e conhecer uma porção de pessoas que me visitaram o ano inteiro e que dialogaram comigo neste espaço. Não vou nominá-las porque sempre que se procede assim ou se peca por falta ou por excesso. Essas queridas pessoas, ao me lerem, se saberão citadas.


Durante este ano de 2009, alimentei, para o regozijo dos amigos, uma ideia fantasiosa: a de que iria me casar. O detalhe é que existe apenas uma pessoa nessa história: eu. A não ser que eu me casasse com um poste ou um boneco inflável, nunca existiu essa possibilidade. Durante o ano inteiro, esvaziado que foi pelo término da faculdade de gastronomia que fiz entre 2007 e 2008, não conheci praticamente ninguém (na vida real, quero dizer). Dos conhecidos, são todos amigos e, a não ser por um desatino, não me vejo casado com ninguém que conheça atualmente. Portanto, a ideia de casamento foi, essa sim, uma fantasia - não cultivada, devo frisar - que pertence ao tal universo dos sonhos. O ano termina e eu não estou casado. Se estou infeliz? Não. Mas não estou feliz também. Estou a meio caminho entre perspectivas e sonhos. E que ambos se realizem, a despeito de eu acabar de desmerecer os sonhos. Sei lá. Vai que...


Desejo a você, amado(a) leitor(a), muita coisa. Mas não vou repisar os cumprimentos habituais que se fazem nessa época. Não gosto disso. Só quero dizer que desejo mentalmente que cada um de vocês, amigos(as), conhecidos(as) e anônimos(as), realize suas perspectivas e, porventura, eventuais sonhos, na medida em que acreditam nas primeiras ou nos segundos.


Este é, assim, o último post do ano. Porque no Natal eu mesmo venho me buscar e me levarei para a outra dimensão, a real. Nos vemos - modo de dizer, né! - no ano que vem. Abraço, beijo e o que mais você quiser. Que tudo o que quiser lhe será concedido (eu repito isso para mim mesmo até acreditar). Até logo!

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os tops do YouTube e do Twitter

Saíram as listas dos mais vistos do YouTube e os mais comentados do Twitter. Assim na terra como na internet, os assuntos mais badalados do ano foram de um espaço (internet) a outro (terra) os que dominaram o ano de 2009.







Os cinco vídeos mais vistos no YouTube em todo o mundo (três foram postados neste blog durante o ano):


1º. Susan Boyle - Britain's Got Talent - com mais de 120 milhões de visitas (o vídeo original teve o link desincorporado pelo YouTube)





2º. David After Dentist - o menino filmado pelo pai sob o impacto da anestesia após a ida ao dentista - 36 milhões de visitas





3º. JK Wedding Entrance Dance - 33 milhões de visitas (quando eu casar, será assim)





4º. New Moon Movie Trailer - o trailer de "Lua Nova", da saga "Crepúsculo" - 30 milhões de visitas





5º. Evian Roller Babies - os bebês radicais do comercial da água Evian - 27 milhões de visitas





Na música, a audiência não ficou para trás. Abaixo, os cinco vídeos mais assistidos:


1º. Pitbull - I Know You Want Me - 80 milhões de visitas
2º. Miley Cyrus - The Climb - 62 milhões de visitas
3º. Miley Cyrus - Party In The U.S.A. - 49 milhões de visitas
4º. The Lonely Island - I'm On A Boat - 48 milhões de visitas
5º. Keri Hilson - Knock You Down - 35 milhões de visitas


No Twitter, os assuntos que tomaram conta da rede de microblogging foram os seguintes trending topics, conforme a área:


Tecnologia


1º. Google Wave - que se pretende a tsunami googaláctica que pretende cobrir o mundo
2º. Snow Leopard - a evolução do sistema operacional Mac OS da Apple
3º. Tweetdeck - browser para facilitar as postagens e demais funcionalidades do Twitter
4º. Windows 7 - o retorno, depois do fracasso do Vista
5º. Consumer Electronic Show (CES), maior feira mundial de tecnologia de consumo

Pessoas

1º. Michael Jackson, colocado em outro reino
2º. Susan Boyle, segunda colocada na edição do "Britain's Got Talent" deste ano
3º. Adam Lambert, segundo colocado na edição do "American Idol" deste ano
4º. Kobe Bryant, colocador de bolas nas cestas de basquete do Los Angeles Lakers
5º. Chris Brown, colocador de marcas roxas na Rihanna

Notícias

1º. Iran Election, a pressão mundial pelas eleições do Irã que, no final das contas, redundou em nada: Ahminejad foi reconduzido ao cargo e ainda veio ao Brasil e foi bem recebido, para infelicidade de muitos de nós
2º. Swine Flu, a gripe suína que assustou o mundo
3º. Gaza, a faixa disputada eternamente
4º. Irã, em função do primeiro item
5º. Teerã, em função do primeiro e quarto itens

Filmes

1º. Harry Potter, com o último filme da série
2º. New Moon (Lua Nova, no Brasil)
3º. District 9 (Distrito 9)
4º. Paranormal Activity (Paranormal, no Brasil)
5º. Star Trek

Programas de TV

1º. American Idol
2º. Glee
3º. Teen Choice Awards
4º. Saturday Night Live - SNL
5º. Dollhouse

Esportes

1º. Superbowl
2º. Lakers
3º. Wimbledon
4º. Cleveland Cavaliers (Cavs)
5º. Superbowl

Hash tags (categorias)

1º. #musicmonday (música de segunda-feira)
2º. #iranelection (eleições no Irã)
3º. #sxsw (sxsw é o acrônimo de uma empresa que realiza uma série de conferências e festivais sobre tendências na música, no cinema e na indústria da mídia, em geral)
4º. #swineflu (gripe suína)
5º. #nevertrust ("nunca acredite" ou "nunca confie")

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os membros amputados das ausências

Em conversa com uma conhecida sobre uma recente cirurgia da coluna a que ela se submeteu, falávamos sobre a dor. Sobre o processo lento de cicatrização e as dores reais e não-reais que acompanham pelo resto da vida as pessoas que, por acidente, doença ou qualquer outro motivo, têm que amputar partes do corpo.


Essa senhora fez a cirurgia há algum tempo e, segundo exames e procedimentos médicos, ela está, na teoria, curada. Portanto, a dor que sentia pré-cirurgia deveria ter sido extinta. Mas não foi. Não, não se trata de erro médico. Ela me disse que o médico lhe explicou que a despeito do corpo ser regenerado via intervenção cirúrgica, o cérebro demora muito mais tempo para registrar o fato e, numa espécie de memória da dor, conserva aquele registro específico e inclusive envia os comandos para o corpo como se a dor ausente ainda estivesse presente.





