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quarta-feira, 30 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 45

Cataluña. Talvez 1918, 1920. Tenho lembranças deste lugar que não são minhas. Outras, as tenho próprias. As não-memórias são orais, contadas lá em casa, pela minha mãe e avó. Minha bisavó veio da Espanha, quase que certamente da Cataluña. Era uma senhora sisuda (não a conheci sequer por foto), a avó Caetana. Se vestia de luto, o tempo todo. Com vestidos imensos, a cobrirem os pés. Fechados no pescoço. No sol do interior de São Paulo, a avó Caetana era toda sobriedade. Nunca se deu ao trabalho de aprender português. Não ria. Estava sempre brava. Perdeu dois filhos na viagem marítima entre a Espanha e o Brasil.

Foram meses de viagem e o escorbuto (imagino) acabou com várias vidas a bordo. Incluso as dos meus tios-avós que ficaram sob as águas profundas do Atlântico. Não sei ao certo as datas de chegada ao Brasil e de saída da Espanha. Os registros se perderam. Só sei que chegaram ao Brasil por Santos. Depois de meses de viagem. E não tenho a mínima idéia de como foram parar no final do Estado de São Paulo. Vem daí minha gênese, pela linha materna.

Cataluña, 2007. Barcelona, Tarragona. Piso na terra que foi pisada pela minha bisavó. Algo me diz que em algum lugar daquela região, há mais de mim. Outros familiares que ficaram na Espanha. Não fugiram da Primeira Guerra. Nos anos 20, a Espanha viveu sob crise política e econômica, com ameaças do movimento operário, das esquerdas e do separatismo basco e catalão. O rei Afonso XIII permitiu, em 1923, a instalação de uma ditadura militar. Creio que é no período imediatamente anterior a este que meus parentes resolveram emigrar para o Brasil. Precisaria fazer um levantamento profundo em cartórios e registros de imigrações para descobrir de onde vieram meus bisavós e porquê.

De qualquer forma, no ano passado eu estive em terras catalãs. Não sei se embalado por essas memórias de sangue, senti que havia ali uma presença de família. Me senti em casa. Me denominei com o nome espanhol (Garcia) a um taxista que, surpreso, me falou do Tratado de Tordesilhas e, ainda mais surpreso com o fato de eu saber do que se tratava, me disse que talvez pudéssemos ser parentes (Garcia era seu sobrenome). Mas, Garcia é um nome comum na Espanha, assim como o Silva no Brasil. No entanto, vai saber.

Nesta quarta-feira, 30, último dia de abril (último dia para entregar o IR), véspera de uma comemoração esdrúxula, para o meu gosto, já que o trabalho não tem nada de agradável em si, tivemos a primeira das duas aulas de gastronomia espanhola na disciplina de Cozinha Internacional Ocidental. Como soi acontecer nas vésperas dos feriados, éramos 12 alunos para uma sala de 22, 23 pessoas. Claro que todo mundo já emenda de véspera. Só não o fiz porque faltei ontem e anteontem e me sentiria bastante culpado se o fizesse de novo.

E foi ótimo ter ido. Ter feito os maravilhosos guisados espanhóis. Ter celebrado, em festa surpresa de quatro classes, o aniversário de um professor querido. Reunimos quatro classes, às escondidas, com direito a encenações de professor com surtos de nervos (para despistar o aniversariante), balões coloridos, bolo feito às pressas e um belo vinho legítimo sangue de boi para uma pessoa (o aniversariante) que costuma se vangloriar de beber os mais famosos vinhos franceses e italianos. Foi emocionante. E isso faz com que eu goste ainda mais da minha faculdade, do fato de não ser, ainda, uma instituição ampla o bastante para não permitir esse tipo de manifestação. Somos, de uma certa forma peculiar, uma grande família, todas as classes, porque, obviamente, sempre estamos uns de olho no trabalho dos outros e vice-versa. Isso é bastante interessante no ambiente acadêmico, a despeito de uma faculdade de gastronomia não ser, exatamente, um fórum para debates intelectuais.


Cocido Madrileño (ou Puchero, de la Comunidad de Madrid)

Vamos às produções. Como estávamos defasados em número de bancadas e de componentes, dividimo-nos em duas bancadas, com duas produções para cada uma, num total de quatro produções para a primeira aula da Espanha: Cocido Madrileño (ou Puchero, de la Comunidad de Madrid), Zarzuela de Pescados y Mariscos (Catalunã), Fabada Asturiana (de Asturias) e Cerdo con Zafron (Porco com Açafrão, de Extremadura).

Como eu fiz a Fabada Asturiana, passo a receita.

Fabada Asturiana

Ingredientes

- 200 gr de feijão branco
- 150 gr de presunto (jamon) cozido
- 1 cebola cortada em quatro partes (para aromatizar)
- 3 dentes de alho inteiros
- 1 gomo de chourizo sem sangue cortado em rodelas
- 1 gomo de linguiça calabresa picante cortada em rodelas
- 35 gr de toucinho defumado cortado em cubos
- 4 ramos de salsinha para aromatizar
- 50 ml de óleo vegetal
- açafrão a gosto
- sal e pimenta preta moída a gosto

Modo de Preparo

1. Coloque o feijão branco de molho e cozinhe em panela de pressão até ficar macio (de 40 minutos a 1 hora).

2. Junte em uma panela grande o presunto, a linguiça, o toucinho, a cebola, o alho e a salsinha. Reserve o chourizo para adicionar no final, já que é mais macio e cozinha mais rápido.

3. Refogue tudo em óleo e acrescente fundo de carne para cozinhar.

4. Ferva por uns 40 minutos até que as carnes soltem os sucos.

5. Acrescente o feijão branco nessa mistura quando todas as carnes estiverem macias. Separe um pouco de feijão e faça uma pasta (no garfo ou liquidificador).

6. Adicione a pasta de feijão à panela para que a fabada fique espessa. Junte, neste momento, o chourizo.

7. Corrija o tempero com sal e pimenta, se necessário. Note que, como os embutidos já são salgados, talvez não seja necessário colocar sal.

8. Remova a cebola e os talos de salsinha (se não tiverem desmanchado durante o cozimento) e sirva.

(Releve: apenas uma foto estampa este post porque a bateria da câmera acabou no momento de tirar fotos. Como sempre ocorre, aliás. Daí que ainda tive a presença de ir buscar meu iPhone na mochila para registrar os demais pratos. Até aí, tudo bem. Não fosse o fato de, em casa, eu não conseguir, nem sob ameaça, fazer com que o iTunes lesse o iPhone e descarregasse as fotos. Estão todas lá, presas no aparelho. Odeio o iPhone por isso. Deve ser a mesma sensação que o índio tem quando sacam fotos suas. Para os índios, as câmeras captam suas almas. Para mim, o iPhone capta momentos e os arquiva, egoísticamente.)

Bem-casados

Infelizmente, não anotei a data de inserção da pesquisa no blog. Sei que faz tempo que está aí. Toda semana, eu resolvia que ia tirar a pesquisa do ar. Mas, quase todos os dias, havia um novo voto. Até agora, foram 169 votos. Aparentemente, cada voto é um voto único porque o controle é via número do IP.

Como era de se esperar, a preferência do(a) leitor(a) recai sobre o prato mais tradicional do Brasil: arroz, feijão, carne e salada. Do total votado, 65% afirmam preferir este tipo de comida.

Abaixo, o resultado completo da pesquisa:

- Arroz, feijão, carne e salada - 65% (110 votos)
- Macarrão e peixe - 7% (11 votos)
- Junke food: pizza, salgadinhos e refrigerantes - 7% (11 votos)
- Saudável: peito de frango e folhinhas de alface - 4% (7 votos)
- Feijoada, capirinha e torresmo - 9% (15 votos)
- Sopas cremosas, purês, arroz de forno e carnes de panela - 8% (14 votos)

Agradeço a todos os que responderam. É uma maneira, tão boa quanto qualquer outra, de conhecer os hábitos alimentares de todos nós.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 44

A partir das 17:30 horas desta terça-feira, 29, uma leve garoa, vulgarmente acreditada como um dilúvio, dominou o firmamento desta cidade. Como sou muito suscetível às intempéries, e posso me desmanchar no contato com a água, recuei e evitei:

1. Ser levado pela enxurrada (a despeito da garoa).

2. Brigar com 8,5 mil pedestres entre a minha calçada e a entrada no prédio da faculdade.

3. Disputar a tapas - molhados - uma vaga no eletrizante metrô de todos os dias e ainda levar (ou entrar em) choque no contato com outros humanos.

4. Uma aula dulcíssima na qual eu aprenderia a fazer uma espécie de macarrão doce (pelo que eu vi na aula de outra turma, era mais ou menos isso).

Dadas essas circunstâncias, o céu, que na teoria deveria me proteger, me enviou um claro recado: Abandonai a preguiça porque os tempos urgem! Ainda que eu ruja dominicalmente, o lá de cima não quer nem saber: ou eu me comprometo e deixo de frescurinha porque não estava a fim de estudar ou não vai me dar mole não. Se ontem faltei pelo pecado capital da preguiça, hoje fui castigado e nem sob escolta pude sair. Até tentei. Mas, sabe quando o guarda-chuva tende a abrir do avesso, como se fosse um girassol? Tomei isso como um claro sinal de ira e me abstive de enfrentar o que poderia ser um naufrágio.

