Há um tigre em casa que costuma crescer de noite
O Tigre
Há um tigre em casa
que dilacera por dentro aquele que o olha.
E somente tem garras para aquele que o espia,
e somente pode ferir por dentro,
e é enorme:
maior e mais pesado
que outros gatos gordos
e carniceiros pestíferos
de sua espécie,
e perde a cabeça com facilidade,
fareja o sangue mesmo através do vidro,
percebe o medo até da cozinha
e apesar das portas mais robustas.
Costuma crescer de noite:
coloca sua cabeça de tiranossauro
em uma cama
e o focinho fica pendurado
para lá das colchas.
Seu dorso, então, se aperta no corredor
de uma parede à outra,
e somente alcanço o banheiro rastejando, contra o teto,
como que através de um túnel
de lodo e mel.
Não olho nunca a colmeia solar,
os negros favos do crime
de seus olhos,
os crisóis da saliva envenenada
de suas presas.
Nem sequer o cheiro,
para que não me mate.
Mas sei claramente
que há um imenso tigre encerrado
em tudo isso.
(tradução: Plinio Junqueira Smith)
A poesia acima faz parte da obra "El Tigre en La Casa", do poeta mexicano Eduardo Lizalde. Nascido em 1929, Lizalde vive na Cidade do México. A literatura lhe veio da infância: o pai lhe ensinou a ler e construir as frases a partir de um início de sonetos. O tigre, Lizalde o encontrou ainda criança, ao conhecer a figura do tigre de Kipling das histórias em quadrinhos de Tarzan.
Adolescente, foi consumidor voraz de Balzac, Zola, William Blake e Rainer Maria Rilke. O tigre é recorrente na poesia de Lizalde e, por esse mesmo motivo, o poeta é conhecido como "El Tigre". Sobre esse animal, Lizalde disse: "O tigre é uma figura fascinante desde os tempos bíblicos até hoje e não acho que há um escritor que deixou de mencionar o tigre. O tigre é a imagem da morte, destruição e também da beleza; é apenas uma ferramenta metafórica". De forma metafórica ou não, acredito firmemente que há um tigre dentro da minha casa que, com certeza, cresce à noite.