Claro que isso me deu ensejo para digressões outras sobre as dores. As doloridas cicatrizes físicas e de alma. Me recordei imediatamente da boneca Emília, personagem famosa da série "Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato. Em algum livro, Emília começa a recortar as sombras das pessoas. Por pura pirraça. E as pessoas começam a ficar com buracos nas sombras. Como se estivessem retalhadas. Esburacadas em suas sombras, revoltam-se até descobrir que Emília é autora de tais roubos de sombras. Somente agora me dou conta da metáfora eloquente do roubo de sombras.


Com quê então as pessoas podem ficar sem sombra? Como assim? A sombra é o reflexo e a consciência de nós mesmos, tal qual um espelho. Um negativo de nossos corpos. Se não projetamos sombras, logo, não existimos?


Vou mais longe com a dor do membro. Se no caso da senhora a cirurgia foi reparadora para o corpo, o cérebro, atrasado, ainda faz com que ela se lembre vivamente da dor pregressa. Engraçado que, conscientemente, ela compreende todo o processo, da cirurgia à reparação (se é que existe conserto para o corpo, coisa de que eu duvido, enfim). Segundo me disse, o cérebro preparou-se para a dor e a fixou. Portanto, interiorizou aquela dor em algum lugar. E, num processo de exteriorização, agora tem que ser educado para expelir esse registro fotográfico de uma dor que não está mais ali.


A ausência de sombra provocada pela boneca Emília e a extinção da dor da senhora por meio da cirurgia equivalem-se: em comum, ambas, apontam para o que não existe, para o ausente. As pessoas sem sombras e a senhora sem dor, no entanto, são enganadas. As primeiras porque sentem-se amputadas verdadeiramente de sua natureza essencial, que consiste em emitir sombra. A segunda porque, tendo tido a dor amputada, de fato ainda a conserva como se real fosse.


Donde presumo que as ausências das pessoas são como sombras recortadas e como membros consertados: nos doem como se reais fossem, por mais que o corpo, o coração e a mente registrem o contrário.


É como se, ao pegar o exemplo do roubo das sombras, as pessoas que se nos subtraem de nossas vidas nos amputassem daquela parte. Daquele específico registro espacial que a pessoa ocupava e que, ao proceder o corte cirúrgico da separação, se vai, como a coluna defeituosa da senhora, mas não vai, de alguma forma. Pior: não se vai nunca. Nem o cérebro, com a espantosa capacidade de adaptação de que é fornido consegue expulsar o registro da ausência.


Fica-se, assim, como uma pessoa que teve uma perna ou braço amputados e que é capaz de sentir, anos a fio, a unha nas pontas dos dedos, a coceira indelével que faz formigar os dedos dos pés. Também a ausência física das pessoas, portanto, cria zonas de sombras, essas sim sombras não-reais, sombras de pedaços amputados da vida.


Como conviver com aquele pedaço que foi deslocado? Que, se pelas leis da física, não ocupava o mesmo espaço, mas pela lei da intimidade, ocupava o mesmíssimo espaço? E que, mesmo ausente, deixa ali do lado a marca da sua presença? Como lidar com as amputações a que somos submetidos (e que submetemos, por certo) e fazer com que cérebro e coração as registrem? Que não tenham dores por algo que, teoricamente, não existe?


Queria ser como a boneca Emília e cortar e recortar esses espaços-crateras. Extirpar de uma vez esses membros virtuais que coçam e formigam uma vida inteira, sem possibilidade de regeneração. Pois que essa dor, o cérebro, tão ágil para reabilitar o corpo conforme as circunstâncias, não aprendeu ainda a curar.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Nude do dia

O Nude do Dia é de uma nudez exemplar. Melhor, tem a nudez mais desenxabida, aquela que prova que somente o próprio rei não percebe a própria nudez. Embora a técnica não seja a mais apropriada - e os politicamente corretos de plantão estão atentos -, o fato é que a agressão ao premiê italiano Silvio Berlusconi encontra grande repercussão no mundo inteiro porque as pessoas, de forma geral, estão mais do que cansadas das atitudes dos políticos.





Na Itália, no Brasil, na Argentina (Cristina Kirchner, a presidente, acaba de ser alvo de ameaças de morte em transmissão de rádio durante voo de helicóptero) e em qualquer outro lugar onde a politicagem encobre, sempre, a falta de vergonha na cara e serve a objetivos pessoais.






Berlusconi virou alvo fácil no mundo real ao levar a pancada em Milão mas também aqui, neste mundo virtual: o vídeo do ataque já está entre os mais vistos no YouTube, o primeiro-ministro italiano chegou ao trend topics do Twitter e, para fechar o cerco, já transformou-se em game no qual você mesmo(a) pode atacá-lo com monumentos italianos como a Torre de Pisa e o Duomo, de Milão: Berlusconi: the game.





O recado é claro: ninguém aguenta mais tanta safadeza na política.


domingo, 13 de dezembro de 2009

Meu rugido dominical

Assisti a uma reportagem na TV ontem que falava sobre o desaparecimento de línguas (idiomas e dialetos). E pensei que a gigantesca babel chamada Terra que reúne 6,767 bilhões de pessoas que falam quase 6,8 mil idiomas diferentes começa a se desmantelar. Mas será que é isso mesmo?





Um estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) revela que mais da metade das 6,8 mil línguas faladas no mundo estão ameaçadas de extinção a longo prazo. A cada duas semanas, duas dessas línguas - que podem ser idiomas ou dialetos - desaparecem. No ano, são 25 idiomas extintos. O problema é que 96% das línguas existentes são faladas apenas por 4% da população mundial: são tribos indígenas e povos no mundo inteiro que, também eles mesmos, estão à beira da extinção.


Dessa forma, por exemplo, na Papua-Nova Guiné falam-se 850 idiomas, seguida pela Indonésia, com 650 idiomas, Nigéria, com 410, Índia, com 380 e Camarões, com 270 diferentes idiomas. No Brasil, onde se acredita, basicamente, que o português é a língua oficial, existem mais de 200 idiomas, dos quais 180 são praticados por índios, segundo o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (IPOL).


A partir de amanhã, 14 de dezembro, o Museu da Língua Portuguesa promove um encontro entre estudiosos do mundo inteiro que vão se debruçar sobre as razões que levam ao desaparecimento de idiomas em todo o mundo e as formas de preservar essas línguas.


Eu vivo da comunicação e tenho pela língua - seja portuguesa ou qualquer outro idioma - o maior respeito. Não obstante essas reformas que, de tempos em tempos, os governos promovem - essa última entrou em vigor a partir de 1º. de janeiro deste ano e terá um período de transição até o dia 31 de dezembro de 2012 e as demais foram feitas em 1943 e 1971 -, penso que a língua escrita e falada é, talvez, o mais importante instrumento que adquirimos para nos comunicarmos e registrarmos para a posteridade essa comunicação.


