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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Uma rosa é uma rosa é uma rosa... é um bebê

O famoso verso "Uma rosa é uma rosa é uma rosa", do poema "Sacred Emily", de Gertrude Stein, foi concebido porque a autora acreditava que a repetição revelava a verdade das coisas e das pessoas. Parece que isso funciona em outra concepção: nasceu neste dia 12 de fevereiro, um pouco antes das 12 horas, nesta sexta-feira de Carnaval no Brasil, não uma rosa, e sim um botão-gente, um ser humano que chega ao mundo. Pois que a repetição da humanidade em se eternizar na descendência acaba de se fazer novamente: minha irmã acabou de dar à luz Marco Aurélio e, sim, uma rosa é uma rosa é uma rosa e um bebê é fruto dessa replicação da natureza humana que concebe e concebe e concebe.


Rosa é o nome da minha avó materna. Dela sim posso dizer que "É uma Rosa é uma Rosa é uma Rosa", pois Rosa ela é, efetivamente, por quase tantas décadas quantos são os dedos das duas mãos. Já de Marco Aurélio, que respira há apenas alguns minutos o ar desse mundo cá fora, posso dizer que chega sob a égide do imperador romano correlato, cujo estoicismo guiou sua vida. Marcus Aurelius. Marcus deriva tanto do deus Marte (Mars, em latim), quanto da palavra grega "malakoz", que significa "suave, ameno". Aurelius também deriva do latim e significa "dourado, ouro". Ou seja, adaptado ao universo dos humanos, Marcus Aurelius é Humano Dourado. Esse Marco Aurélio nascedouro soma-se a outros dois Marco na família: o pai e o tio. É, pois, o terceiro Marco, a terceira geração.


Parabéns Marco Aurélio, parabéns Denise, minha irmã e agora mãe. Pois que, se uma rosa é uma rosa é uma rosa, o novo ser humano vale-se da repetição engendrada por todos os humanos para compor um novo verso desse mundo que se repete ad eternum.


Como homenagem ao meu mais novo sobrinho, posto as fotos dos bebês abaixo, feitas pela fotógrafa norte-americana Anne Geddes, que é especializada na fotografia de bebês. As fotos a seguir fazem parte do livro "Seja Delicado com os Pequenos", em que bebês mesclam-se às flores e, portanto, podem muito bem significar que um bebê é uma rosa é um bebê é uma rosa é um bebê.


As duas primeiras fotos, no entanto, são de autoria por mim desconhecida, feitas em laboratório por meio de ultrassonografia que nos trouxe, há alguns meses, a primeira imagem de Marco Aurélio, então no 5º. mês de existência:



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Leda e o cisne

W.B.Yeats (William Butler Yeats) foi um dos grandes nomes da literatura de língua inglesa. Ganhou o prêmio Nobel de Literatura de 1923. Em 1889, fundou, com a escritora Isabella Augusta Gregorym, o Irish Literary Theater de Dublin, transformado em 1903 na Irish National Theatre Society.

A obra de Yeats compõe-se de poesia lírica de caráter simbolista e de diversas peças de teatro, inspiradas essencialmente na mitologia celta. Seus mais célebres poemas são "A Coat" (Um Manto), do livro "Responsabilities" (1914), e "Leda e o Cisne", de "Uma Visão" (1925), também publicado em "The Tower" (1928).


"Leda e o Cisne" mostra um painel histórico. Da união de Leda com Zeus transformado em ave, Leda pôs um ou dois ovos, dos quais nasceram duas irmãs, casadas com dois príncipes gregos. Uma delas foi Helena, cujo rapto originou a guerra de Tróia, e a outra foi Clitemnestra, que, com a ajuda do amante, assassinou o marido. Ou seja, duas mulheres que emolduram a guerra narrada na primeira epopeia homérica. A seguir, quatro versões do poema "Leda e o Cisne", das quais a primeira é na língua original e as seguintes são versões em português por diferentes tradutores.






Leda and the Swan


A sudden blow: the great wings beating still
Above the staggering girl, her thighs caressed
By the dark webs, her nape caught in his bill,
He holds her helpless breast upon his breast.


How can those terrified vague fingers push
The feathered glory from her loosening thighs?
And how can body, laid in that white rush,
But feel the strange heart beating where it lies?


A shudder in the loins engenders there
The broken wall, the burning roof and tower
And Agamemnon dead.
Being so caught up,


So mastered by the brute blood of the air
Did she put on his knowledge with his power
Before the indifferent beak could let her drop?





