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segunda-feira, 3 de março de 2008

Rastreio de cozinha - 6

Segunda-feira, dia 3, sexto dia de aula. No segundo (e último) ano de gastronomia, tudo muda. Você é visto como aquele que já está lá, mais perto. Conforme observação de uma professora, somos referência. Os alunos do primeiro ano grudam nas paredes de vidro dos laboratórios como pererecas (a propósito dessas aqui de cima que não sabem se caem ou não) para nos observar em ação, nós, quase chefs. Hum! E a gente, nada modestamente, "tô nem aí"! Hum ...

Tudo mentira. Estamos todos de papo mais cheio do que o ganso que será foie gras. Se fossemos um prato do lendário chef francês Carème, seríamos pavões com maçã na boca, de tão empinados que estamos.

Mas, vamos à aula, que é o objetivo principal do post e não devo me perder em reminiscências (e deixar o texto longo porque alguns leitores fofos reclamaram. Como o verbo "servir" é o primeiro no meu dicionário, tentarei ser mas conciso).

Só um momento, por favor. Descobri que ser magro, em São Paulo, não tem nada a ver com estética, saúde ou coisa que o valha. É que, para disputar, e ganhar, uma vaga no metrô às 18 horas, você tem que ser obrigatoriamente magro, quase translúcido, uma Kate Moss. Porque aí você consegue cavar seu espaço com outras Kate Moss.

OK, deixa para lá. Minhas aulas (quatro, das 18:40 às 23:00 horas) foram de Cozinha Brasileira, as primeiras aulas práticas do ano. Abordamos a cozinha de São Paulo e do Rio de Janeiro. A cozinha do Estado de São Paulo tem registros desde 1.580, quando o alimento principal era o porco e o milho. Nossas referências são, na ordem: indígena (porco e milho), cozinha caipira (do interior do Estado), cozinha caiçara (dos pescadores, litoral) e dos tropeiros (de tropas que iam de São Vicente para Sorocaba e depois para o resto do Estado). Os tropeiros são os precursores dos bandeirantes (aqueles que caçavam índios e que foram os desbravadores do País).

A cozinha do Rio de Janeiro não tem uma tradição particular como a de São Paulo. Quando a família real chegou (há 200 anos, este ano), houve uma fusão entre a cozinha nacional e a cozinha imperial, com forte influência da gastronomia francesa, por determinação da gatíssima Carlota Joaquina. E, sorry mineiros, mas a cozinha mineira (que será vista mais à frente) é originária da cozinha paulista. Mesmo porque a vila de São Paulo é anterior aos pequenos povoados de Minas. O tradicional tutu de feijão mineiro, por exemplo, é fruto do virado à paulista. Isso é histórico e registrado. Não vai aqui nenhuma rixa café e leite.

Ao milho e ao porco da original cozinha paulista juntavam-se as hortaliças (da cultura de pequenas hortas nos quintais, cujo hábito prevalece até hoje e, acredite se quiser, da minha janela, vejo os canteiros imensos de hortaliças dos vizinhos que moram nos casarões abaixo, a apenas duas quadras da Avenida Paulista). E juntaram-se também a farinha indígena, o feijão e até a farofa de tanajura (formiga). Para quem diz "argh!" para as coisas estranhas que se comem na China, fica aqui o registro. E outro, mais surpreendente ainda: no século XIX, o principal alimento do Estado do Rio de Janeiro era o macaco e os periquitos, ambos considerados excelentes caças (na gastronomia, as carnes são classificadas em bovina, suína, caprina, aves e caça).

Para não me estender demasiado, fofíssimos leitores, fizemos três produções hoje: camarão com chuchu (e eu que não gostava de chuchu), bacalhau à Gomes de Sá (brasileiríssimo, e não português, este prato foi exportado para Portugal) e cuzcuz paulista. O bacalhau leva o nome porque quem o inventou foi o português José Luís Gomes de Sá, que aqui vivia há muito tempo.

Creio que ninguém terá paciência se eu desandar a passar as receitas por aqui. Assim, vou apenas dar uma receita por dia (e quem quiser mais, terá que me pagar, em serviço ou espécie). Como o prato mais popular, creio, é o bacalhau, a receita que se segue é de Bacalhau à Gomes de Sá, que rende quatro porções (antes que você reclame, as medidas são técnicas e por isso estão em unidades de gramas e mililitros. Afinal, é um curso técnico, e não tem nada que ver com Ana Maria Braga. E, não, a foto que estampa o post não é produção nossa. Vou começar a levar a máquina para registrar os pratos).