Atribui-se aos sumérios os primeiros registros da língua escrita. Mas há estudiosos que localizam o nascimento das línguas entre 50 mil e 30 mil anos antes da era cristã. Portanto, a se fiar nesses estudos, o registro da língua escrita é novíssimo: apenas entre 52 mil ou 32 mil anos. A língua escrita, segundo a classificação de M. Cohen, tem três etapas: pictogramas (arcaica e figurativa, representa o conteúdo da língua); ideogramas (sinais que representam de forma simbólica o significado das palavras); e fonogramas (sinais abstratos que representam elementos de palavras ou de sons, como nas escritas alfabéticas). Atualmente, a maior parte da população mundial usa os fonogramas para se comunicar de forma escrita.


No mundo, as 20 línguas mais faladas e escritas são:


1. Mandarim (ou chinês, como preferem muitos): 1 bilhão de pessoas
2. Inglês: 730 milhões
3. Hindi (Índia): 725 milhões
4. Francês: 515 milhões
5. Espanhol (ou castelhano): 500 milhões
6. Árabe: 480 milhões
7. Russo: 280 milhões
8. Português: 250 milhões
9. Bengali (Bangladesh): 199 milhões
10. Indonésio: 175 milhões
11. Alemão: 132 milhões
12. Japonês: 127 milhões
13. Persa: 110 milhões
14. Italiano: 100 milhões
15. Punjabi (Índia e Paquistão): 104 milhões
16. Urdu (Paquistão): 104 milhões
17. Vietnamita: 86 milhões
18. Tamil (Índia): 77 milhões
19. Javanês: 76 milhões
20. Telugu (Índia): 75 milhões


A língua portuguesa desenvolveu-se na Península Ibérica a partir do latim que era falado pelos soldados romanos desde o século III a.C. E começou a diferenciar-se das línguas românicas após a queda do Império Romano e das invasões bárbaras no século V d.C. (ano 400 da nossa era). Mas os registros escritos do português apareceriam em documentos somente no século IX (ano 800). No século XV (1400) já era uma língua rica em reprodução escrita.


A língua é movediça. Sim, movediça como a areia que absorve tudo o que passa pela sua superfície. A língua absorve o novo, a toda hora. E, neste exato momento, passa por um grande processo de absorção nesse território movediço que é a internet e o telefone celular, ambos terrenos inovadores em amplos segmentos dos quais a língua é apenas mais um.


Em algum momento, se você acessa a internet, se deparou com os acrônimos (abreviações de palavras muito usadas) e emoticons (sinais de acentuação que formam 'carinhas' ou qualquer outra expressão que se aproxime do comportamento ou atitude humanos). Um acrônimo bastante conhecido mundialmente é a expressão "LOL" (lots of laugh ou, ainda, laughs out loud, que significam, respectivamente, um monte de risadas e rir muito alto ou gargalhar).


Mas como apenas o registro escrito pode não ser suficiente para expressar a emoção ou o tom da conversa, os emoticons substituem a palavra:


:)  cara ou face feliz
:( cara ou face triste
-D sorriso
˜-( choro


Além, claro, de outros recursos como colocar as letras em caixa alta (maiúsculas) para querer significar GRITO, BERRO ou em negrito (ou bold) para CHAMAR A ATENÇÃO! E outros artifícios que se inventam a todo momento.


Das 6,767 bilhões de pessoas em todo o mundo, ao menos 1,734 bilhão já acessam a internet. Ou seja, 25,6% da população mundial estão conectados nessa plataforma virtual na qual eu escrevo e você lê, por exemplo. Nesse mesmo universo, 4,5 bilhões de pessoas portam telefones móveis. Quer dizer, são mais de 66% de toda a população terrestre. Essa imensa areia movediça digital formada pela internet e pelos celulares faz com que a língua escrita - e divulgada sobre as mais diferentes formas - tenha se recoberto de uma nova roupagem. Usamos, ao menos em conversas rápidas (chats ou messengers, em geral) e troca de mensagens curtas (SMS no celular) cada vez mais sinais ao invés da língua escrita, numa reinvenção do código escrito.


Para piorar, milhões de pessoas das mais diversas partes do planeta fazem uso simultâneo de aplicações iguais: eu, no Brasil, tenho um perfil no Facebook e você, no Sri Lanka, também tem. Por algum motivo, nos conectamos. Como não falamos, você e eu, a mesma língua, procuraremos uma língua comum sob a qual nos façamos entender.


O inglês é a língua que domina na comunicação por internet. Atualmente, as línguas mais usadas na web são: o inglês, do qual fazem uso 28,6% do total de 1,734 bilhão de pessoas que acessam a internet; o mandarim, com 20,3%; o espanhol, com 8,2%; o japonês, com 5,9%; o francês, com 4,6%; o português, com 4,5%; o alemão, com 4,1%; o árabe, com 2,6%; o russo, com 2,4%; e o coreano, com 2,3%. A discrepância entre as línguas mais faladas no mundo e as mais usadas na internet deve-se, unicamente, à densidade ou acesso das pessoas à internet.


Tecnologicamente, a linguagem mundial que conecta os computadores em rede evoluiu para o Unicode, padrão que permite a todos os nossos equipamentos - desktops, notebooks e netbooks - representar e manipular de forma consistente os textos de qualquer sistema de escrita existente.


Esse padrão, basicamente, contém um repertório de 100 mil caracteres, um conjunto de diagramas de códigos para referência visual, uma metodologia para codificação e um conjunto de codificações padrões de caracteres e mais algumas regras de ordenação alfabética que fazem com que eu acesse um blog, por exemplo, escrito em hindi e a minha máquina não tenha grandes problemas em "visualizá-lo". OK, pode ocorrer algum mojibake (erros de incompatibilidade de caracteres), mas eventualmente, credito ao mojibake o mesmo papel de equívocos que cometemos normalmente nas nossas próprias línguas ao falar ou escrever.


Escrevi acima a situação entre o usuário do Facebook do Sri Lanka e eu para destacar o papel das redes sociais (ou social networking) nessa ruptura da babel linguística. Mas isso não é tudo e veja, finalmente, porque desconfio que estamos numa nova era de comunicação em termos da linguagem: há, em paralelo com a expansão das redes sociais, um enorme desenvolvimento dos social games (ou jogos sociais).


São aqueles do tipo FarmVille, Mafia Wars, Colheita Feliz (do Orkut), YoVille, Texas HoldEm Poker e muitos outros. Esses games nos entrelaçam em comunidades de fazendeiros(as), mafiosos(as), apostadores(as) e vizinhos(as) de uma tal forma que não mais dependemos do uso da linguagem. Simplesmente plantamos, colhemos, presenteamos, adubamos a fazenda alheia, cutucamos o(a) outro(a), beijamos, dançamos, abraçamos e até mesmo contamos fofocas ao pé do ouvido do(a) nosso(a) vizinho(a) no PetVille.