Daí que convoco (queria tanto ser Harry Potter!) uma Arca do amigo Noé. A minha se chama Arc du Triunf. Nesses tempos de personalização, não vejo porque não posso dispor de uma arca própria. Ademais, tenho ganhado alguns bichos e como não sei o que fazer com tantos, penso que a minha arc poderá muito bem acondicionar esses pobres animais que têm uma estranha tendência a comportamentos escatológicos.

Nesses tempos que correm, lesma é que não serei. Decidi que na minha arca, para suportar os 40 dias e as 40 noites sem que o tédio tome conta e tudo acabe numa grande carnificina, haverá raves. Nos 40 dias e 40 noites. Sou um homem do meu tempo. A primeira coisa que farei é quebrar - e registrar - um recorde, o da maior rave do mundo aquático.

Não, nem me venha com shows de Roberto Carlos e de Fábio Jr. Coisa mais brega! Um DJ eletrônico por dia e outro por noite. Já fiz contato com as gravadoras que, destruídas pela avalanche de downloads de arquivos MP3, aceitaram de imediato minha idéia. Qualquer novidade, para elas, é bem-vinda. Primeiro, quero deixar claro que a Arc du Triunf não é um Eugênio C. Portanto, esqueça RC e FJ!

A minha arca é muiiioooooottttttoooooo melhor do que a do Noé. Totalmente equipada com aparelhos GPS, que é para eu não depender de uma única pombinha branca com um raminho de oliveira no bico a me comunicar o fim do chuvisco. Alto lá! Não tenho nada a ver com o "sou da paz". Meu negócio é som e fúria! Ah! Ao contrário daquele outro que voou nos balões coloridos, eu sei operar o GPS.

Na arca, há provimento para 100 dias, no caso do outro errar as contas e apertar a descarga por tempo demais. E, depois, numa rave, quem se preocupa se haverá ou não o fim de alguma coisa? Terei provisões suficientes de extasiantes balinhas coloridas que é para ninguém deixar de ver aquelas formas informes que povoavam a cabeça dos marinheiros no século XVII. Só que, no meu caso, as alucinações são espontâneas: bala, logo, visões! Porque, o que fazer com o tédio?

Comida, bebida, êxtase (porque é nas provações que entramos em êxtase, vide êxtase de Santa Tereza) e muita música. Festa. Alegria, alegria ... Se der tempo, ainda contrato este maldito circ porque sempre tem quem quer o lúdico. Ai, na verdade, estará tudo liberado.

Os bichos? Coitados! Confinadíssimos em jaulas devidamente equipadas. Afinal, o princípio da arc é manter a origem das espécies. Se alguém me provocar, dou daniel de bandeja (era joão batista, mas, não sou salomé) para a cova dos leões.

Agora, devo comunicar que a arc parte em breve. Por favor, os candidatos devem me enviar os contatos (e extratos bancários) para eu começar a triagem. E nem vem com falsificaçõezinhas baratas. As baratas, eu não levarei, já que esses insetos sobreviverão, de qualquer jeito.

Gastronomia

Antes que eu passe por uma sessão de descarrego do tipo "j'accuse", sem que haja um Zola para me defender, volto à gastronomia que deveria, antes e por tudo, ser objeto-foco de posts deste tipo. Minha aula desta terça-feira, 29, é/foi/deveria ser/seria de Confeitaria. Segundo minhas anotações, o conteúdo é sobre a produção de base para sobremesas, recheio, cobertura e decoração. Bem, infelizmente, não estou lá para aprender e depois mostrar aqui.

A próxima aula de Confeitaria ocorre no dia 13 de maio (abolição da escravatura) e, até lá, pretendo estar solto dos grilhões da preguiça e dos céus que não se me protegem como deveriam. Neste dia, 13, aprenderemos a montar croquembouches. Se você não sabe o que é, uma dica: me remete à torre Eiffel, já que estou cheio de simbolismos por aqui. E vigarices também, por que não admitir?

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 43



Faltei!


That is all!


Não estava a fim!

Em queda livre



Quando mais alto o céu, maior o tombo. De novo, Icaro, de novo!

Meme-entrevista

Recebi do blog Neurônios Hiperativos o convite para participar de um meme. É uma mini-entrevista, com dez perguntas, sobre o blog e sobre mim mesmo. Agradeço ao Neurônios pela gentileza e, com algum atraso, respondo as questões e passo a bola para a frente.

1. Por que resolveu criar o blog?

A princípio, como uma brincadeira, que partiu de uma tarde ensolarada da praça Benedito Calixto, em São Paulo. Depois, virou diversão entre amigos e, mais tarde, um blog sobre as minhas aulas da faculdade de gastronomia. No entanto, o blog não é fechado em apenas um assunto. Abordo tudo. Seja de gastronomia ou não, meto o bedelho em todas as comidas.

2. O que te dá mais prazer em blogar?

A troca virtual com as pessoas e a resposta que não esperava encontrar. Do nada, passei a conhecer um mundo completamento diverso. A blogosfera é um universo em si mesmo.

3. Indique um blog bom e um que você não gosta. Por que?

Assim como bem o disse o Neurônios, não tenho lista negra e tampouco azul. Os blogs de que mais gosto são os que estão na minha blogroll. Mas, não dá para limitar assim, já que somos milhões de blogs (saí pela tangente).

4. Qual tipo de música que você gosta e quais suas bandas favoritas?

Gosto de música eletrônica (techno) e suas derivações, quase todas. Meus favoritos são Radiohead, Massive Attack e Sigur Ros.

5. Qual o assunto que você mais gosta de postar?

Todos, sem exceção, de gastronomia a tecnologia, de literatura a relatos pessoais, sou como a operadora: sem fronteiras.

6. Seaquinevasseceusavaesqui?

Não sei. Mas, eu ia adorar usar as roupas coloridas.

7. Você é: casado, solteiro, separado, enrolado, desquitado, chutado, viúvo ou outros?

Isso é uma agência de encontros?

8. Por que você deu este nome ao seu blog?

Por causa do Second Life e do filme "Por uma vida menos ordinária". Adoro o filme e nada mais apropriado, para mim, do que juntar um e outro e tentar fazer disso uma outra vida.

9. Qual foi o último blog que você visitou?

O próprio Neurônios, para responder a entrevista.

10. Por que resolveu participar deste meme?

Porque gostei da entrevista.

Repasso o meme para quatro colegas blogueiros:


- By Oscar Luiz
- Flores Amor e BláBláBlá
- O Mundo Mágico de Horseman
- Other Side

domingo, 27 de abril de 2008

Aldeia global

Marshal McLuhan, sociólogo do Canadá, cunhou o conceito "aldeia global" - o progresso tecnológico reduz todo o planeta a uma aldeia e torna possível a comunicação entre qualquer pessoa - , em 1968. Somente em 1991, precisamente no dia 7 de agosto, o primeiro site, na forma como conhecemos a internet atual, viria a público, pelas mãos de Tim Berners-Lee. Mais à frente, em 1997, portanto, há 11 anos, Jorn Barger concebeu o termo "weblog" - uma página da web onde um diarista relata todas as outras páginas interessantes que encontra. De 1968 até agora, são 20 anos. No ano passado, em 4 de agosto, criei este blog, o Por uma Second Life menos ordinária. Salvo engano, no dia 5 de fevereiro deste ano, recebi o primeiro comentário de um leitor que se transformaria, aos poucos, em colega, comentarista assíduo e, finalmente, uma pessoa de carne e osso que posso - e tenho o prazer - de chamar de amigo.

A amizade virtual não é novidade na minha vida. Acesso a internet desde os primórdios brasileiros, via BBS (Bulletin Board System) ainda, quando não havia a interface de browsers e não existia a configuração WWW (World Wide Web). Pelo menos desde 1996, acesso a internet.

Mas, McLuhan jamais anteviu que a aldeia global seríamos nós, eu e você, plugados cada um num ponto da terra, a nos comunicarmos, trocarmos informações, opiniões, conversarmos quase como se fossemos velhas comadres do interior, por meio de janelas virtuais.

E a troca é maravilhosa. Jamais eu imaginaria encontrar pessoas tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão semelhantes. O mundo é, sim, a minha e a sua aldeia. Por que não, afinal? Só estamos separados por barreiras geográficas. De resto, somos todos irmanados na aldeia. O que te afeta aí, me afeta aqui. Chegamos a um ponto máximo de interação de sentir no outro os humores (cansaço, irritação, felicidade, prazer) até mesmo em mensagens instantâneas.

De brigar online, sem antes mesmo ter conhecido o outro pessoalmente. Acho maravilhoso isso (não as brigas, e sim o contato).