Bacalhau à Gomes de Sá

Ingredientes

- 1 Kg de bacalhau
- 500 gramas de batata
- 500 ml de azeite de oliva
- 500 gramas de cebola
- 10 gramas de alho
- 1 folha de louro
- 4 ovos
- Sal, pimenta dedo de moça, azeitona e salsa a gosto

Modo de preparo

1. Demolhar (tirar o sal) o bacalhau e cortar à julienne (bastões de 3 mm x 3 cm). Para facilitar a sua vida, deixe o bacalhau em água morna por uns 20 minutos e depois em água fria por mais 20 minutos para dessalgar. E o corte julienne, com boa vontade de minha parte, pode ser substituído pelo processo de desfiar as postas com a mão.

2. Cozinhar batatas e ovos. Cozinhe em separado. Primeiro, as batatas, inteiras. Depois, os ovos. Não misture ambos. É o que chamamos de "rasqueira", ou, em bom português, serviço porco.

3. Fritar alho, cebola e louro (nessa sequência) em azeite, juntar o bacalhau e as batatas (em rodelas, já cozidas).

4. Adicionar mais azeite e assar em forno por cerca de 20 minutos (depende de você, do bacalhau, da batata e do forno).

5. Montar com ovos e azeitonas. A montagem é um processo muito peculiar de cada um. Eu prefiro, SEMPRE, louça branca. Se o prato é uma tela a ser pintada, tem que ter fundo branco, sacou? Monte uma cama com as rodelas de batatas, coloque as (pequenas) postas de bacalhau sobre essa cama e finalize com azeitonas (que você pode cortar como lhe agradar). O toque final é um fio de azeite que circule a comida. Não deixe manchas de dedos na borda do prato e JAMAIS deixe que a comida e a decoração cheguem à borda. Isso é "rasqueira". E hoje não tem mais dicas porque está de bom tamanho. Bom apetite! Sim? Ok, use todo o azeite porque a base do prato é o azeite. Não economize. Se você não tem dinheiro, sugiro que coma cachorro-quente.

4 Comentários:

Anônimo disse...

Muito legal o post, caboclo. Acho que você acertou em cheio ao colocar uma receita...

É claro que a culinária mineira é derivada da paulista (e depois da portuguesa e africana) por razões históricas e também geográficas, as longas viagens e as tropas. Mas o tutu é nosso, pode ficar com o seu virado... (rs)

O phoda é que são 3 da matina e bateu uma fome depois de ler isso aí, que eu vou te contar...

Sig Mundi disse...

Sabe que eu já comi formiga!? Meu pai trouxe da Colômbia. Tinham umas bundonas! hahahahah Me lembrou levemente amendoim, e eu esperava que fosse crocante e não era muito. Mas valeu a experiência! rs

bjs, andrea

Reiko Miura disse...

Adoro receitas, por isso pode continuar colocando as suas. Também comi tanajura. Morava em Atibaia e eu e meus irmãos juntávamos um monte, colocávamos numa frigideira enorme e punhamos em cima de uma pequena fogueira. Era uma delícia. Hoje não sei se teria coragem de comer, mas naquela época era tão natural caçar passarinhos, pescar, comer tanajura, juntar joaninhas. E os vagalumes, então? A gente colocava dentro de um vidro com um furo em cima que era pros bichinhos respirarem (viram como não éramos tão malvados assim?).

Mas Red, conte pra nós se o cuzcuz paulista precisa ser cozido no vapor. Eu faço direto, mas dizem que se puser no vapor fica melhor. Como era este que vocês aprenderam a fazer na aula?

Redneck disse...

rm, não faz o grosso. prefiro ficar com os dois - o virado e o tutu - porque ambos me agradam. A diversidade, também na gastronomia, é o que faz o mundo melhor.

Andrea, é isso mesmo: gosto de amendoim. Se não forem as tanajuras nossas, são equivalentes. E diz que são afrodisíacas. Beijo.

Andarilha, a memória nos trai mais do que somos capazes de controlá-la. É a vingança do cérebro: destilar todos os nossos preconceitos sem que o possamos controlar. Sobre vagalumes, lá na roça, meus irmãos e eu fazíamos o mesmo (não havia luz elétrica). Só que usávamos sacos de plástico, sem furos e, de manhã, os podres estavam mortos. E quanto ao cuzcuz, você pode fazer direto ou na cuzcuzeira, a vapor. É o meio ideal e é assim que se faz em larga escala no Nordeste. Mas, com a nossa pressa por aqui, acabamos por pular essa etapa. Terei aula de cozinha mexicana esta semana. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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