Para voltar ao início deste longo post, embora eu defenda a unificação da comunicação mundial, o que, em tese, nos aproximaria e afastaria nossas diferenças, me ocorre que essa proximidade feita de símbolos e instintiva pode, quando muito, nos deixar ainda mais isolados em universos que, de fato, não correspondem a nada. E destruir uma rica babel que, segundo a lenda, um dia nos separou. Creio que o melhor, mesmo, era emitir os primitivos grunhidos do tempo das cavernas ao invés de rir ou mostrar a língua. O que você acha?  :))

sábado, 12 de dezembro de 2009

The book is on the table

Triste como a vida. Assim avalio este maravilhoso livro. "A Solidão dos Números Primos" - Paolo Giordano - editora Rocco - 284 páginas. Li em dois dias. E é a segunda vez que me surpreendo com um escritor italiano da nova geração. A primeira foi com "Caos Calmo", de Sandro Veronesi.





Mattia, um dos protagonistas, é um gênio da matemática. É irmão gêmeo de Michela que, na mesma proporção do irmão, é opostamente deficiente mental. A outra protagonista é Alice, cujo pai quer torná-la campeã de esqui. Ao sofrer um acidente, Alice fica impossibilitada de realizar o sonho do pai.


Mattia e Alice se encontrarão. Um, o primeiro, desenvolve um estranho andar para se fazer notar cada vez menos pelas outras pessoas: caminha com as laterais dos pés e evita todo e qualquer ruído que o seu caminhar possa causar. A outra, vitimada pelo acidente, tem uma perna mais curta e, por isso, caminha de forma manca. Um e outro se completarão em ambos os andares de forma simétrica. Um e outro ocupam o espaço reservado que fica vago a cada passo de ambos.


"Mattia tinha estudado que entre os números primos existem alguns ainda mais especiais. Os matemáticos os chamam de primos gêmeos: são casais de números primos que estão lado a lado, ou melhor, quase vizinhos, porque entre eles sempre há um número par, que os impede de tocar-se verdadeiramente. números como o 11 e o 13, como o 17 e 19, o 41 e o 43. Com paciência para continuar contando, descobre-se que esses casais logo rareiam. Encontram-se números primos cada vez mais isolados, perdidos naquele espaço silencioso e cadenciado, feito apenas de cifras, e se tem o pressentimento angustiante de que os casais encontrados até ali sejam um fato acidental, que o verdadeiro destino seja mesmo permanecer sozinhos. Então, justamente quando se está prestes a desistir, quando já não se tem vontade de contar, eis que se esbarra em outros gêmeos, agarrados um ao outro. É convicção comum entre os matemáticos que, até onde se possa avançar, sempre haverá outros dois, mesmo que ninguém seja capaz de dizer onde, até que sejam descobertos. Mattia achava que ele e Alice eram assim, dois primos gêmeos sós e perdidos, próximos, mas não o bastante para se tocar de verdade."


Na minha fase atual, sinto que sou como esses números primos gêmeos: sei que existe alguém, em alguma parte do mundo, mas, por um lapso - seja de tempo ou do acaso - jamais encontrarei o primo gêmeo. E, se o encontrar, sempre haverá um outro número par (quer dizer, uma outra pessoa) a me impedir de, finalmente, tocar essa outra pessoa. Portanto, isso é triste. E, portanto, o livro é triste. Como a vida.

Ordinariazinhas

Você quer um Macbook? Mas acha que é caro? E você já tem um notebook ou netbook mas gostaria de ter um Macbook? Está cansado(a) dos notes e nets com Windows? Daqueles modelos sem a graça e o grafismo da maçã? Não se preocupe. Os seus problemas acabaram. Chegou o novo modelo do Macbook: "faça você mesmo(a)". Ou Macbricolage. É simples: você pega o seu tijolão, quer dizer, o seu note, que deve pesar uns 5 quilos, pega uma maçã verde e um plástico do tipo filme e embala a maçã no seu próprio note ou net. Pronto: sem sair de casa (a não ser para comprar a maçã, se você não tiver), já pode dizer que é, enfim, um MacUser.



sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Há um tigre em casa que costuma crescer de noite

O Tigre

Há um tigre em casa
que dilacera por dentro aquele que o olha.
E somente tem garras para aquele que o espia,
e somente pode ferir por dentro,
e é enorme:
maior e mais pesado
que outros gatos gordos
e carniceiros pestíferos
de sua espécie,
e perde a cabeça com facilidade,
fareja o sangue mesmo através do vidro,
percebe o medo até da cozinha
e apesar das portas mais robustas.

Costuma crescer de noite:
coloca sua cabeça de tiranossauro
em uma cama
e o focinho fica pendurado
para lá das colchas.
Seu dorso, então, se aperta no corredor
de uma parede à outra,
e somente alcanço o banheiro rastejando, contra o teto,
como que através de um túnel
de lodo e mel.

Não olho nunca a colmeia solar,
os negros favos do crime
de seus olhos,
os crisóis da saliva envenenada
de suas presas.

Nem sequer o cheiro,
para que não me mate.

Mas sei claramente
que há um imenso tigre encerrado
em tudo isso.

(tradução: Plinio Junqueira Smith)



A poesia acima faz parte da obra "El Tigre en La Casa", do poeta mexicano Eduardo Lizalde. Nascido em 1929, Lizalde vive na Cidade do México. A literatura lhe veio da infância: o pai lhe ensinou a ler e construir as frases a partir de um início de sonetos. O tigre, Lizalde o encontrou ainda criança, ao conhecer a figura do tigre de Kipling das histórias em quadrinhos de Tarzan.

Adolescente, foi consumidor voraz de Balzac, Zola, William Blake e Rainer Maria Rilke. O tigre é recorrente na poesia de Lizalde e, por esse mesmo motivo, o poeta é conhecido como "El Tigre". Sobre esse animal, Lizalde disse: "O tigre é uma figura fascinante desde os tempos bíblicos até hoje e não acho que há um escritor que deixou de mencionar o tigre. O tigre é a imagem da morte, destruição e também da beleza; é apenas uma ferramenta metafórica". De forma metafórica ou não, acredito firmemente que há um tigre dentro da minha casa que, com certeza, cresce à noite.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A Single Man

Depois de muito barulho por nada, aparentemente, em relação ao filme brasileiro "Do Começo Ao Fim" (somente li críticas negativas de blogueiros - incluso os gays - que mais valem do que os críticos de cinema), creio que este, sim, é um filme que vale a pena ser assistido. É "A Single Man", primeiro filme dirigido pelo estilista Tom Ford. A estreia ocorre nesta sexta-feira, nos EUA.





E um dos grandes trunfos do filme é o ator Colin Firth, que interpreta o protagonista - George, um professor inglês homossexual nos anos 60 em luto pela morte do seu companheiro de 16 anos em função de um acidente. A crítica tem sido completamente conquistada pela atuação de Colin Firth e já há quem fale em Oscar. Colin é conhecido: fez Marc em "O Diário de Bridget Jones", Jamie em "Simplesmente Amor" e Brown em "Nanny McPhee" (no Brasil, "Nanny McPhee - A Babá Encantada").





Particularmente, gosto mesmo é da atuação de Colin em "Simplesmente Amor" ("Love Actually" e, em Portugal, "O Amor Acontece"). No filme, Colin é um escritor que se apaixona por Aurélia, uma garçonete portuguesa. OK, adoro a cena em que ele vai em busca dela. #prontofalei!