Pois foi graças a essa ferramenta que nos reduz a todos a uma única tribo, livres da Babel enfim, que recebi, do meu mais recente amigo, uma série de fotos sobre as comidas da França e do Irã (ainda falta o jantar senegalês, prometido!). Reproduzo aqui, com o consentimento dele, os pratos. É raro eu abordar comida no blog no final de semana. Mas, quero, com isso, prestar a ele, Marco, e a todos - McLuhan, Berners-Lee e Barger - uma homenagem. Pelo poder da comunicação e pelo fato de todos nós, me incluo nesse rol, estarmos conectados. Ao mesmo tempo tão perto e tão longe. Caro, obrigado pelas fotos e peço em público que você continue a me fornecer preciosidades como estas. Enriquece a mim, como estudante de gastronomia, e ao leitor, pela possibilidade de riqueza cultural que só a troca traz. Obrigado, nouvelle ami (em plágio direto roubado da nouvelle cuisine). E, pela primeira vez, um leitor meu é co-autor de um post. Às fotos e aos pratos:

Cozinha Francesa

Entrada


Boudin Blanc: é uma espécie de embutido de cor branca, recheado de vitela, frango ou porco, que acompanha muito bem outra iguaria, o foie gras.

Prato principal


Brochette D'Aigneau (Espetinho de Cordeiro)

Sobremesa


Foret Noire (Floresta Negra): com chantilly, os exclusivos berries franceses (moranguinhos) e um fio de grenadine (xarope de romã ou de frutas vermelhas, aromatizado com baunilha ou com limão).

Bebida


Rum com frutas vermelhas

Sobremesa


Sorvete com Casquinha

(Rasteje: o restaurante visitado pelo meu amigo é o La Tour d'Auvergne no Château Fort de Sedan, na região de Champagne-Ardenne).

Cozinha Iraniana

Prato principal


Coxas de Frango: "São preparadas de uma maneira bem especial, o sabor não tem nada a ver com o caldo de nosso frango".

Guarnição


Arroz: Foram "dois tipos de arroz, um tinha umas frutinhas vermelhas, e era meio docinho. O outro, mais salgado, tem um tipo de molho - no canto - que foi preparado com especiarias e iogurte, muito especial, e foi servido com a salada."

Meu rugido dominical

O padre Aderi de Carli foi motivo de comentários maldosos até no blog Perez Hilton, dos EUA, depois de ter se arriscado nos céus atado a 1 mil balões de gás e desaparecido no litoral de Santa Catarina. Ontem, sábado, a Marinha decidiu encerrar as buscas. Tinha o padre consciência dos riscos envolvidos nessa aventura? Claro que tinha. Estava equipado com modernos equipamentos de comunicação e havia precedentes!

Mas, por que então se arriscar? Por que se arriscam aqueles que escalam o Everest, sob o perigo imediato de perder orelhas, dedos e nariz para a gangrena do gelo ou, pior ainda, morrer soterrados sob as avalanches? Por que o homem se aventura na conquista do espaço e morre na explosão do desafio (Challenger) ou mergulha a profundidades extremas no mar para morrer sob uma pressão avassaladora?

Por que nos arriscamos nos pequenos e grandes perigos quando já sabemos de antemão as consequências desses atos? Juridicamente, existe a figura da jurisprudência, que prevê o castigo para determinado crime, a atitude diante de uma ação, o meio de conduzir o processo baseado em históricos anteriores.

Não há nada de novo no mundo. Tudo o que fazemos tem precedentes. Os riscos são demasiado evidentes para que os desprezemos. No entanto, e sempre, continuamos a nos arriscar.

Estou numa fase déjà vu da minha vida. Me disseram que os tremores de São Paulo deslocaram meu eixo. Bem, afirmo que não. Os tremores, de fato, já estavam em convulsão dentro de mim antes mesmo que as placas tectônicas começassem seus movimentos de contração e expansão lá longe, no mar.

Não sei se tenho, efetivamente, um eixo que controla o meu emocional, que me estabiliza feito um pêndulo para que a lei da gravidade não penda mais de um lado do que do outro. Realmente, não sei até que ponto o eixo breca eventuais estados de caos. Creio que é apenas uma figura criada por nós mesmos para podermos nos chamar, com algum conforto, de "equilibrados".

Essa fase déjà vu a que me referi consiste em um estado eufórico, a princípio sem uma explicação central, que faz com que eu me sinta bem com o mundo, de uma forma pública, e num estado permanente de contentamento comigo mesmo, em privado. Fico aos risos, falo em 5.400 rotações por minuto (velocidade de um disco rígido), me endiabro.

Fico cheio de idéias, com uma hiperatividade que não é bem minha. Não sei se gosto disso. É o prenúncio de um tsunami. Chego a sentir as pequenas placas dentro de mim no trabalho de preparar a grande onda que, mais uma vez, virá me colher como a um surfista premiado.

Não sei se estou pronto para pegar essa onda e fazer dela mais um ciclo. Realmente, a minha prancha não está com esta parafina toda, não.

É o que eu acho, teórica e objetivamente. Mas, subjetivamente, há o fator "R", de risco. Está lá, vermelho, em estado de alerta. É como um comando: ENTER!!!! Entre o anjinho que controla o doce embalo do pêndulo que controla o eixo e o diabinho que está com um pezinho na tecla ENTER, adivinha quem é mais audacioso?

Pois que o risco, pequeno, médio ou grande, atrai. Todavia e apesar das consequências, atrai. E nada se pode fazer. Não adianta ser racional. Ser cerebral. Não há nada que pare o cataclisma. Não há comportas suficientes para segurar essa onda.

Não vou dizer que então, ovinamente, ficarei à espera. A primeira reação é de negação: não é comigo, nada a ver, não quero. A segunda, de curiosidade: será que ....? A terceira, de aproximação: mas, se eu não deixar, como vou saber? A quarta, de aceitação: OK, que mal pode me fazer, entre o nada atual e o que pode vir?

E aí, cara, já era. O turbilhão te toma, envolvente. Desce feito uma represa que rompe, selvagem. Pois que venha toda essa água. Ordinariamente: quem não arrisca, não petisca. Não gosto muito desses ditos, mas, é verdade, afinal. Quero me inundar, sim, de novo. Por que não? Por que não tentar voar de balões coloridos e quebrar a rotina a que estamos submetidos, pregados no chão? Por que não voar? Fantasiar que tenho asas? Se vou cair em alto-mar? OK, esse risco está lá, devidamente anotado. Só que não sei porque mecanismos, os riscos são devidamente olvidados. Afinal, quem quer ouvir o fatídico refrão "Não te disse?"? Eu é que não.

O padre, afinal, estava certo. Ousou. Se pagou por isso, tinha consciência do ato. O importante é que levou seu desejo de arriscar às últimas consequências. Agora, vou eu ficar aqui, protegido de quê, senão de mim mesmo, com medo de que os balões estourem? Que estourem e, se possível, espoquem feito uma rolha de champagne porque, à esta altura, a hecatombe já estará no controle de tudo o mais.

Os dias, as noites

Sensação de que o dia e a noite voam, vorazes. Consumo do tempo: tic tac tic tac. É o pacman, na gula por horas, minutos e segundos. Saí de casa às 15 horas. Quando voltei, já era hoje. Nove horas por aí, com os amigos. Tentei postar do iPhone, mas, não consegui.

Você sabe que tenho alguns compromissos com o blog. Um deles é não faltar aqui, diariamente. Ontem, não deu. Por incapacidade absoluta de conciliar o tempo do relógio com o meu próprio tempo.

Somos todos filhos de Cronos, devorados ad nauseam pelo pai.

E daí que resgato um Einstein rápido para divagar sobre a teoria da relatividade. O que é o tempo senão o que dele fazemos? Pois que, na emergência, segundos são horas. Na mansidão, horas galopam. Nos duros prazos finais, as horas nos engolem. Tic tac trac!

Estranho o tempo que para você demorou tanto e te afligiu. Para mim, foi um quase nada. Já passou. Nem senti. Para mim, horas de espera. Para você, menos 12 horas que já eram. É assim, o tempo, cheio de contratempos para nos enganar, nos fazer perder a noção dele mesmo. Aumentar a ansiedade, adentrar a madrugada como se as horas nada fossem. Os dias, compridos. As noites, precoces de tão rápidas.

Tempo curto para você que tem pouco para vencer o caminho longo. Tempo longo para mim que espero, espero, espero. O que é o tempo? Não é o do relógio, não são as 24 horas. O teu tempo é o meu tempo, às vezes, tão síncrono! De repente, nossos tempos são tão equidistantes. O que fazer com o tempo se não dá tempo de se dar um tempo ao próprio tempo? Croc! Melhor fazê-lo ser engolido pelo crocodilo de Peter Pan? Melhor fazê-lo parar e congelá-lo como Peter o fez? Tempo, temporão, temporal. Temperamental, que se me põe a dizer desatinos. O que fazer com o tempo senão preenchê-lo e aos seus vazios com o meu tempo atemporal? As noites e os dias, avessos. Me dá um tempo!