Leda e o Cisne


Um baque súbito. A asa enorme ainda se abate
Sobre a moça que treme. Em suas coxas o peso
Da palma escura acariciante. O bico preso
à nuca, contra o peito o peito se debate.


Como podem os pobres dedos sem vigor
Negar à glória e à pluma as coxas que se vão
Abrindo-o e como, entregue a tão branco furor,
Não sentir o pulsar do estranho coração?


Um frêmito nos rins haverá de engendrar
Os muros em ruína, a torre, o teto a arder
E Agameênnon, morrendo.
Ela, tão sem defesa,


Brutalizada pelo abrupto sangue do ar,
Se impregnaria de tal força e tal saber
Antes que o bico inerte abandonasse a presa?


(tradução de Augusto de Campos)





Leda e o Cisne


Um golpe súbito: as grandes asas batendo ainda
Sobre a jovem cambaleante, as coxas acariciadas
Pelas plamuras negras, a nuca segura ao bico,
Ele a mantém inerme, o colo contra o colo.


De que modo poderão os gagos dedos temerosos
Repelir, de entre as coxas que já cedem,
Essa glória emplumada?
E que fazer o corpo, entregue à urgência branca
Senão sentir pulsando de onde jaz
O estranho coração?


Um frêmito nos flancos lá engendra
A muralha ruída, tetos em chamas, torre
E Agamenon defunto.
Assim possuída,
Capturada pelo bruto sangue aéreo,
Assumiria o saber dele como seu poderio
Antes que o bico indiferente a deixasse cair?


(tradução de Mário Faustino)





Leda e o Cisne


Súbito golpe: as grandes asas a bater
Sobre a virgem que oscila, a coxa acariciada
Por negros pés, a nuca, um bico a vem reter;
O peito inane sobre o peito, ei-la apresada.


Dedos incertos de terror, como empurrar
Das coxas bambas o emplumado resplendor?
Pode o corpo, sob esse impulso de brancor,
O coração estranho não sentir pulsar?


Um tremor nos quadris engendra incontinenti
A muralha destruída, o teto, a torre a arder
E Agamêmnon, o morto.


Capturada assim,
E pelo bruto sangue do ar sujeita, enfim
Ela assumiu-lhe a ciência junto com o poder,
Antes que a abandonasse o bico indiferente?


(tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos) 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Há um tigre em casa que costuma crescer de noite

O Tigre

Há um tigre em casa
que dilacera por dentro aquele que o olha.
E somente tem garras para aquele que o espia,
e somente pode ferir por dentro,
e é enorme:
maior e mais pesado
que outros gatos gordos
e carniceiros pestíferos
de sua espécie,
e perde a cabeça com facilidade,
fareja o sangue mesmo através do vidro,
percebe o medo até da cozinha
e apesar das portas mais robustas.

Costuma crescer de noite:
coloca sua cabeça de tiranossauro
em uma cama
e o focinho fica pendurado
para lá das colchas.
Seu dorso, então, se aperta no corredor
de uma parede à outra,
e somente alcanço o banheiro rastejando, contra o teto,
como que através de um túnel
de lodo e mel.

Não olho nunca a colmeia solar,
os negros favos do crime
de seus olhos,
os crisóis da saliva envenenada
de suas presas.

Nem sequer o cheiro,
para que não me mate.

Mas sei claramente
que há um imenso tigre encerrado
em tudo isso.

(tradução: Plinio Junqueira Smith)



A poesia acima faz parte da obra "El Tigre en La Casa", do poeta mexicano Eduardo Lizalde. Nascido em 1929, Lizalde vive na Cidade do México. A literatura lhe veio da infância: o pai lhe ensinou a ler e construir as frases a partir de um início de sonetos. O tigre, Lizalde o encontrou ainda criança, ao conhecer a figura do tigre de Kipling das histórias em quadrinhos de Tarzan.

Adolescente, foi consumidor voraz de Balzac, Zola, William Blake e Rainer Maria Rilke. O tigre é recorrente na poesia de Lizalde e, por esse mesmo motivo, o poeta é conhecido como "El Tigre". Sobre esse animal, Lizalde disse: "O tigre é uma figura fascinante desde os tempos bíblicos até hoje e não acho que há um escritor que deixou de mencionar o tigre. O tigre é a imagem da morte, destruição e também da beleza; é apenas uma ferramenta metafórica". De forma metafórica ou não, acredito firmemente que há um tigre dentro da minha casa que, com certeza, cresce à noite.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ave de bom agouro



Me ocorreu que ave alguma bateu à minha janela ontem, no escuro que acometeu parte desse País. Em meio às trevas, creio que teria sido de bom agouro, e não mau, que um corvo riscasse as paredes do prédio e proferisse mensagens cifradas. Já publiquei parte desse poema aqui no blog mas agora o faço na íntegra porque a noite de ontem o pede.