Mas não quero divagar. Colin Firth já ganhou o prêmio de melhor ator no Festival Internacional de Cinema de Veneza por "A Single Man". Sobre o papel, Colin disse que fazer o personagem - que tenta acabar com uma vida triste por meio do suicídio - foi "uma perturbação de riquezas, uma chance que, apesar dos 20 anos de carreira, dificilmente aparece". "A Single Man" levou também o Leão Gay 2009 de melhor filme de temática homossexual.





"Apesar do exterior contido desse homem, ele experimenta desespero, lascívia, frivolidade, raiva, medo, anseio, remorso, ternura - a lista de emoções é extraordinária. Não me lembro da última vez que levei um filme nas costas. Ter uma história de um homem confiada a mim é algo muito raro", afirmou o ator, em entrevista.


Se os homens são de Marte é para lá que eu vou...

Para atenuar o tiroteio anterior.




quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Bang bang

Têm horas que tenho vontade de dar um bang bang em algo/alguém/alguma coisa. Por enquanto, fico com as versões emprestadas de Nancy Sinatra. A princípio, não sou de violência. No fim, a música é melhor, não?










terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Uma cidade, um Estado, um País

Tenho comigo algumas opiniões que não são demolidas nem por decreto. Quando moldo, com esses pensamentos, uma massa, sinto que fabriquei um bloco de concreto. E daí que me saltam aos olhos a arbitrariedade dos diferentes níveis governamentais - município, Estado e União.


E que me provam, cada vez mais, o quão longe estão os governantes de nós, os 'consumidores finais', que somos a última milha desse encanamento que começa nas torneiras de águas transparentes do Palácio do Planalto em Brasília e se encerra nos esgotos do rio Tietê, em São Paulo. Somos avacalhados com tanto culeiforme fecal (para não dizer merda) que transborda e faz transbordar uma cidade inteira.





Somente para constatar:


Em uma cidade


O que se vende:


- Prefeitura de São Paulo: deverá gastar R$ 90 milhões em publicidade este ano (ante um orçamento inicial previsto de R$ 31 milhões). No ano que vem, a conta está orçada em R$ 126 milhões.


O que se compra:


- Cidade de São Paulo: em um dia de chuva, seis mortos. O prefeito, Gilberto Kassab, disse que foram investidos R$ 129 milhões contra as enchentes no município.





Em um Estado


O que se vende:


- Governo do Estado de São Paulo: pretende gastar R$ 120 milhões em publicidade em 2010, ano eleitoral no qual o governador José Serra desponta como um dos eventuais candidatos à presidência da República. O gasto corresponde a 158% mais do que o feito este ano, estimado em cerca de R$ 45 milhões. Esse gasto será de 0,1% do orçamento do Estado, de R$ 125,5 bilhões.


O que se compra:


- Em oito dias, 20 pessoas morreram no Estado em função das chuvas, 18 pessoas foram vítimas de deslizamentos de terra, três foram atingidas por raios e uma pessoa foi levada pela enxurrada. O governador, José Serra, se calou completamente e, twiteiro assíduo, não deu um pio.






Em um País


O que se vende:



- Até junho deste ano, o governo federal gastou R$ 616,2 milhões com publicidade. No ano passado, foi R$ 1.125,5 bilhão.


O que se compra:


- O Brasil está entre os cinco maiores emissores de gases na atmosfera e uma das principais causas dessa emissão de gás carbônico (CO2) é o desmatamento da Amazônia. Calcula-se que, para zerar o desmatamento da Amazônia até 2020 (em dez anos, portanto), sejam necessários aportes estimados entre US$ 7 bilhões e US$ 18 bilhões. Em abril desse ano, noticiou-se que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) tinha em caixa US$ 110 milhões para investir contra o desmatamento. Para criar uma esperança (hope, em inglês), vã, na minha opinião, um pouco antes de ter início a Conferência de Copenhague-Cop15, que pretende convencer o mundo de que Hopenhagen é possível, o presidente Lula anunciou que o Brasil se compromete a reduzir, voluntariamente, as emissões de gases causadores do efeito-estufa entre 36,1% a 38,9% até 2020 (em dez anos, portanto). Presume-se que o Brasil emita algo entre 2 bilhões a 2,3 bilhões de toneladas de gases-estufa ao ano. Em 2020, a previsão é de 2,7 bilhões de toneladas. Com a redução, poderia baixar a 1,6 bilhão de toneladas. Somente não se explicou com que recursos isso será viabilizado.





Sabe-se que o desmatamento é uma das principais causas dessas mudanças climáticas. Portanto, a causa se dá por conta:


- De um País e suas emissões e desmatamentos
- De um Estado que não se previne contra as catástrofes anuais amplamente previsíveis
- De uma cidade que, sendo a maior do País, ainda não se deu conta de que "piscinões" são soluções arcaicas e que, sem a manutenção permanente da malha de esgotos e escoamento pluvial, estamos, na cidade de São Paulo, fadados a nos transformarmos em uma Veneza futurística e caótica aos moldes da Los Angeles decadente de "Blade Runner".




    segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

    Uma escolha para a história (editorial coletivo do 'The Guardian' sobre a Conferência de Copenhague)

    Reproduzo abaixo o editorial do jornal britânico "The Guardian" que, numa iniciativa inédita, publicou nesta segunda-feira, 7, um editorial coletivo em 56 jornais de 44 países sobre a Cop15 - Conferência de Copenhague, que acontece entre hoje, 7, e vai até o dia 18, em Copenhague, Dinamarca. No Brasil, são dois os jornais que replicaram o editorial: o "Zero Hora", de Porto Alegre (RS) e o "Diário Catarinense", de Florianópolis (SC), ambos do grupo RBS:



    "Hoje, 56 jornais de 44 países dão o passo inédito de falar com uma só voz, por meio do mesmo editorial. Tomamos essa atitude porque a humanidade enfrenta uma séria emergência.

    Se não nos unirmos para tomar uma ação decisiva, as mudanças climáticas devastarão nosso planeta, acabando também com nossa prosperidade e nossa segurança. Os perigos têm se tornado evidentes há uma geração. Agora, os fatos começaram a falar por si: 11 dos últimos 14 anos foram os mais quentes já registrados, o gelo do Ártico está derretendo e a alta nos preços do petróleo e dos alimentos no ano passado é um exemplo do caos que pode estar por vir. Nas publicações científicas, a questão não é mais se os seres humanos devem levar a culpa pelo que está acontecendo, mas quão curto é o tempo que temos para reduzir os danos. Até aqui, a resposta mundial tem sido fraca e sem entusiasmo.