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 42

Sexta-feira, 25 de abril de 2008. Hoje faz exatos dois meses que comecei o segundo ano da faculdade de gastronomia. Como me disse uma amiga, parece mais. Nós fizemos, nesses dois meses, mais de 150 produções de todas as disciplinas. Uma centena de técnicas. Carnes, frangos, peixes, massas, guisados, sopas, cremes, pães, doces, salgados, alho antes da cebola, cebola antes do alho. Abafar, coser, saltear, branquear. Cortar em brunoise. Cortar em julienne. Ralar. Picar. Picar a cebola até que suma. Bater. Processar. Pincelar. Deglacear. Açúcarar.

Por isso a sensação de que faz mais tempo. É muita informação. Muita referência. Milhões de pequenos detalhes. Uma pitada de cardamomo. Um dedo de pimenta malagueta. Um nada de estragão. Noz moscada. Manteiga. Sal. Azeite. Fundo de carne.


(Carpaccio de Abacaxi com Gengibre)

Ao contrário de grande parte das demais faculdades, 80% da faculdade de gastronomia são práticas. É calor excessivo. Pressão alta, literalmente. Fogo. Panela quente. Dor nos braços. Os pés doem. Não se senta, nunca. Não se para, jamais. Dois minutos e a redução queima. Dois segundos e a calda vira um grude.

Fiz faculdade de jornalismo e reclamava porque tinha que ler muito. Adorno, Escola de Frankfurt, sociologia, os clássicos gregos, Malinovski, Durkheim, Lévi-Strauss. Nem sei porque, mas, tínhamos que ler. Debatíamos desde Gilberto Gil, com a música "Haiti" até a Escola Base que se repete, com o caso da menina Isabella.

Mas, nada se compara à gastronomia. Não há textos. Não há debates. Há produção. A literatura gastronômica brasileira é escassa, recente. Quase não há nada. Há mais especiarias do que substância. Mas, assim como no jornalismo, acredito na literatura como meio de aprendizagem dos mais profícuos. A literatura me deu o que tenho hoje no jornalismo. Me deu meu texto. Meu instrumento de trabalho. Sei mais da língua portuguesa pela literatura do que pelo aprendizado em sala de aula. De fato, não gosto de gramática. Mas, adoro a língua.

E foi essa chama que não se apaga em mim, a de aprender, sempre, nem que for pela pedra, que me fez quem eu sou. Agora, com a gastronomia, me lapido (ou dilapido) para um outro mundo, feito de lâminas, de tábuas, de sons diversos - do corte da cebola à salsa, da faca que penetra e debasta a carne. Da chama do fogão que transforma a comida.


(Satay de Camarão com Molho de Amendoim)

Tenho, até agora, um histórico em gastronomia: um ano e dois meses. Acabaram-se as primeiras provas. Vamos para o segundo round. Estou contente comigo mesmo. No segundo semestre do ano passado, desanimei. Pensei em parar. Estava debilitado física e emocionalmente. Fiz uma escada para subir com minha auto-estima. Funcionou. Este ano, como comentei com um amigo, estou o que se convencionava chamar de "CDF". Não quero faltar. A cada falta, é uma perda de um detalhe, de uma dica, de uma técnica. E, se não estou lá, por mais que me repassem, na teoria a prática é outra, como todos vocês já sabem. Estou feliz. Me sinto produtivo. Vejo um objetivo para as minhas mãos. Atualmente, minhas mãos são ágeis no teclado. Acompanham ou até antecipam o que vai na minha cabeça. Que essas mãos acompanhem a longelínea faca, companheira dessa jornada.


(Angu com Linguiça de Lombinho e Cogumelos Frescos)

Tivemos, nesta sexta-feira, mais uma aula de Cozinha Contemporânea. Fizemos quatro produções: Suprême de Frango com Molho de Erva Cidreira, Angú com Linguiça de Lombinho e Cogumelos Frescos, Carpaccio de Abacaxi com Gengibre e Satay de Camarão com Molho de Amendoim. Os pratos são criações, respectivamente, dos chefs Andrew Scoot Bushee, Monica Rangel (RJ), Emanoel Bassoleil (SP) e Carlos Siffert (SP). Vou passar a receita do Suprême de Frango com Molho de Erva Cidreira, que eu produzi sozinho e me deu algum trabalho: fiquei das 19:30 às 22:00 horas entre a mise en place até a apresentação. Não é fácil. Mas, é um prazer quando você constata que o prato ficou realmente bom.

Suprême de Frango com Molho de Erva Cidreira

Ingredientes

- 1/2 peito de frango
- 100 gr de manteiga
- 40 gr de cebola picada
- 1 talo de cebolinha
- 100 gr de cream cheese
- 3 folhas de erva cidreira
- 1 pitada de noz moscada
- 1 ramo de tomilho fresco
- 1 limão siciliano para zest (tiras milimétricas da casca do limão)
- 125 gr de castanha de caju picada
- 25 ml de óleo
- 1 talo de alho poró fatiado
- 50 ml de vinho branco seco
- 150 ml de creme de leite fresco
- 1/4 de maço de espinafre
- 1 tomate em concassé


(Suprême de Frango com Molho de Erva Cidreira)

Modo de Preparo

1. Salteie a cebola picada na manteiga até ficar transparente.

2. Esfrie a panela com a cebola. Adicione, aos poucos, o cream cheese, a cebolinha, a erva-cidreira (picada em pedacinhos minúsculos), uma pitada de noz moscada, o tomilho e a zeste (tirinhas) de limão.

3. Faça uma incisão no peito de frango para formar uma bolsa (lembre-se de uma Louis Vuitton em V). Não deixe que o fundo da bolsa de frango perfure. É como furar a sua LV e sair por aí e perder tudo: o seu batom, suas camisinhas, o celular, aquele restinho de marijuana, anticoncepcionais, Viagra etc. etc. Válido também para os homens, usem ou não uma LV. Aliás, todos deveriam ter uma LV. Basicamente!

4. Tempere o frango com sal e pimenta-do-reino, inclusive no interior da bolsa.

5. Preencha o interior do peito (ou da bolsa) com o recheio e prenda com palitos.

6. Passe o peito (não os seus, o do frango) pela castanha de caju por todos os lados. Em uma palavra: lambuze! Ficará uma crosta uniforme.

7. Leve o frango para assar em forno pré-aquecido a 180 ºC por cerca de 20 minutos, até que a crosta fique dourada.

8. Salteie o alho poró na manteiga até dourar levemente. Junte o vinho branco e deixe reduzir até ficar quase seco. Acrescente o creme de leite e reduza à metade. Finalize com a erva-cidreira.

9. Salteie o espinafre na manteiga e acrescente o tomate concassé. Ajuste o sal.

10. Retire os palitos do peito de frango.

11. Monte o prato com o frango e as guarnições e sirva.

(Rastreie: quando em férias, viaje para as Ilhas Trobriand, arquipélago que fica na costa da Nova Guiné. As Ilhas foram o objeto de estudo do antropólogo Bronislaw Malinowski, citado acima neste post, transformadas em cenário e foco do clássico livro "Os Argonautas do Pacífico Ocidental.)

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 41

O que o mercado de luxo tem a ver com a Parada Gay de São Paulo? No ano passado, a 11ª. Parada do Orgulho GLBT, que ocorreu em São Paulo em 11 de junho, impulsionou o mercado de luxo e as vendas de grifes famosas, localizadas principalmente no bairro dos Jardins, e em shoppings de luxo da capital paulista. Os jeans da grife Diesel (que custam em média R$ 1 mil) esgotaram. O shopping Iguatemi, com grifes como Louis Vuitton, Tiffany e Emporio Armani, encheu de turistas por causa da parada. O salão Studio W, localizado no shopping, lotou a agenda para cortes de cabelo com preços entre R$ 130 a R$ 350.


Este ano, a 12ª. Parada Gay acontece no dia 25 de maio e não deve ser diferente. Estima-se que o mercado de luxo em São Paulo gere uma movimentação de R$ 2 bilhões por ano. Entre as grifes, não é difícil reconhecer um objeto Philipe Starck, um sapato Prada, uma bolsa Louis Vuitton e o basiquinho Dolce & Gabbana. São Paulo é a cidade com o maior número de famílias ricas do país: são 443,5 mil.

A cidade tem a segunda maior frota de helicópteros e jatinhos particulares do mundo. Perde apenas para Nova York. Ocupa a quarta posição no ranking internacional de venda de Ferraris (cerca de 30 por ano) e tem a única loja da joalheria Chopard na América Latina. Tem cinco lojas da Mont Blanc (Nova York tem apenas uma). O metro quadrado do shopping Iguatemi está na lista dos dez mais caros do mundo. Temos um curso universitário especialmente dirigido a este mercado: o MBA em gestão do luxo da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap).

Você se pergunta: e o que tem a ver isso com a faculdade de gastronomia? Sim, tem tudo a ver. Na aula de hoje, quinta-feira, 24, de Tentativa de Cabar Comigo (TCC), o exercício consistia em descrever a região da instalação dos nossos restaurantes virtuais e toda a infra-estrutura que serve essa região. Como, no projeto, o nosso restaurante está encravado no coração dos Jardins (no lugar do D.O.M. porque, de modesto, eu não tenho nada), descrevi alguns dos motivos que fazem com que os Jardins sejam mais do que potenciais público-alvo de um restaurante top de linha.