Pena que não estivesse a chover para que a imagem fosse completada por espectros fantasmagóricos de que somente a imaginação é capaz. Ao leitor que queria ter ficado no escuro, te dedico.




O Corvo

Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.

E o rumor triste, vago, brando,
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e: "Com efeito
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minha alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."

No entanto, o Corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."

Assim, posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

E o Corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

(de Edgar Allan Poe, na tradução de Machado de Assis feita em 1883)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Cada dia sem gozo é um dia de charco

Ponho aqui uma poesia dura porque não é sem candura que tento não pensar muito nisso. Porém, entradas que são as horas, já não há porque mentir: não passa um dia sem que eu o goze, verdadeiramente. E me pesa que eu beba e sorria, sim. Porque já não me basta o reflexo do sol. E muito menos de um reflexo de sol no charco. Porque no charco não há sol. Não há natural ventura. Não há artificial ventura. Não há ventura nenhuma em ver passar os dias sem gozo, sem deleite.





Cada dia sem gozo não foi teu


Cada dia sem gozo não foi teu
Foi só durares nele. Quanto vivas
Sem que o gozes, não vives.


Não pesa que amas, bebas ou sorrias:
Basta o reflexo do sol ido na água
De um charco, se te é grato.


Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas
Seu prazer posto, nenhum dia nega
A natural ventura!


(de Ricardo Reis)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Mijo para os céus cinzentos

Oração da Tarde


Vivo sentado como um anjo no barbeiro,
Empunhando um caneco ornado a caneluras;
Hipogástrico e pescoço arcados, um grosseiro
Cachimbo o espaço a inflar de tênues urdiduras.


Qual de um velho pombal o cálido esterqueiro,
Mil sonhos dentro em mim são brandas queimaduras.
E o triste coração às vezes é um sobreiro
Sangrando de ouro escuro e jovem nas nervuras.


Afogo com cuidado os sonhos, e depois
De ter bebido uns trinta ou bem quarenta chopes,
Oculto, satisfaço o meu aperto amargo:


Doce como o Senhor do cedro e dos hissopes,
Eu mijo para os céus cinzentos, alto e largo,
Com a plena aprovação dos curvos girassóis.


(tradução: Ivo Barroso)





Eu mijo para os céus cinzentos, alto e largo, com ou sem a aprovação de quem quer que seja. Mijo alto e largo para esvaziar o desassossego, o desalento e para minar o cinza que ainda paira sobre minhas brasas adormecidas. Mijo para os céus para que ocorra um "longo, imenso e sensato desregramento de todos os sentidos", enquanto ainda há tempo para tanto. Que Arthur Rimbaud, a cuja pena pertence o poema acima, me dê sua plena aprovação.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

São Sebastião e o torso de Apolo

São Sebastião





Como alguém que jazesse, está de pé,
sustentado por sua grande fé.
Como mãe que amamenta, a tudo alheia,
grinalda que a si mesma se cerceia.
E as setas chegam: de espaço em espaço,
como se de seu corpo desferidas,
tremendo em suas pontas soltas de aço.
Mas ele ri, incólume, às feridas.
Num só passo a tristeza sobrevém
e em seus olhos desnudos se detém,
até que a neguem, como bagatela,
e como se poupassem com desdém
os destrutores de uma coisa bela.


(tradução de Augusto de Campos)


O torso arcaico de Apolo





Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso ainda brilha como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado
Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.
De outro modo erger-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros.
E não tremeria assim, como pele selvagem.
E nem explodiria para além de todas as fronteiras
Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: precisas mudar de vida.


(tradução de Paulo Quintela)





Ambas as poesias são de Rainer Maria Rilke (1875-1926), cuja obra encorajava (e ainda o faz) a reflexão quanto ao desencantamento. Esse desencantamento o desenterro dos começos do século XX para os trazer para cá, atualizados e por certo mais que precisos para me definir: preciso mudar de vida, pois a tristeza me sobrevém, como setas que chegam, de espaço em espaço, assim à guisa de raios destrutores de uma coisa bela. E por certo o são. Estou cansado. E já não consigo rir, incólume, às feridas.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Quem é aquele que se tornaria meu seguidor?