    As mudanças climáticas foram causadas ao longo de séculos e têm consequências que durarão para sempre. As nossas chances de frear o problema serão determinadas nos próximos 14 dias. Apelamos aos representantes dos 192 países reunidos em Copenhague a não hesitar, não entrar em disputas, não culpar uns aos outros, mas aproveitar a oportunidade advinda deste que é o maior fracasso político moderno. Esta não deve ser uma luta entre ricos e pobres ou entre Ocidente e Oriente. As mudanças climáticas afetam a todos e devem ser resolvidas por todos.

    A ciência envolvida é complexa, mas os fatos são claros. O mundo precisa agir para limitar a 2ºC o aumento da temperatura global, um objetivo que exigirá que as emissões mundiais de gases-estufa alcancem um teto e comecem a cair nos próximos cinco a 10 anos. Um aquecimento maior, de 3ºC a 4ºC – o menor aumento que podemos esperar se continuarmos sem fazer nada –, poderá levar seca aos continentes, transformando áreas agrícolas em desertos. Metade das espécies poderá ser extinta, milhões de pessoas poderão ser desalojadas, nações inteiras inundadas pelo mar.

    Poucos acreditam que Copenhague ainda possa produzir um tratado definitivo; progresso real nessa direção só pôde surgir com a chegada do presidente Barack Obama à Casa Branca e com a reversão de anos de obstrucionismo americano. Mesmo agora, o mundo se encontra dependente da política interna americana, pois o presidente não pode se comprometer completamente com as ações até que o Congresso americano o faça.

    Mas os políticos em Copenhague podem e devem definir os pontos essenciais de um acordo justo e efetivo e, especialmente, estabelecer um cronograma para transformá-lo em um tratado. O encontro sobre o clima das Nações Unidas em junho próximo, em Bonn (Alemanha), deveria ser o prazo final. Como um negociador colocou: “Nós podemos ir para a prorrogação, mas não podemos bancar uma nova partida”.

    No coração do acordo, deve estar um acerto entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, determinando como o fardo do combate às mudanças climáticas será dividido – e como partilharemos um novo e precioso recurso: os trilhões de toneladas de carbono que poderemos emitir antes que o mercúrio do termômetro atinja níveis perigosos.

    As nações ricas gostam de citar a verdade matemática de que não pode haver solução até que gigantes em desenvolvimento como a China tomem atitudes mais radicais do que as adotadas até agora. Mas o mundo desenvolvido é responsável pela maior parte do carbono acumulado na atmosfera – três quartos de todo o dióxido de carbono (CO2) emitido desde 1850. Por isso, precisa tomar a liderança: todos os países desenvolvidos devem se comprometer a fazer cortes profundos, reduzindo suas emissões dentro de uma década a níveis muito mais baixos do que os de 1990.

    Os países em desenvolvimento podem argumentar que não causaram a maior parte do problema e também que as regiões mais pobres do mundo serão atingidas com mais força. Mas passarão a contribuir cada vez mais para o aquecimento global, e, deste modo, devem se comprometer a agir de forma significativa e quantificável por conta própria. Apesar de ficar aquém do que muitos esperavam, o recente comprometimento dos maiores poluidores do mundo, Estados Unidos e China, com metas para redução de emissões foi um importante passo na direção certa.

    A justiça social exige que o mundo industrializado coloque a mão no fundo do bolso e reserve dinheiro para ajudar os países mais pobres a se adaptar às mudanças climáticas, assim como a investir em tecnologias limpas que permitam seu crescimento sem aumentar as emissões. Um futuro tratado também deve ser muito bem esboçado – com rigoroso monitoramento multilateral, compensações justas para a proteção de florestas e avaliações confiáveis de “emissões exportadas”,

    para que o custo possa, com o tempo, ser dividido de forma mais equilibrada entre os que elaboram produtos poluentes e aqueles que os consomem. E a justiça requer que o peso com o qual cada país desenvolvido deve arcar individualmente leve em conta sua capacidade de suportá-lo; novos membros da União Europeia, por exemplo, normalmente muito mais pobres do que os antigos, não devem sofrer mais do que seus parceiros ricos.

    A transformação custará caro, mas muito menos do que a conta paga para salvar o sistema financeiro mundial – e imensamente menos do que as consequências de não se fazer nada.

    Muitos de nós, particularmente no mundo desenvolvido, terão de mudar seus estilos de vida. A era de voos que custam menos do que a corrida de táxi até o aeroporto está chegando ao fim. Teremos que comprar, comer e viajar de forma mais inteligente. Teremos de pagar mais pela nossa energia e usá-la menos.

    Mas a mudança para uma sociedade de baixo carbono traz a perspectiva de mais oportunidades do que sacrifícios. Alguns países já descobriram que adotar a transformação pode trazer crescimento, empregos e uma melhor qualidade de vida. O fluxo de capital conta a sua própria história: no ano passado, pela primeira vez, o investimento em fontes renováveis de energia foi maior do que na produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis.

    Abandonar nossa dependência do carbono dentro de poucas décadas requererá uma façanha de engenharia e inovação sem precedentes na história. Porém, enquanto a ida do homem à Lua e a fissão do átomo nasceram do conflito e da competição, a corrida do carbono que vem por aí deve ser liderada por um esforço conjunto para atingir a salvação coletiva.

    A vitória sobre as mudanças climáticas exigirá o triunfo do otimismo sobre o pessimismo, da visão sobre a miopia, o êxito do que Abraham Lincoln chamou de “os melhores anjos da nossa natureza”.

    É nesse espírito que 56 jornais de todo o mundo se uniram por meio deste editorial. Se nós, com tantas diferenças de perspectiva nacional e política, podemos concordar sobre o que deve ser feito, então certamente nossos líderes também poderão.

    Os políticos em Copenhague têm o poder de moldar o julgamento da História sobre esta geração: uma geração que viu um desafio e o encarou, ou uma geração tão estúpida, que viu o desastre chegando mas não fez nada para evitá-lo. Imploramos que façam a escolha certa.
    "

    Ordinariazinhas

    É isso que é ser Apple addicted?



    domingo, 6 de dezembro de 2009

    Meu rugido dominical




    Tem uma senhora de quase 80 anos da qual sou amigo há alguns anos. Essa senhora é de origem estrangeira e vive no Brasil há mais de 40 anos. Casou-se no seu país e, para fugir à guerra e a perseguições políticas, emigrou para o Brasil e aqui se estabeleceu. Posso dizer que ela é mais brasileira do que estrangeira. Aqui estão suas raízes, embora ainda mantenha ramificações no seu país de origem.


    Na maior parte do tempo, nos damos muito bem. Por vezes, temos nossos conflitos porque somos, ambos, de opiniões bastante firmes. Ela costuma me definir como um dos piores expoentes da sua própria origem - de fato, tenho ascendência - porque sou, muitas vezes, irascível e finco pé em algumas questões que a ela lhe parecem bastante radicais.