E a isso se junta, novamente, a geografia. Não tivemos aula de geografia. Acho que estamos tão perdidos, com os abalos sísmicos (eu sobrevivi) que balançaram a cidade (e continuam a tremer dentro de mim) que a professora achou por bem ignorar que as placas tectônicas possam querer causar algum mal ao pobre Brasil.

E aí imaginei que, se, de repente, um abalo sísmico separasse o Brasil do continente (ler "A Jangada de Pedra", de Saramago), o que seria de nós! Vagaríamos, ermos, a pedir para ancorar nos outros continentes. Ninguém ia querer. Imagine! Que transtorno! Um país desse tamanho e querer se juntar a nós, diria a Europa, completamente cônscia de seu próprio umbigo. Tenho certeza quem, entre moderés franceses e conservatives britânicos, ficaríamos à deriva.

Assim, veríamos de relance a Europa, a acenar com lenços brancos, mas, sem nos acolher. Eu lamentaria a falta de sorte por roçar a França e não poder lançar âncoras no sul do país, em Strasbourg especificamente, onde um marinheiro de uma terra onde mar não há está. Mas, o navio Brasil singraria, impávido como se não estivesse pálido de medo.

E seguiríamos, entre Europa e Ásia, imensos, elefantérrimos. A Índia nos olharia como se fossemos vacas sagradas e mergulharia no Ganges para purificar os seus e os nossos pecados. Índia, irmã de desatinos, compreenderia que estávamos mais perdidos do que a ilha de Lost. Simplesmente declinaria das tentativas de aproximação de uma nova casta.

Próximos do Oriente Médio, seríamos vistos sob suspeita. Israel e Palestina mirariam na imensa faixa gaseificada brasileira e avaliaria que era muita faixa, fértil, para ser disputada em briga de obuses e modernos foguetes de artilharia. Gaza era pedregosa, pedra apenas, mas, era somente uma faixa. Nós seríamos, para ambos, banda larga, faixa desmedida.

Continuaríamos, rumo à China. Os chineses, desde a construção das muralhas, nunca haviam visto tamanha invasão. Tanta terra. Tanta gente. Dava para nos ver dos satélites. Seríamos, enfim, a nona maravilha da idade moderna? Bãh! diriam. Em mandarim, nos mandariam à Sibéria. Atrapalharíamos suas grandiosidades: O Firewall (digo, Muralha), a usina de Três Gargantas (Chángjiāng Sānxiá Dà Bà é melhor, afirmariam) e continuaríamos, contritos e afeitos à submissão perante o mundo.

Na Sibéria, gélidos de tanta frieza, tentaríamos, enfim, aportar. Eis que Novosibirskiye Ostrova é um arquipélago. E, confrontado com outro, nós, achou por bem reagir. Venceram Napoleão, não? Vá-te! Brasil, vá-te daqui! Vodke-se que é melhor! Bébados, giraríamos. E cavaríamos, enfim, nosso próprio redemoinho no Pacífico para morrer, bovinos e pacificamente.

(A primeira parte foi séria e a segunda, porque não houve aula, transformou-se em ficção, com citações de locais que foram tema da prova de Geografia. By the way, tirei dez em geografia. E ainda fiz a prova para mais duas colegas: 10 e 10. Tirei 30! Sou muito do metido mesmo. Gastronomia também é ficção, por que não? Nada a ver, mas quero falar: fiquei ao telefone esta noite por 3 horas seguidas, com duas amigas. Com a segunda chamada, junto com a ligação, bebi 2/3 da garrafa de Lemoncello - e ela bebeu o equivalente do outro lado da linha. Neste exato momento - 3:44 horas - estou mais para lá do que para cá e, se estivesse ainda um pouquinho para cá, cairia na balada de sexta-feira de madrugada, que é a melhor de São Paulo. Contudo, sou moderé o bastante para me segurar na cadeira e ficar por isso mesmo.)

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 40

Há dias que você está sintonizado com todos. Outros, não. A harmonia é um fio tênue que, para ser rompido, basta ser tocado de forma desajeitada. E pronto! Já era. Numa cozinha, a harmonia entre a equipe (ou bancada) se traduzirá na completa sincronia entre o preparo e apresentação dos pratos. É quase um número de nado sincronizado: se você domina a técnica e está perfeitamente integrado à equipe, a chance de erro é desprezível.


(As produções: sushi de cassoulet, polenta de risoto e ceviche)

Assim funciona uma equipe na cozinha: há uma música (se você aceitar que todo o barulho de uma cozinha pode ser música) e a equipe dança - ou não - conforme o progresso desse som. Se um membro da equipe está alterado, tem o poder de desestabilizar todos os demais. É incrível como isso funciona. Não sei por quais mecanismos, mas, parece que se uma pessoa não está bem, isso contamina, de alguma forma, o espírito de toda a equipe.

Hoje, quarta-feira, 23, tivemos prova prática da disciplina de Cozinha Internacional Ocidental. Foi perfeito! Chegou a ser emocionante ver o resultado e as reações dos membros da bancada. Sim, houve sim alguns membros dessincronizados. Mas, algumas vezes, também, a equipe se reveste de uma película protetora que impede a passagem da contaminação. E foi isso que aconteceu nesta quarta-feira. Sei, por minha conta - e, depois, com a confirmação do professor - que nos superamos. Tivemos que fazer três produções - Huachinango Yucateco (México), que é um peixe com pimentão e sucos cítricos; Cassoulet Toulousian (França), já citado neste blog; e Risotto alla Milanese (Itália). Os pratos encerram em si as três cozinhas vistas até agora: México, França e Itália, nesta disciplina. Mas, era uma prova. E tivemos que inventar. Trabalhar como se estivéssemos na disciplina de Cozinha Contemporânea (criação, releitura etc.).


(Sushis de Cassoulet - no original, Cassoulet Toulousian - França)

As produções transformaram-se em: ceviche (ou cebiche), que é um prato de origem peruana baseado em peixe marinado em suco de limão ou outro cítrico (o original era Huachinango Yucateco); sushis de cassoulet (no original, Cassoulet Toulousian); e polenta de risoto (Risotto alla Milanese, originariamente).

No passo-a-passo para chegar ao produto final, tivemos que definir o que seriam os novos pratos (que são completamente alterados, exceto no que diz respeito aos ingredientes, que devem ser fielmente mantidos como no prato original); qual seria a melhor forma de apresentação; e o uso correto de ingredientes (não podemos, na prova, consultar nossas familiares fichas técnicas).

Quero dizer que os pratos ficaram ótimos, como você pode constatar nas fotos (na apresentação) e também, e mais importante, no sabor. Foram mantidos integralmente os sabores do Huachinango no ceviche, do cassoulet no sushi e do risoto na polenta.


(Ceviche - no original, Huachinango Yucateco - México)

Como participei diretamente da produção da polenta de risoto, passo a receita. Sim, a receita da recriação desse prato. Como disse o professor, eu repito: nunca imaginei comer um risoto à milanesa na forma de uma polenta. Respeitamos, neste prato, não somente os ingredientes usados, como também a cozinha da qual provém, a Itália. Pois o que é a polenta na Itália senão a mais completa tradução da gastronomia daquele país, juntamente com a pasta, o tomate e o queijo de Parma (parmesão, para os não-iniciados). Ao risoto que virou polenta.

Polenta de Risoto

Ingredientes

- 75 gr de manteiga sem sal
- 50 gr de tutano de boi picado em cubinhos
- 1 talo de alho poró picado em cubinhos
- 350 gr de arroz carnaroli (ou vialone nano) > google-se!
- 1 taça de vinho branco seco
- 1 pitada de açafrão (legítimo, não a cópia nacional)
- 1,5 litro de fundo de carne
- 50 gr de queijo de Parma ralado
- sal e pimenta-do-reino moída a gosto


(Polenta de Risoto - Risotto alla Milanese, originariamente - Itália)

Modo de Preparo

1. Refogue o alho poró e o tutano de boi na manteiga.

2. Junte o arroz e mexa constantemente.

3. Hidrate o açafrão em fundo de carne.

4. Adicione o vinho branco e o açafrão, hidratado, ao arroz.

5. Coloque fundo de carne até cobrir o arroz por inteiro.

6. Tempere com sal e pimenta.

7. Mexa sempre, até que o arroz adquira uma consistência mole.

8. Prove e verifique se os temperos combinam. Se for o caso, corrija.

9. Processe o arroz pronto no liquificador até ficar com a aparência de um creme.

10. Volte com o arroz, em creme, ao fogo e adicione manteiga para ficar com consistência amanteigada. Não exagere na manteiga.

