6 coisas que vocês não sabem sobre mim
Os desafios são duas coisas simultaneamente: excitantes e assustadores. Excitam porque se apresentam como oportunidades quase únicas de fazermos, ao menos uma vez, aquilo que tememos ou que queríamos e ainda não havíamos feito por constrangimento, vergonha ou medo mesmo. Impulsionados por algum fator, nos propomos a aceitar o desafio e ver quais são os nossos limites. Assustam porque pressupõem um comportamento extemporâneo ao cotidiano e, portanto, fora do usual. Mais do que isso, distante do habitual que cada um de nós estabelece para si mesmo e que faz com que nos preguem rótulos do tipo "ah! mas tal pessoa é incapaz de fazer isso".
Pois recebi um desafio. Veio na forma de meme. Do querido Eros. Devo dizer, dos queridos. Porque são quatro, e não Três Egos como o autor propõe no título do blog equivalente. Eu gosto bastante do Eros. Mas também há o Apolo e o Hermes. Juntos, formam a trindade do Três Egos. Curiosidade mesmo eu tenho pelo quarto elemento, o quarto ego que nunca aparece e que, ao mesmo tempo, está por detrás dos outros três e, assim, é quase um Zeus a comandá-los, os três egos subordinados. Eu poderia lançar de volta um desafio a esse Zeus que me desafiou mas lanço apenas umas flechadinhas sem maiores consequências e aceito, como bom moço, a proposição do meme.
O meme é chamado de "The Six". Mas fica melhor quando se coloca "Seis coisas que vocês não sabem sobre mim". Remete ao filme "Eu sei o que vocês fizeram no verão passado" e a segredos obscuros que pretendemos abafados. Mas, como eu disse em resposta ao Eros lá no blog dele, há que se soltar alguns esqueletos e podres para que novos pecados possam se instalar no espaço desocupado dos antigos. É como fazer uma faxininha na caixa de Pandora. Vamos lá, pois, aos podres que considero que a maior parte do público desconhece sobre mim:
1. Sexo: acordei em camas estranhas (nunca direi o número de vezes) com mais de uma pessoa e pelo pouco que o flashreward me permitiu reconstituir a cena, não sei o que fiz, com quem e quando. Apenas ao acordar, sabia que estava em ambiente estranho. Não hostil. Mas me recordo vivamente que saí sem deixar vestígios. Hoje, se encontrasse as pessoas que compartilhavam comigo essas camas estranhas, não saberia dizer quem eram. Se foi bom? Foi ótimo!
2. Drogas: viajei em algum ano para Fortaleza a trabalho. Fiquei hospedado numa suíte com piscina no último andar do Caesar Park. Linda a suíte. Ótimo o hotel. Durante o dia, trabalhei, composto. De paletó e gravata. Fui tratado com a deferência que o pessoal de hotel costuma dispensar a pessoas que trabalham e se comportam sobriamente. À noite, eu, que gato pardo sou, me transmutei. Ainda assim, estava sóbrio. Tirado o paletó e a gravata, sou outro. Sou da noite e a noite é minha. Passei pela recepção, disse até logo e fui para a vida. (pausa, longo intervalo). Experimentei uma chave especial que me travou direitinho e fez com que as fechaduras da consciência fossem trancadas uma a uma, tal qual cofre do Fort Inox. Cheguei ao hotel quase à luz do dia (prefiro voltar antes do amanhecer porque tenho uma estranha tendência vampiresca de odiar o sol da manhã pós-noite orgiástica). Eu não ia dizer mas direi: não caminhei. Praticamente rastejei. Engatinhei mesmo. Ao pé do elevador, não sabia o que tinha que fazer (o elevador funcionava com a inserção do cartão e a digitação do andar e eu não sabia sequer o meu apartamento). Um gentil funcionário houve por bem me acompanhar ao elevador, ao apartamento, me acomodar, apagar as luzes e me deixar em sono profundo. Umas 14 horas depois, acordei e constatei, enfim, que havia vida ainda. Affeeee!!!