    Embora tenhamos esses conflitos, isso nunca foi suficiente para nos afastarmos e, no geral, temos um convivência bastante pacífica. Ontem eu estava em casa dela e testemunhei uma conversa telefônica entre ela e uma pessoa que vive no seu país de origem. Em dado momento, ambos se alteraram (eu, inclusive, pude ouvir alguns fragmentos que vinham do outro lado da linha) e ela comentou que mesmo num país de terceiro mundo como o Brasil, aquilo (um determinado comportamento) não era assim. Ao que ele retrucou que não era terceiro mundo, e sim quarto mundo. Emendou e referiu-se a um terceiro país como de quinto mundo (esse país é latino-americano).


    Quando ouvi isso, senti minhas faces queimarem. Fiquei até mesmo indignado. Não sou nacionalista. Ao contrário, acredito, por princípio, que o mundo, guardadas as questões legais, políticas e fronteiriças deve, na medida do possível, ser passível de ser palmilhado em toda a sua abrangência por qualquer pessoa que viva neste planeta. Gostaria demais de levar ao pé da letra a expressão 'cidadão do mundo' e poder viajar sem barreiras por toda esta Terra que nos acolhe.


    Depois, quando ela encerrou a conversa telefônica, abordei o assunto e disse (e fui, tenho certeza, bastante polido) que a conotação de 'terceiro mundo' que ela tinha atribuído ao Brasil era de um significado denotativo: encerra uma opinião, geralmente, bastante preconceituosa sobre o país que a acolheu e do qual ela extraiu, para o bem e para o mal, tudo o que tem. E não materialmente. Ao contrário, de família, amigos, vida em sociedade etc.


    Já faz algum tempo que me incomoda ser referido como cidadão do 'terceiro mundo'. Essa divisão do mundo em mundos serve a interesses outros e ajuda, creio, a disseminar mais do que uma divisão territorial: consolida uma visão de que seremos fadados sempre a sermos a franja do mundo, a borda, aquele tipo de subúrbio que nunca, de fato, chegará a lugar nenhum, condenado que está a ser permanentemente periferia do mundo grande, dos adultos, do 'primeiro mundo'.


    Prefiro, na minha escassa diplomacia geopolítica, dividir as nações mundiais em Antigo Mundo (Ásia, África e Oriente Médio, que são as primeiras civilizações humanas das quais se têm notícia), Velho Mundo (Europa, que refinou o conhecimento humano a níveis antes nunca registrados) e Novo Mundo (Américas, Austrália e Nova Zelândia, que formam os países mais novos do mundo em termos de 'civilização' como a definimos cultural e historicamente).


    Os conceitos de 'primeiro', 'segundo' e 'terceiro mundo' fazem parte da Teoria dos Mundos, designação dada para diferenciar as nações conforme suas grandezas econômicas. Mas essa teoria valeu entre 1945 e 1990 e era, a essa altura, para ter caído em desuso porque não define com precisão esse mundo globalizado. Agora, usa-se 'países desenvolvidos' e 'países subdesenvolvidos', teoria igualmente criticada porque também não retrata a realidade. Por fim, classificam-se - o Brasil entre eles - alguns países como 'emergentes'. Que também é imprecisa: parece que estávamos submersos nos últimos 500 anos (caso do Brasil) e somente agora, nos últimos 15, 20 anos, viemos à tona.


    A Teoria dos Mundos nasceu para classificar as nações desenvolvidas, o 'primeiro mundo', e as diferenciar do antigo bloco socialista liderado pela ex-União Soviética, o 'segundo mundo'. As demais, Brasil incluso, seriam o 'terceiro mundo'. Com a queda do regime comunista - exceto na Coreia do Norte, China e em Cuba -, as denominações mudaram e passaram a outras: 'desenvolvidas', para nações industrializadas, ricas, democráticas e com alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano); 'emergentes', industrializadas mas que apresentam problemas estruturais; 'subdesenvolvidas', que são as nações pobres, de baixo IDH e que sobrevivem com economias primárias.


    Ainda conforme a Teoria dos Mundos, existem, sim, o 'quarto' e o 'quinto mundos': nações como a Palestina e o Tibete, internacionalmente reconhecidas mas não independentes, seriam o 'quarto mundo' e as micronações, que são territórios como a Tchetchênia, os curdos e parte de chineses, que querem proclamar a independência da nação-mãe (Rússia, Iraque e China, no exemplo citado, respectivamente), são chamadas de 'quinto mundo'.


    O que me incomoda é que essas classificações, que servem apenas para definir um cenário geopolítico do mundo, nos diferenciam, eventualmente, como povo. O Brasil, em grande parte, é formado pelo Antigo Mundo (africanos), Velho Mundo (portugueses e outras nações, inclusive das quais eu descendo) e Novo Mundo (os índios, nativos desta terra). Não vejo, contudo, o que há de tão diferente entre eu mesmo, como humano, e um europeu, um asiático, árabe, africano ou australiano. Não é porque alguns teóricos me chamam de 'terceiro mundo' que sou, cultural e intelectualmente, diferente dos 'primeiro' e 'segundo' mundos.


    E, de novo, ainda de forma diplomática, fiz ver à minha amiga europeia que nossas diferenças são, fundamentalmente, geográficas: as grandes bases de pensamento, as pensamos de forma bastante semelhante, não obstante termos entre nós séculos de formação como povo e nação. Eu lhe disse, inclusive, que a visão 'primeiro-mundista' sobre os 'terceiro-mundistas' significava que ela enxergava a mim mesmo como parte de um mundo ainda sob o domínio clássico do Velho Mundo.


    Claro que ela refutou a minha tese. Mas, no final, concordou que era uma grande bobagem essa distinção porque, em alguns momentos, a despeito das nossas diferentes 'civilizações', temos, em comum, o que, imagino, todos os seres humanos têm: queremos, ambos, sermos felizes dentro do que nos é permitido, sejamos 'primeiro' ou 'terceiro' mundos.


    Atrevo-me a ir além e dizer que o mundo sou eu (sem analogia com o Rei Sol) porque encerro em mim mesmo o intercâmbio de todos os cruzamentos culturais que me deram origem. Creio que passou da hora de acabar com essas fronteiras ideológicas que insistem em separar em camadas um mundo que, afinal, é um só. Porque eleger o 'primeiro' implica em colocar abaixo o 'segundo', o 'terceiro', o 'quarto' e o 'quinto'. E, enquanto prevalecer essa concepção, seremos, os de baixo, apenas suporte para os de cima. Ou, conforme uma expressão que me agrada: somos todos iguais mas alguns somos mais iguais do que outros.


    sábado, 5 de dezembro de 2009

    Gallery

    O quadro tem dimensões pequenas - 39 x 29 cm - mas a dimensão humana retratada é grandiosa: o objetivo do pintor Pietro Perugino era articular, com a obra, um ideal de dignitas humanística. Dignitas, em latim, significa "valor pessoal, mérito, virtude, consideração, estima, honra". Na tela, estão retratados Apolo e Mársias (Apollo and Marsyas). A obra é duplamente mitológica, a despeito da leitura humana que se possa fazer: Apolo é o deus olímpico e Mársias é um sátiro. Mas ambos foram tornados humanos por Perugino que pretendia, assim, passar a ideia da dignitas.