11. Desligue o fogo e adicione o queijo de Parma ralado. Misture bem.

12. Sirva como se polenta fosse.

(Rasteje: adquiri uma garrafa de Lemoncello, de fabricação nacional. O Lemoncello é um licor de limão produzido originalmente no sul da Itália, especialmente na região de Nápoles, na costa Amalfitana e nas ilhas de Ischia e Capri. A Sicília e a Sardenha também o produzem. É feito à base de limão, álcool, água e açúcar; deve ser mantido no congelador e, conseqüentemente, bebido bem gelado. É o caso da minha garrafa, que está até nevada. Aliás, aceita um gole? Beberei à sua saúde! La bevanda è citata nella canzone I Can Do Better, di Avril Lavigne, in cui si dice: "I will drink as much Limoncello as I can and I'll do it again and again" (in italiano: "Berrò più Limoncello che posso e lo farò ancora ed ancora"). Limoncello è anche la bevanda preferita della cantante. Estou ou não estou para lá de arrogant com a minha bilingualidade?)

Em tempo: acabaram-se as provas deste primeiro bimestre. Esta, deste post, foi a última (hoje, de madrugada, concluí as outras duas partes integrantes desta prova - um trabalho escrito sobre o Japão e uma prova, online, de cinco questões acerca das cozinhas estudadas até aqui. Ufa!). Sei de pessoas que terão provas em poucos dias. Boa sorte, estude bastante e não coma porcarias. Conselhos de um aprendiz zeloso (e classificado, equivocadamente, de malin).

Na ausência dos homens e com putas assassinas

Na ausência dos homens e com putas assassinas dentro de mim, de pirraça, porque nada acontece, nem um leve tremor, fui tomar café sozinho, já que ninguém me convidou. Ao meu café associam-se sempre a música e a literatura, como duas musas a me inspirarem. Claro que a parada obrigatória foi no Fran´s da fnac.

Dois livros na mão e cafeinado, estou mais envenenado. Os livros são "Na Ausência dos Homens", de Philippe Besson (porque ando com uma tendência ao francês, não sei porque) e "Putas Assassinas", de Roberto Bolaño, que, chileno de nascimento, foi barcelonês de passamento: morreu em Barcelona de insuficiência hepática (fígado maldito) aos 50 anos.

Ambos os livros os comprei por conta dos nomes, que me assanharam. Porque, de repente, se os homens estão ausentes, há de ser por conta das putas que os assassinaram. A minha lógica, se cartesiana, é esta porque, de cartesiano, não tenho nada.

"Tenho dezesseis anos. Nasci com o século.

Sei que a guerra existe, que soldados morrem nas frentes de batalha, que civis morrem nas cidades, nos campos da França e alhures, que a guerra, mais do que a destruição, mais que a lama, mais que o zumbido das balas que dilaceram os corpos, mais que a fisionomia oprimida daqueles que esperam, às vezes, contra toda a esperança, uma carta que não chega, um retorno constantemente adiado, mais que o jogo político no qual as nações se testam, é a morte simples, cruel, triste e anônima destes soldados e destes civis, de quem leremos um dia os nomes nas grandes paredes dos monumentos, ao som de uma música fúnebre.

E, no entanto, não sei o que é a guerra. Vivo em Paris. Sou aluno do colégio Loius-le-Grand.

Tenho dezesseis anos.

Esta criança é maravilhosa, costumam dizer de mim. Olhem para ela, é verdadeiramente maravilhosa. Cabelos negros. Olhos verdes amendoados. Uma pele de menina. Eu digo: Eles se enganam, eu não sou mais uma criança.

Tenho dezesseis anos e sei perfeitamente que é uma vitória ter esta idade. Mais ainda talvez quando estamos em guerra. Porque escapo da guerra e os outros meninos, aqueles que são apenas um pouco mais velhos, aqueles que zombam de mim, eles não escapam, e estão ausentes. Assim, fico quase sozinho no triunfo dos meus dezesseis anos, cercado de mulheres que tomam conta de mim, com seus afetos excessivos e medrosos.

Amo este século que começa, que traz com ele minhas esperanças, que será o meu.

Minha mãe repetiu sem cessar, até o verão de 1914: Nascer com o século é como um sinal que Deus nos envia, como uma benção, uma promessa de felicidade. Ela estava orgulhosa desta coincidência milagrosa: meu nascimento e o nascimento do século XX.

Meu pai falou de renovação. Creio que ele empregou o adjetivo moderno. Não sabia que ele conhecia o significado. Ele é homem de outro século, do passado. Velho. Meus pais são velhos. Meu nascimento não estava programado. Apareci por acaso. Eles transformaram aquilo que tinha tudo para ser, em princípio, uma maldição, em um acontecimento maior e esperado.

Eu agradeço este acaso, esta maldição."

Este é o primeiro capítulo de "Na Ausência dos Homens". Mal li e já gostei.

Ordinariazinhas

Desculpe o mau gosto, mas, não pude resistir. Tem mais um brasileiro na ilha de Lost. A culpa é de Ana, que, em Luanda, só pensa em besteira.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 39

Quais são as partes de um grão de trigo? E qual é a porcentagem de água no fermento biológico? Você, que deve ser moderé, mesuré ou gestionnaire, pode até saber. Mas, eu, que de comedido, moderado ou ponderado nada tenho, não sabia essas respostas e tampouco outras. Porque, pelo fato de eu exatamente não ser moderé, não estudei, como deveria, à tarde. Mesmo porque moderei outras coisas, e não a apostila. Para piorar tudo, confusamente, como tem sido meus finais de tarde, saí na correria e esqueci a apostila que leria no metrô. O resultado é que cheguei na faculdade completamente despreparado para fazer a prova escrita de Panificação.


(Focaccia)

Um grão de trigo tem três partes: germe ou embrião, casca e endosperma (que é a parte principal, que contém amido e proteína, mente poluída!). A percentagem de água no fermento biológico corresponde a 70%. Como é que agora eu sei? É duro não ser moderé de vez em quando!


(Naan)

Mas, por outro lado, eu deveria estar com algum bichinho (deve ser a lagartixa) porque ri muito, o tempo todo, feito um joão-bobo e me acharam com a cara mais feliz do mundo. É não é que estou mesmo feliz!!! Motivo? E precisa? Basta estar, like a star, que sou! Ando meio metido à besta com tanta risada. As pessoas ficam com raiva quando rimos muito. Já sentiu isso? Não??? É porque você não deve rir. Bem-feito para você!


(Focaccia)

Os motivos, na verdade, são vários. Como eu disse ontem, basta eu ir para a minha casa no interior para voltar outro. Ou outros, todos felizes. Vários Rednecks. Um dos motivos é que tive alguma continuidade de aulas de francês. Aos picados porque o prof parece mais um estripador, de vez em quando. Sei lá! Eu aquiesço, a despeito da minha falta de modereté (acho que ele vai me morder depois dessa).


(Chapati)

Bem, o fato é que a um motivo se junta outro, e mais outro, e estou que um rio de felicidade. Nem quero pensar que a tanta felicidade corresponderá um paralelo contrário. Chispa que não sou negativo!


(Ciabatta)

Mas, a despeito dessa prova mal-sucedida, ainda tivemos aula normal de Panificação. Fizemos Pão Sírio (Síria, Líbano e Grécia), Chapati (Índia), Focaccia (Itália), Ciabatta (Itália) e Naan (Índia). O pão, repito, é o alimento do mundo. Olha como o mundo se copia o tempo todo: o pão encontrado em escavações arqueológicas é chamado de focacce (corruptela da palavra fuoco, que significa fogo). E as focacce (focaccia) sobrevivem até hoje nas cidades italianas.

Vou passar a receita do pão sírio, que dá para fazer em casa. Nos supermercados, vende-se uma embalagem de pão sírio com dez unidades a R$ 8. Para fazer 26 unidades, gastamos cerca de R$ 2,50. Por isso, tente, de vez em quando, superar seu medo diante da cozinha e experimente. O pão sírio é muito fácil de fazer e pode ser comido com uma enorme diversidade de acompanhamentos.

Pão Sírio

Ingredientes

- 1 Kg de farinha de trigo
- 750 ml de água
- 40 gr de açúcar
- 20 gr de sal
- 40 gr de fermento biológico
- 10 gr de melhorador (produto específico para pão, é uma substância que auxilia na preparação e adiciona melhor textura, aroma, sabor, coloração e durabilidade)


(Pão Sírio)

Modo de fazer

1. Faça um pequeno monte Fuji com a farinha de trigo. No centro, cave um buraco.

2. Adicione água.

3. Dissolva o fermento biológico em água e junte à massa.

4. Misture a farinha de trigo, a água e o fermento. Faça movimentos leves, sem rudeza. O único ser rude permitido neste recinto sou eu.

5. Junte o melhorador.

6. Adicione, ao final, o sal. Isso deve ser feito para que o sal não interfira no processo de fermentação da massa.

7. Deixe a massa descansar até crescer.

8. Divida a massa em porções de 70 gr. Isso deve dar 26 unidades. Nem mais nem menos: exatas 26 porções. Se você for um ser equivocado, a conta pode não bater. Pule uma casa e volte três, para estudar matemática.

9. Achate com as mãos as porções de 70 gr.

10. Povilhe com um pouco de fubá a mesa e prepare cada um dos pães. Passe o cilindro e tome cuidado para não fechar as bordas do pão. Na hora de assar, se a borda estiver muito fechada, o pão não estufa, como deve acontecer.