3. Bebidas: perdi, literalmente, o pescoço. Não a cabeça, e sim o pescoço. Numa festa de aniversário no extinto Pequi da alameda Santos com a rua Peixoto Gomide, ali do lado do Parque Trianon, eu estava, me recordo, eufórico. O motivo guardo para outras ocasiões. Mas, posso descrever assim: bipolares flutuam entre a depressão e a euforia e eu havia saído do estado da primeira e estava no topo da segunda. Embalado por tão repentina mudança de humor, bebi. Quis, a uma determinada hora, pinga, cachaça mesmo. O Pequi não tinha pinga! Mas veio com uma solução: o famigerado rabo de galo. Como eles não tinham pinga, misturaram vermute com algo similar à pinga. Eu e alguns outros aceitamos a bebida com convicção que somente os bêbados têm. Quando me levantei para ir embora, o pescoço tombou, sem consistência. Parecia que era feito de borracha, feito aqueles palhaços que pulam daquelas caixinhas e arrancam gritinhos nervosos de quem abre o brinquedo. Imediatamente, me dirigi a uma amiga e lhe dei as chaves do carro: "Não consigo dirigir", disse. E foi tudo. Eu não sabia nem indicar o caminho de casa. Ela me deixou como pôde e eu dormi no sofá, com a porta do apartamento parcialmente aberta.
4. Faculdade: durante a faculdade de jornalismo, eu tinha grandes ideias de pautas que, geralmente, não se confirmavam. É impressão minha ou achamos mesmo que somos originais em determinada altura da vida? Ainda bem que agora, mais contido, já não tenho nenhuma perspectiva de ser original. Se der uma cópia de alguma qualidade, já é um avanço. Enfim. Um dos trabalhos de faculdade consistia em visitar algumas zonas proibidas da cidade de madrugada para experimentar como era a vida de adolescentes e crianças que se drogavam na Estação da Luz. Fomos, um amigo e eu. Tivemos medo sim. O ambiente era realmente pesado. Mas eu fui além, depois, sozinho. Voltei lá, pronto para cometer um furo, um brilhante furo jornalístico daqueles que me atirariam direto nos braços das melhores bolsas. Oh! Pretensões bestas! Sozinho fui e senti mais medo ainda. Mas não a ponto de me fazer parar. Numa determinada hora, carros passavam para convidar as crianças e adolescentes para sexo. Claro, o público aceitava porque o crack era barato e a fissura alta o suficiente para justificar um rápido sexo oral ou seja lá o que o motorista quisesse. Eu procurava passar quase por invisível. Mas quem conhece a Estação da Luz à noite, fechada, sabe que somente fica lá quem é do ramo - drogados, gente atrás de sexo e todo tipo que jamais inspiraria confiança. Estava frio, me lembro bem, e eu usava capuz. Um carro encostou e o motorista acenou. Fui. Entrei no carro e ele me ofereceu um cigarro de maconha. Eu disse que não. Deu a partida e disse que me pagava R$ 10. Eu disse que não. A essa altura, eu estava apavorado. Quando o carro chegou ao final, quase na avenida Tiradentes, pedi para ele parar e disse que estava em investigação. Ele freou imediatamente, pediu desculpas e disse que tinha que ir embora. Eu, embora estivesse com mais medo ainda, simplesmente falei que não era nada com ele, e sim com os traficantes. Saí do carro e ele arrancou. Caminhei até a avenida Tiradentes, peguei um táxi e voltei para casa.