Antes que você se apresse em me seguir (follow me, de qualquer forma) no Twitter, no Google Friend Connect, no Meme ou no FriendFeed, quero deixar claro que o título do post não tem nada a ver com redes sociais. Talvez tenha, sim, a ver com redes. Outras redes, tecidas de tramas finas, tão finas que se rompem ao menor sinal de movimentos bruscos. Mas são outras, essas redes... Antigas, cujos fios ligam-nos uns aos outros pelo mundo de alguma forma não-racional.




Inspirado por essa tessitura que me conecta nesta rede aqui, a internet (rede inter: internacional, interfronteiras, portanto), e pelo inesperado muso do outro lado do Atlântico, o Pinguim, do blog Why Not Now?, que me introduziu ao poeta português Jorge Cândido de Sena e me incitou ao resgate da poesia neste blog que anda falto de poesia, derramo-me, portanto, em versos.




Sou mais de prosa do que de poesia mas, admito, também a prosa anda a passar ao largo neste espaço. Sim, tenho os tido, os livros, por perto, so close, sempre. Mas a prosa do dia-a-dia, mais banal, tem me retido em outras linhas que não as de livros. Portanto, retifico um bocadinho essa ausência literária e coloco logo um clássico de quem gosto por puro gosto de gostar, de entender e de fazer dele as minhas próprias palavras, por vezes tramadas nas redes que acima citei de tal forma que mais são os nós do que a trama.


Walt Whitman nasceu em Long Island em 1819 e é tido como pioneiro e precursor dos versos livres e de uma abordagem abrangente de temas sociais (não as redes, ainda, por favor, pelo menos não as sociais), do erotismo, da guerra, capitalismo, escravidão e da liberdade sexual. Numa palavra: contemporâneo. Em 1855, aos 35 anos, publicou aquela que seria a sua obra-prima - "Leaves of Glass" (Folhas de Relva), que é uma coletânea de poemas. "Leaves" seria alterado constantemente: foram oito reedições. Whitman era homossexual e foi, como muitos outros antes e depois, vítima de preconceito por assumir na própria obra a sua sexualidade.




"Calamus", uma das quatro partes de "Leaves of Glass", é texto cultuado pelo público gay. Perseguido por diversos setores, Whitman viveu principalmente com o apoio dos amigos e já então de alguns fãs que lhe reconheciam o talento. Morreu pobre em 1892. Hoje, é considerado o maior poeta norte-americano. Sorry! Too late! Tarde demais para aquele homem. Para nós, nos foi legada a herança de sua obra. E é com "Calamus" que presto homenagem à ars poetica, ou seja, ao ofício da poesia.


Calamus (parte 3)


Seja você quem for segurando-me na mão,
Sem uma coisa tudo será inútil,
Aviso em tempo, antes que me insista,
Eu não sou o que você supôs, mas muito diferente.
Quem é aquele que se tornaria meu seguidor?
Quem se assinaria candidato às minhas afeições? Você é ele?


O caminho é suspicaz - o resultado lento, incerto, talvez destrutivo;
Você teria que desistir de tudo o mais - eu sozinho esperaria ser seu Deus, único e exclusivo,
Seu noviciado seria assim mesmo longo e exaustivo,
Toda a teoria passada da sua vida, e toda a conformidade às vidas ao seu redor, teriam que ser abandonadas;
Portanto solte-me agora, antes de se dar ao trabalho - Tire as mãos dos meus ombros,
Largue-me, e siga o seu caminho.


Ou senão, apenas de leve, nalgum bosque, para tentar,
Ou atrás de uma pedra, ao ar livre,
(Pois em qualquer aposento coberto de uma casa eu não me mostro - nem em companhia. E em bibliotecas deito como um mudo, um parvo, ou não nascido, ou morto)
Mas apenas talvez com você numa alta colina - primeiro vigiando para que ninguém, por milhas em torno, se aproxime despercebido,
Ou talvez com você velejando ao mar, ou na praia do mar, ou alguma ilha calma,
Aqui botar seus lábios nos meus eu lhe permito,
Com o beijo demorado dos camaradas, ou o beijo do novo marido,
Pois eu sou o novo marido, e eu sou o camarada.