11. Leve ao forno entre 220 ºC e 250 º C por apenas 3 minutos e o pão estufará.

12. Retire do forno e termine de dourar (sem queimar) numa chapa ou frigideira.

13. Sirva quente, frio, alone ou togheter. Isso é com você.

(Rumine: faça um Lawrence das Arábias rapidinho e visite o Oriente Médio. Meu sobrenome, que não revelarei, é originário de uma cidade do Oriente Médio, especificamente da Síria. Eu ainda conhecerei essa cidade porque, aparentemente, sou natural (meus antecedentes, pessoa!) daquelas plagas. Tenho a maior curiosidade de conhecer aquela região toda. No início deste blog, Patty Diphusa e eu fizemos uma novelinha a quatro mãos em que a protagonista migra para Dubai. Por que eu também não haverei de ir para lá? Nem que for para conhecer os meus patrícios. Já tenho mesmo uma cara de turco, segundo me dizem. É tudo logo ali, no final da Europa e comecinho da Ásia. Só que eu não sou como você e irei de avião, e não de camelo. Ou dromedário, que Alá te valha!)

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Star

No quilômetro 191 da rodovia Castelo Branco há um posto muito confortável e clean que se chama RodoServ Star. Desde que abriram o local, é lá que eu paro. Há uma padaria muito boa, banheiros com lounge e bem limpos, uma lanchonete agradável, um mini-mercado, tabacaria, banca e um café. Tem tudo de que eu preciso. Mas, tenho que admitir: o que me atraiu ao posto foi o nome, Star. Não sei porque, mas, tem tudo a ver comigo. Houve uma identificação imediata e, entre estar neste ou naquele posto, escolho passar pelo Star.

Este post está com data de ontem, 21, porque, quando parei no Star, me conectei, via iPhone, ao meu blog e deixei o post salvo como rascunho. Agora, quase 3 da manhã, escrevo o conteúdo da postagem.

Já estou em São Paulo e a viagem foi tranquila, a despeito de alguns caminhões cruzarem do nada à minha frente, de muita chuva e de um congestionamento entre os quilômetros 40 a 36. Mas, tudo bem.

Como resultado desse feriado, tive meus momentos de natureza. Vi:

Uma garça na árvore (origem do sobrenome da minha mãe, que é Garcia)


Uma garça no céu


Uma lagartixa na parede


Um Michel de lindos olhos verdes e pelo negro, como as asas da graúna


Um Platini de lindos olhos azuis e pelo cinza, como uma raposa prateada


Dois gatos lindos


Várias galinhas e um galo, que canta em seu terreiro (adoro os galináceos, não sei porque ...)


Um louva-a-deus na janela da cozinha lá de casa


Fui, vi e voltei. Berrei, rugi, xinguei, me cansei, bebi, pulei, dancei, corri. Cada feriado desses me recompõe o suficiente para aguentar uma carga de dois ou três meses. E ainda fiz um trabalho de faculdade porque, logo mais, tenho prova. Bom dia!

domingo, 20 de abril de 2008

Meu rugido dominical (reeditado)

A amiga de uma amiga um dia entrou num vagão do metrô e simplesmente soltou um berro. Em resposta aos assustados olhares dos demais passageiros, disse que estava estressada e que queria muito gritar. Depois, comentou que estava bem, após ter feito ressoar seu rugido por todo o vagão.

Quantos de nós já não sentiu necessidade de berrar, rugir mesmo, no meio de um monte de gente para se fazer ouvir, e, mais importante, para se ouvir diante de tanto barulho? É situação similar àquela na qual você quer correr, dar o fora de algum lugar.

Pensei nesse grito primevo a se confrontar com o imenso silêncio no lugar onde estou. Aqui, no interior de São Paulo, há quase 400 Km da capital, há um barulho completamente diferente e o silêncio também é distinto.

Chegamos agora há pouco do sítio. Foi uma elegia à natureza: bichos que nos perseguiram e nós a eles. No sítio, há galinhas, carneiros, vacas, berrezos, uma mula, gatos, duas cachorras e um bando de pássaros que passa a toda hora, na pressa de se recolher. Quando chegamos, pelo menos umas 50 galinhas passaram a nos seguir em busca da comida diária que o meu irmão lhes dá. Uma verdadeira orgia galinácea. Pena que não estava com a câmera para registrar o momento.

Depois, o trabalho de apartar as vacas leiteiras dos bezerros e nós no meio, cinco bezerrinhos meio assustados com todo o movimento. A mula, que se aproxima do paiol para a quota diária de milho. Os carneiros e vacas que berram ao menor sinal da presença do humano.

Temos um vizinho de sítio distante pouco mais de 1 Km. Nos comunicamos com ele aos berros. É uma comunicação, digamos, gutural. Berro aqui e berro acolá, libertamos todo e qualquer eco reprimido dentro de nós. Pelo meio dos berros, claro, um jorro de palavrões. Não tem terapia mais adequada, xingar ao léu, com um horizonte imenso à sua frente.

Entre a mulher do metrô e nós e o vizinho, há uma enorme diferença de significados dos berros. Lá, em São Paulo, é o som e a fúria. Aqui, no interior, é o som e a cura!

(Odeio a conexão discada. É a terceira vez que escrevo este texto, que já está, claro, na terceira versão. E cada vez menor. De repente, a minha concisão tem tudo a ver com o tamanho da banda que me cabe no latinfúndio da internet. Devo ser prolixo por ter banda larga ou tenho banda larga por ser prolixo? O Blogger não conecta e não salva. Se você gosta de mim, envie banda larga de presente. Sem banda larga, minha conexão não passa de um corregozinho, um fio de água! Entre começar o post e publicá-lo, já se vão mais de 1:30 hora.)

P.S. Leitor, veja como eu penso em você o tempo todo. Não consegui publicar este post às 20, 20:30 horas, por imcompatibilidade da malfadada banda. E, pela primeira vez desde a existência deste blog, concedo a reedição de um post, de um rugido, para ser específico. Agora, são 4:30 da manhã de segunda-feira, 21, e acabei de chegar em casa. Vim de Ourinhos, distante 18 Km da minha cidade, de um lugar chamado Jacaratiúca (acho!). É um misto de bar, pizzaria e restaurante. Berrei, mais uma vez, a plenos pulmões, uma porção de músicas do interior, das duplas caipiras. Dancei todas as músicas. E, acredite se quiser, no mesmo espaço havia música eletrônica, do jeito que eu gosto, para dançar. Estou cansado. Mas, berrei - durante o dia e à noite - e xinguei também bastante, de forma que estou feliz e sem voz, neste momento. E, admito, um pouco bêbado. Ainda fui capaz de esquentar a sopa de mandioca que a minha mãe deixou no fogão e comer, fartamente. Dá para ser triste assim?)

sábado, 19 de abril de 2008

On the road


As estradas, aparentemente, estão bem. Depois de 9 horas ininterruptas, passou o efeito zumbi. Hoje, sou eu mesmo que estou aqui, e não o efeito Orloff do que quer que tenha sido o estágio avançado de insônia.


Olha a Castelo Branco!


Infelizmente, as outras duas empresas que administram a Castelo Branco - Colinas e SPVias - não dispõem de câmeras para visualizar as condições da rodovia.


Ao contrário dele (abaixo), eu não poderei enforcar o feriado, ou seja, estendê-lo para mais um ou dois dias. Tenho provas na terça-feira e na quarta-feira e trabalhos com deadline (de novo!) para quarta, 23. E, ao contrário dele, o meu solo não estará salgado que não dê para plantar mais nada. Continuo tão profícuo - e mais - quanto antes.


Se der, eu posto da minha condição de acesso discado. Se não der, você espera que eu volto, lépido e fagueiro. Me deseje boa viagem porque, como sempre, estou de olho em você (pelo retrovisor).

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 38

Houston, I have a problem: eu tenho insônia. Que, quando me acomete, é brava, avança interminavelmente. Não me poupa da noite, da madrugada ou do dia. Não importa o que aconteça, ficarei acordado. Tudo se passa num nível embotado. Parece que usei uma dose extra-large de ácido lisérgico (que, no fundo, mas bem lá no fundo, tem a ver com o meu nome, afinal). Contabilizadas as horas de ontem, desde o momento em que acordei, 10 horas da manhã, até agora, mais de 23 horas, são 37 horas sem dormir. Dormi, se muito, por exatos 15 minutos. Que não foi um sono propriamente.

Deitei hoje de madrugada, às 3:30 horas da manhã. Às 5, revoltado com o flap-flap de lençóis em agonia de mortalhas, me levantei e fui para a sala. Assisti TV, li, liguei o computador, enfim. Totalmente desperto. Às 8:30 da manhã, decidi dormir. Desliguei tudo e a mim mesmo. Na cama, não consegui. Fui para a sala, liguei a TV bem baixinho e comecei a ser embalado por Morfeu.


(Medalhão de Filé Mignon Recheado com Pasta de Uvas Passas e Alho-Poró com Quenelles de Mandioquinha)

Exatos 15 minutos depois, minha ajudante chegou para passar um dos meus uniformes da faculdade (porque eu deixo tudo amarelado quando o faço), abriu a porta, a janela, estranhou o fato de eu estar ali, no sofá, mexeu comigo, falou. Eu, desta vez a pedra em si (quando, em todas as outras ocasiões, a pedra é outra), não acordei.