5. Morte: eu sempre temi a morte, a Foiçuda, a Megera, aquela figura recurvada que não caminha. Desliza sorrateira. E sempre tive comigo que, ao medo, se deve sobrepor o enfrentamento do medo. E foi o que fiz. De novo, a deixa foi a faculdade de jornalismo. Encorajado por uma outra daquelas pautas que deveriam ser originalíssimas a ponto de serem premiadas, arrumei um tema que, claro, tinha certeza que era o único a deter tanta inteligência. O tema principal era transporte. A proposta, sair do lugar comum. No dia seguinte, cedinho, fui à Funerária Municipal de São Paulo. Meu gancho: descrever o funcionamento do transporte de mortos. O serviço de funerária na cidade é municipal e, portanto, do caixão ao transporte até o cemitério, tudo é feito pela prefeitura. Mais ou menos. Cheguei lá e, acredite!, havia um colega que tinha tido a mesmíssima ideia. Como eu disse, originalidade não existe. Disputamos um pouco o direito àquela pauta e eu, firme, resisti, e ganhei a disputa. Fiquei lá, sem saber o que fazer. Olhei de um lado e de outro e somente senti o cheiro da morte. Saí, dei uma volta e conversei com um motorista. Disse que fazia um trabalho de faculdade (não falei que era de jornalismo, isso costuma assustar as pessoas, não sei porque) e o motorista se mostrou pronto para me ajudar caso eu pagasse o almoço. A pequena corrupção. Aceitei e passei cerca de 16 horas com ele. Foi inesquecível. Fizemos, ele e eu, como um assistente, três transportes de cadáveres. Buscamos duas pessoas, um homem e uma mulher, em hospitais. E uma terceira num bairro distante, do qual não me recordo o nome. Uma mulher. Nos hospitais, tudo triste e deprimente. Carregávamos os corpos em macas, levávamos ao carro fúnebre e os transportávamos para os necrotérios. Lá, se a família liberasse algum dinheiro, o próprio motorista se encarregava de maquiar os mortos, arrumar as flores. Enfim, compor o morto. Ajudei como pude, não obstante o meu pavor. Me lembro de ter enfeitado o corpo do homem com pequenas margaridas amarelas. A mulher que buscamos em casa era uma senhora querida. Na casa, tivemos dificuldade em sair. Havia um pequeno corredor, bastante estreito, e tivemos que carregá-la ao modo de mortos de guerra: num lençol puído até o caixão que estava no carro funerário. Ouvi várias histórias do motorista durante o dia. À noite, quando nos despedimos, cheguei em casa, tomei banho e chorei. Pela vida. E pela morte.
6. Adolescência: fugi de casa quando tinha 16 anos. Fuga é uma palavra que talvez não descreva com exatidão aquele gesto mas foi uma fuga sim. Pelo menos na minha concepção burlesca de adolescente problema, na época era para soar como uma fuga. A tal fuga durou menos de 20 horas e teve como consequência apenas uma reprimenda materna e uma conta a mais para agregar naquele rosário que somente crescia, pesado, cheio de rancores adolescentes. Eu estudava em Ourinhos e resolvi ir para a cidade vizinha de Salto Grande ao invés de voltar para a minha própria cidade, São Pedro do Turvo. Ou seja, pela primeira vez, não voltei para casa. Sei que criei alguma confusão. E eu esperava por isso. Queria que sentissem que eu havia fugido, que eu finalmente havia feito uma coisa grande. A viagem foi de trem. Fiquei na casa de uma amiga e simplesmente dormi, preocupado com o fato de que eu não tinha autonomia, principalmente financeira, para me mover no mundo como se independente eu fosse. Voltei, com o rabo entre as pernas, e ainda ouvi. A grande fuga, imaginada nos milhares de detalhes, não passou de uma viagem boba e apenas se somou ao amontoado de confusões que é a fase da adolescência em geral. #Fail
Acho que fui bastante sincero nas seis coisas que, eventualmente, vocês ainda não sabiam sobre mim. É difícil, em alguns casos, colocar aqui. Mas desafio é desafio e, aceito o pressuposto, coragem! O The Six - Meme pede para que se repasse a mais seis blogs a incumbência de trazer à tona seis coisas que você nunca foi capaz de dizer ou publicar. Quer dizer, pode ser também seis coisas que você acha que os demais não sabem sobre você. Lembro, assim como o fez o Eros, que ninguém é obrigado a aceitar somente porque indiquei o blog. Assim, repasso para os seguintes blogs a tarefa ingrata ou não de se revelar, seja em coisas boas ou não. Agradeço o carinho de Eros (ou foi Apolo ou Hermes??? ou ainda o quarto?) por ter me indicado e espero ter feito jus ao meme. Aos blogs, então:
- A Katana de Bambú
- Celso Dossi
- Dil Santos
- H de Homem
- Homem, Homossexual e Pai
- Why Not Now?