    Tradicionalmente, acredita-se que o quadro represente o confronto entre Apolo e Mársias. No entanto, a placidez e serenidade idílicas desmentem essa interpretação. "Apolo e Mársias" foi feito sob encomenda dos Médici.


    Perugino, nascido Pietro di Cristoforo Vanucci (1450-1523), tornou-se Pietro Perugino porque nasceu em Città della Pieve, na Perugia, Itália. Foi um dos mais importantes pintores da Alta Renascença. Teve como mestres Benedetto Bonfigli, Fiorenzo di Lorenzo e Niccolò da Foligno. Trabalhou também com Leonardo da Vinci e foi um dos primeiros artistas a dominar a técnica da pintura a óleo.


    Em 1480, foi a Roma trabalhar nos afrescos da Capela Sistina. Infelizmente, o trabalho feito por Perugino na Capela Sistina foi destruído para dar lugar ao "Julgamento Final" de Michelangelo. Os dois, inclusive, tiveram profundas divergências ao trabalharem sob o mesmo teto. Embora não confirmado oficialmente, Rafael teria sido seu aprendiz. Por fim, Perugino foi bastante desacreditado e dele se dizia que suas obras eram executadas pelos aprendizes.


    O quadro "Apollo and Marsyas" faz parte do acervo do Museu de Louvre, em Paris, e consta, no catálogo, desde 1883, como uma obra de Rafael, e não do próprio Perugino. Por vaidade da curadoria do museu ou porque Perugino se apropriava, de fato, das obras feitas pelos aprendizes. São histórias da pintura - e da arte, em geral - que nunca serão definitivamente elucidadas.

    sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

    O mau-humor como antídoto da auto-ajuda

    "Pense positivo", "mentalize seus sonhos", "deseje e terá", "faça as coisas acontecerem", "acredite!": esses chavões, literalmente, se pretendem abridores de grandes portas pelas quais atravessaremos, ilesos, em direção os reinos da boa-aventurança. Seremos, portanto, premiados por sermos positivistas, proprietários que somos de um acúmulo de boas intenções, pensamentos e atos que, teoricamente, nos darão acesso a colheitas fartas, fruto de nossos plantios vagos.





    Rechaço esses lugares-comuns com veemência. Acabei de ler um artigo do jornal "The New York Times" que trata da suposta ascensão das pessoas mal-humoradas. No artigo, uma escritora relata como a promoção do pensamento positivo minou os EUA. A escritora teve câncer e foi inundada de fitas cor-de-rosa (os pinkk ribbons, lacinhos rosa que simbolizam a luta contra o câncer, equivalentes aos lacinhos vermelhos que representam as ações da AIDS) e por slogans do tipo: "Quando a vida lhe dá limões, faça limonada". A mensagem implícita nesses atos, segundo a escritora, era que, mesmo com a doença a lhe corroer por dentro, ela tinha que se animar e aceitar aquela situação e que, se não o fizesse, jamais se recuperaria.


    Os EUA são pródigos nessa atitude mas não estão sós. O "american dream" (sonho americano) é bastante simbólico: "se você sonhar e acreditar, a coisa se realiza". A autora e outros norte-americanos, que se intitulam "Os Negativos", creditam, inclusive, a bolha das hipotecas norte-americanas a essa atitude. E foi essa bolha que explodiu no mundo inteiro, com as consequências que ainda sentimos em nossas faces, a escorrer por aqui e por ali (veja Dubai).


    Uma das intenções dos "Negativos" é despertar a sociedade da ilusão em massa que é vendida por essa verdadeira indústria da auto-ajuda. A sugestão, ou auto-ajuda, está intimamente ligada a um condicionamento justamente simbolizado pelos chavões.


    É como quando fazemos 40 anos e as pessoas nos dizem: "A vida começa aos 40!". Ou quando fazemos 60 e nos dizem que os 60 são os novos 40! Sorry! Quarenta anos é metade da vida, e não início. E se você pensa em começar a partir dos 40, alguma coisa está errada. Não se começa nada aos 40. No mínimo, arrasta-se a partir dos 40. E o que dizer dos 60? Novos quarenta? Pergunte ao seu corpo.


    Não me pretendo mais realista do que o rei. Mas sou bastante lúcido quanto a essas questões. Não chego a uma total incredulidade mas tenho a exata dimensão das limitações, sejam elas de idade ou de pensamentos que, por força da positividade neles embutida, farão algo acontecer.





    OK, claro que acredito que se eu começar a cultivar apenas pensamentos negativos, tudo à minha volta será recoberto pela negatividade. Mas isso já é depressão. Escrevo aqui sobre os verdadeiros chavões. De coisas práticas. Por exemplo, eu presto um serviço e não sou pago por isso. Comento isso com alguém e a pessoa me responde: "Se Deus quiser, tudo dará certo". Ou, ainda, "Não se preocupe, as coisas se arranjam". Não! Não e não! Nada se arranja. Nenhuma entidade me ajuda. Não se trata do divino. Trata-se de pessoas, de transações comerciais.


    A atual novela das 21 horas da Rede Globo, "Viver a Vida", tem duas personagens antagônicas: Luciana (Alinne Moraes), que está paraplégica, e a irmã, Isabel (Adrina Birolli), cujo discurso não tem meias palavras. Luciana é a 'coitadinha' e Isabel é a 'vilã', a 'cruel'. Concordo que há uma dose de crueldade na personagem. Mas a maior parte do que ela diz é verdade. No entanto, é condenada por todos por dizer o que quase todos pensam mas não expressam. Esse maniqueísmo me cansa. Assim como me cansam os depoimentos de gente real ao final do capítulo que pregam vitórias sobre os mais diversos males. É exatamente a mesma coisa que "Os Negativos" dos EUA atacam: "se você não aceitar a situação, não sobreviverá". Pelo pouco que conheço do humano, com as exceções de praxe, todos lutarão para ficar vivos até a última gota de sangue.


    Portanto, posso até soar como mal-humorado. Mas não acredito nessa lenga-lenga de pensamento positivo, de 'mentalização' sobre coisas boas. A vida é o que é. Não é uma fantasia. Não é sonho. É o fato. E de como você lida com isso. Parece contraditório mas não é não. Nem tanto à terra, nem tanto ao céu: não dá para acreditar que está tudo bem, quando obviamente não está e tampouco se colocar na condição de vítima - "por que aconteceu comigo?", "o mundo me odeia".


    Um pouco de mau-humor contra as nuvens positivas que volta e meia perpassam sobre as nossas cabeças pode muito bem ajudar a enxergar o que não é tão óbvio e não criar expectativas que se frustram de tempos em tempos. Se isso é ser mal-humorado, devo sê-lo, então.

    quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

    En la isla bonita con Alejandro y Fernando

    O princípio





    O meio





    O fim






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    Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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