Eis que, subitamente, vi uma luz. Caroline finalmente havia me encontrado e estava a me levar para a luz. Era laranja, um enorme clarão cítrico a me cegar. Devagar, as pálpebras ensaiaram o descortinar de uma nova jornada. Mais clarão. Ruídos dentro de casa. Chamo por Socorro! Me responde a Socorro: estou aqui. Eu havia me esquecido de que ela viria hoje.

Veio, me deu café e partiu. Eu parti ladeira abaixo para o despertar de um pequeno sono. O dia lá fora, claro, ensolarado, não me deixou dúvidas: a luz reveladora antevista e acreditada como um chamado de Caroline era, tão somente, o sol, que insiste em nascer a despeito do ódio mútuo que nutrem os vampiros noturnos ante tão insidiosa luz.

Acordei. Despertei. Rugi, que é do meu feitio. De lá para cá, já estive em vários níveis de decadência: andei torto pelas ruas, feito um bêbado desequilibrado no fio da sarjeta, ri sozinho, dormi no salão do meu cabelereiro, enquanto as pessoas falavam comigo, vim para casa, fiz contatos profissionais agora esquecidos no imenso rol de coisas velhas e fui para a faculdade. Não sabia se o metrô vinha na minha direção ou se era eu que voava túnel adentro. Como numa sucessão de roldanas, repeti o trajeto diário mais por inércia do que por iniciativa.

Fiz prova, voltei para casa e cá estou, trôpego. Cambaleio feito um cipreste na tempestade. Assovio com o corpo inteiro, em alucinante reprodução de um bambuzal. Disse ao meu cabelereiro: cortará, hoje, o cabelo de um cadáver. O meu cabelereiro é bastante espirituoso e releva. Até porque é um profissional e não está escrito em lugar nenhum que se deve apenas cortar o cabelo dos vivos. Não há cláusula contratual que defenda que não se corte cabelos de mortos.

Sem cabelos na cozinha, porque, neste cenário, significaria que o meu surto superou o irreal e a tênue fronteira que separa o real do imaginário haveria de desabar. Hoje, sexta-feira, 18, fizemos a prova prática de Cozinha Contemporânea. Foram apenas duas produções e tudo foi avaliado: comportamento, uniforme, limpeza da cozinha etc. etc.


(Mousse de Framboesa com Sopa de Abacaxi e Pimenta Vermelha)

A prova prática foi de criação e, portanto, não havia qualquer indicação do que faríamos. Os ingrediente disponíveis é que nos deram os subsídios para formular a receita. Fizemos uma produção doce e outra salgada: Mousse de Framboesa com Sopa de Abacaxi e Pimenta Vermelha e Medalhão de Filé Mignon Recheado com Pasta de Uvas Passas e Alho-Poró, finalizado com molho de pimenta, uvas passas e condimentos, e servido com quenelles de mandioquinha (bolinho feito com carne ou peixe bastante condimentados, ligados com clara de ovo e natas, ovos batidos ou manteiga e farinha. Com esta mistura, obtém-se as bolas, que são cozidas em água. As quenelles são servidas gratinadas com vários molhos ou sopas. No nosso caso, a massa foi a mandioquinha).

Foi a nossa avaliação prática de todas as aulas do primeiro bimestre de Cozinha Contemporânea, que culminou na criação, pela bancada, de dois pratos. A nota será divulgada mais tarde, mas, em termos de sabor e apresentação, creio que nos saímos bem.

Por conta do meu estado de zumbi, não quero escrever mais nada. Tudo o que disser a partir de agora será um monte de asneira. Porque tive até crise de riso, de tanto sono. Beijei algumas pessoas virtualmente hoje e creio que, com isso, ultrapassei fronteiras entre continentes. Exatamente assim como eu requisitei ontem: que venham novos continentes. Estou com sono, muito sono, embrigado de sono. Mas, feliz!

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 37

Hoje, quinta-feira, 17, tive a minha primeira aula de francês. Gourmand, gourmande. Masculino, feminino. Yin e yang. Porque em tudo há equilíbrio. Estou excitado e animado. Mas, devo confessar: o professor é meio irritadiço. Não gosta que haja intervenções e, tampouco, interatividade. Em poucos minutos, já preveu dificuldades para mim. Logo eu, que sou um doce. Daí que me recolhi, feito escargot, mais para o consumo externo. Internamente, prometi para mim mesmo que tenho que me apresentar na posição de aluno exemplar e anuir, sempre, sob o risco de ficar sem professor. A esse professor se junta outra professora que não quis, de forma alguma, dar aula para mim. Também de francês. Juro que não sou nenhum porco-espinho. Talvez, um espírito de porco. Não sei porque tanta revolta contra um aluno que quer tão-somente aprender.


"Alecrim est un restaurant contemporain brésilien qui réunit des influences de la cuisine française, italienne et espagnole. L´objectif de l´Alecrim est devenir concurrent des établissements semblables dans la région du quartier Jardins, à Sao Paulo, et être référence dans la gastronomie paulistaine. Le menu est très varié parce que, selon les recherches, le paulistain préfère plusieurs influences gastronomiques dans leurs plats. À l´avenir, l´objectif de l´Alecrim est d´être reconnu internationellement comme référence de cuisine au Brésil, en Amérique Latine et dans le monde et conquérir des classifications de réconnaissance international."

Na tradução: O Alecrim é um restaurante contemporâneo brasileiro que reúne influências das cozinhas francesa, italiana e espanhola. O objetivo do Alecrim é concorrer com estabelecimentos semelhantes na região dos Jardins, em São Paulo, e tornar-se referência na gastronomia paulistana. O cardápio é bastante variado porque, conforme as pesquisas, o paulistano prefere várias influências nos pratos. O objetivo futuro do Alecrim é estar inscrito internacionalmente como referência de cozinha no Brasil, América Latina e no mundo e buscar classificações de reconhecimento internacional.

Pois é: na tentativa de cabar comigo (TCC), até em francês temos que escrever no corpo do projeto. Não é inglês, espanhol e tampouco, português! Como vocês já sabem, a gastronomia reclina-se, servilmente, à França. E academicamente, é assim. Como o eram as missas em latim.

Daí que tenho que aprender o francês. Não por conta do TCC. Mas, porque a base toda é em francês. Je suis désolé! Por isso, preciso do professor ao meu lado, na confiança de que serei um ótimo aluno e responderei com entusiasmo ao aprendizado. Afinal, é fonética. E não tem nada de experimental nisso!

Uma das atividades da aula de TCC nesta quinta-feira foi fazer uma análise da oferta do empreendimento. Fiz e apurei o seguinte: restaurante contemporâneo gastronômico tem uma dúzia em São Paulo. Top, apenas um: o D.O.M. Como o nosso projeto está entre O Mestiço e o D.O.M., temos cerca de 20 concorrentes. Mas, segundo o projeto, o nosso restaurante está encravado nos Jardins e, portanto, em região que consome. Acredito que não teremos problemas com isso.

Geograficamente, a questão é outra. Nada de delimitações regionais, jardins ou não. Conheço grande parte dos restaurantes de São Paulo, do D.O.M. ao Carlota, do Eau ao Antiquarius, do Fasano ao Gero. Todos, claro, profissionalmente, como jornalista. Ou então teria que vender o corpo para entrar nesses lugares. Faltam alguns como eñe e o ICI. Mas, dá para ter uma dimensão dessa peculiar geografia que reúne tudo-aqui-agora: você (chef) viaja pelo mundo, colhe influências, faz alquimias regionais e, tchan-tchan-tchan: está feito!

Por mais que se fale na mídia de um lugar ou de outro, todos estamos lá (no restaurante) para: 1) saciar a fome; 2) ver e ser visto; 3) mostrar que pode pagar pelo status do lugar; 4) tentar angariar alguma vantagem com isso. E é só! Verdade!


Não tenho grandes ideais acerca da gastronomia assim como não os tenho perante o jornalismo. Doravante (adoro essa palavra e fiz o texto somente para usá-la), a meta é me deixar absorver por todas as referências possíveis em gastronomia e fazer brotar de dentro de mim concepções sui generis. É daí que vem a inovação. Não de um arrastado TCC que é obrigatório ou de uma geografia que se limita à elegia de terroir francês, italiano ou o que for.

Quero, na minha gastronomia, trazer à tona memórias de infância: o pão do forno de barro, coberto com folhas de bananeira; o tacho de toucinho dourado do porco que foi abatido naquele momento; o berro do carneiro que ainda está no ar; o limão pego no pé; a salsa e a cebolinha verdes, no quintal da cozinha; o peixe fresco que estava no açude ainda há pouco. Isso é o meu terroir. Minha geologia é feita de terra vermelha. Minha geografia, ainda que eu caminhe pelo mundo, está solidificada. Sujeita, sim, a avalanches, icerbergs à deriva e terremotos. Mas, que há uma raiz profunda, isso há.

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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