Ou, se quiser, me enfiando sob a sua roupa,
Onde eu possa sentir as batidas do seu coração, ou descansar no seu quadril,
Carregar-me quando atravessar terra ou mar;
Pois assim, apenas tocando você, é o bastante - é o melhor,
E assim, tocando você, eu dormiria em silêncio e seria levado eternamente.


Mas se você enganar estas folhas, corre perigo,
Pois estas folhas, e eu, você não entenderá,
Elas vão lhe escapar de pronto, e ainda mais depois - eu certamente vou lhe escapar,
Mesmo quando você ache que sem dúvida me pegou, cuidado!
Você já pode ver que eu lhe escapei.


Pois não é pelo que pus nele que escrevi este livro,
Nem é ao lê-lo que você irá adquiri-lo,
Nem aqueles que melhor me conhecem e admiram, e me elogiam com alarde,
Nem os candidatos ao meu amor, (a não ser no máximo pouquíssimos) serão vitoriosos,
Nem meus poemas farão só o bem - farão o mal também, talvez mais,
Pois tudo é inútil se o que você pode ter pensado muitas vezes mas não atingido - o que eu insinuei,


Portanto larga-me, e segue o seu caminho.


(tradução: Jorge Pontual)

sexta-feira, 28 de março de 2008

José

Para ler, ver e ouvir (no vídeo abaixo, o próprio Carlos Drummond de Andrade recita a poesia)


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Et maintenant, José?
La fête est finie,
la lumière aussi,
la foule est partie,
la nuit a fraîchi,
et maintenant, José?
et maintenant, et toi?
toi qui es sans nom,
qui te moques d'autrui,
qui fais de la poésie,
qui ames, qui te récries?
et maintenant, José?
Sans femme te voici,
sans mots te voici,
sans tendresse aussi,
tu ne peux plus boire,
ne peux plus fumer,
cracher ne peux plus,
la nuit a fraîchi,
le jour n'est pas là,
le tram n'est pas là,
le rire non plus,
non plus l'utopie
et tout a finiet tout s'est enfui
et tout a moisi,
et maintenant, José?
Et maintenant, José?
Ta douce parole,
ton instant de fièvre,
ta faim et ton jeûne,
ta bibliothèque,
ton gisement d'or,
ton habit de verre,
ton incohérence,
ta haine - et maintenant?
Tenant en la main la clé
tu veux ouvrir la porte,
il n'y a pas de porte,
tu veus mourir en mer,
mais la mer a séché;
partir pour le Minas,
le Minas n'est plus, las.
José, et maintenant?
Si tu t'écriais,
si tu gémissais,
si tu nous jouais
la valse viennoise,
si tu te lassais,
et si tu mourais...
Mais tu ne meurs pas,
José, tu es coriace!
Tout seul dans le noir
comme bête fauve,
sans théogonie,
sans la paroi nue
où te reposer,
sans monture noire
qui fuie au galop,
tu marches, José!
José, vers où?




(marco*, não gostei muito da Mylène Farmer, mas, você me fez resgatar "José". Depois de "Quadrilha", nada poderia cair melhor!)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

No meio do caminho havia, que engraçado, uma bunda

Poeira, a primeira poesia é uma homenagem a você, que aparou na testa a força do mineral. Se você leva literalmente na mente a pedrada, agradeça-me. Sim! Porque você se tornou uma pessoa melhor com a pedra, não foi? A pedra te incutiu outras possibilidades e se algum sangue esvaiu, foi para dar espaço para idéias. Gostou desse argumento? Não responde. É, porque, muita gente que não levou pedra na cabeça ficou até hoje a ver estrelas. Ou poeira das estrelas. E, convenhamos, é melhor o mineral do que o vazio do espaço sideral. Vai, compreende. Eu sei que você entende. Bem, a segunda poesia é porque, Poeira, é inexorável e mais forte do que eu. Algum acréscimo picante tem que sair de um cara que quer ser chef de cozinha. Nem que for da anatomia humana. Pensa bem: cozinha, comida, calor, anatomia, pia - tá tudo ali já! OK, OK, forcei um pouquinho. Mas, é que eu queria fazer caber a outra poesia aqui. Além do que, não preciso dar explicações: sou dono do blog e coloco e pronto! Olha a pedra, hein!


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.


A Bunda, que Engraçada

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda

by Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

É só isto, e nada mais

"Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,

Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, de certo me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo
Tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,
Isto só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
É o vento, e nada mais."

(poema "O Corvo", de Edgar Alan Poe, em tradução de Fernando Pessoa)

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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