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quarta-feira, 12 de março de 2008

Rastreio de Cozinha - 13

Paris, Champagne-Lorraine, Alsace, Bretagne, Normandie, Pays de la Loire, Bourgogne, Franche-Comté, Rhonê-Alpes, Aquitaine-Bordeaux, Périgord, Midi Pyrénées, Auvergne, Languedoc-Roussillon, Provence-Côte d Azur, La Corse. Se você for um pouquinho observador(a), já terá ouvido falar nesses nomes. São províncias francesas, famosas pelas uvas e queijos terroir. São regiões cujos produtos dão água na boca. Tudo o que é produzido nessas regiões nos traz à mente gostos, memórias gustativas, sabores.

Porque a França, meu(minha) caro(a), é o país que deu origem à gastronomia moderna. Que fez do ato de comer um ritual. Que faz dos chefs de todo o mundo serem o que são porque foi aqui, neste país, que tudo começou. E começou na terra, com o alimento da terra, terroir. Com o leite da vaca, da cabra. Com a uva, de solo e sol apropriados. E é daqui que o império gastronômico partirá para a conquista mundial e atingirá todo o planeta, sem exceção. A língua oficial da cozinha internacional é o francês. A organização das cozinhas em todo o mundo é francesa. A influência, seja na China ou nos EUA, é francesa.

Os franceses são conhecidos por adorarem o debate, longo, filosófico, existencialista. Saiu de lá Sartre (A Náusea, O Ser e o Nada), Simone de Beauvoir (O Segundo Sexo), Gilles Deleuze (A Filosofia Crítica de Kant). São tantos nomes, tanta filosofia, tantas estruturas de pensamentos. Não há limite para o francês na arte, na literatura, no cinema, na gastronomia. Foram os franceses que inventaram o Guia Michelin, que concede uma, duas ou três estrelas aos restaurantes. Conquistar as estrelas, uma, duas ou três, é a meta de vida (e de morte) dos chefs franceses. Há quem tenha se matado porque perdeu uma estrela. Assim é a França. Que tem um cemitério dito Dos Inocentes. Que tem um arco dito Do Triunfo. Mas, cujo triunfo esbarra na lição esquecida da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A França não é fraterna. Para a França, os franceses não são iguais entre si: badaud é o termo que designa o parisiense que nunca deixou Paris. Os parisienses formam um mundo à parte dentro da França: há a França de Paris e o resto da França. Fraternos e iguais?

Liberdade, sim, gravada com a palavra "sangue" na La Marseillaise (Marselhesa). Contudo, não impinjam os argelinos à França. Ex-colônia, Argélia é o apêndice africano que mancha a branca França. Azul, vermelho e branco. São as cores da França. Céu, sangue e brancos. Só! A França é um dos países mais nacionalistas da Europa. Não quer estrangeiros. É o país mais visitado pelos turistas em todo o mundo. Os odeia (pergunte a qualquer um que tenha morado no país).

A França foi referência mundial de muitos países e continua a sê-lo. Antes, no Brasil, o francês constava do ensino ginasial. Era o francês que se aprendia, não o inglês. Mas, atualmente, a França não é poderosa como os vizinhos Reino Unido e Alemanha. Não manda no mundo tanto quanto os EUA. É claro que, numa progressão histórica, o comportamento contemporâneo de um país não deve se sobrepor ao seu passado. O país, para a gastronomia, é, sim, a fonte mais rica. O lugar aonde a comida chegou a níveis de cultivo, preparo e degustação nunca antes vistos. Sim, os melhores queijos e vinhos do mundo são franceses. Numa avaliação por pontos, particularmente, o meu estômago aponta para a França em primeiro lugar. E nem todo o existencialismo e nacionalismo francês é capaz de soterrar isso.

Tivemos nesta quarta-feira, 12, a continuação da disciplina de Cozinha Ocidental Internacional, com a primeira das três aulas francesas. Na semana passada, se você me acompanha diariamente, a aula dessa disciplina foi do México. Hoje, finalmente, chegamos ao epicentro de uma faculdade de gastronomia: a cozinha francesa. É até ritualístico, pode acreditar. Fizemos quatro produções maravilhosas (os nomes dos pratos são oficiais): Cassoulet Toulousian-Languedoc-Roussillon, Estouffade de Boeuf Bourguignonne-Bourgogne, Ragout des Poissons à la Biere-Bretagne e Les Escargots de Bourgogne en Coquille-Bourgogne.

Devo dizer que acertamos a mão: o cassoulet (carne de carneiro, carne de pato - ou frango, três tipos de linguiça e feijão branco) e o ragout (com peixe Saint Pierre, linguado e robalo) estavam magníficos. Os três primeiros pratos são guisados. São produções que dão sensação de consistência, de sustância. Saborosos. Com molhos poderosos. Você come e sacia a fome. Ideais para tempos amenos, outonais e invernais. Uma delícia.

Vou oferecer a receita do cassoulet (por absoluta falta de bateria, não a minha, e sim a da máquina fotográfica, não pude registrar todas as produções) que, numa comparação tosca, remete à brasileiríssima feijoada. É uma tentação.

Ingredientes

- 200 gr de feijão branco
- 300 gr de carne de carneiro cortada em cubos pequenos
- 1 sobrecoxa de pato (no original, mas, pode substituir por sobrecoxa de frango. Eu deixo.)
- 50 gr de gordura de pato (muito lamentavelmente também, pode substituir por banha de porco, vulgo toucinho que você acha em qualquer açougue barato)
- 50 gr de toucinho defumado (use inteiro, inclusive com o couro)
- 1 linguiça de cordeiro
- 1 linguiça Alheira (feita de mistura de carnes - vitela, frango, peru -, ligada por pão e temperada com sal, pimenta, colorau, noz-moscada, azeite - ou banha - e alho)
- 1 linguiça Toscana pura de lombo com alho
- 2 dentes de alho
- Bouquet Garni (salsa, louro, tomilho e aipo ou alho-poró, amarrados num bouquet)
- 1 cenoura cortada em cubos médios
- 1 cebola pequena
- 3 cravos
- 1 cebola
- 15 gr de extrato de tomate
- 3 gr de sal e de pimenta branca moída
- 30 gr de farinha de rosca

Modo de fazer

1. Coloque o feijão branco de molho por 24 horas. Para tanto, não deve lhe ocorrer de fazer o cassoulet no dia. Se assim o fizer, desista. Aja por intuição e deixe o feijão de molho tendo em mente que poderá lhe ocorrer no dia seguinte acordar e querer fazer cassoulet.

2. Cozinhe o feijão em água até o ponto al dente (um pouquinho mais para lá do que para cá).

3. Fatie as linguiças, não muito finas, que não são anéis, e salteie-as na gordura de pato. Reserve.

4. Refogue, na mesma panela em que você salteou as linguiças, o toucinho, cortado em tiras. Remova o excesso de gordura da panela.

5. Refogue, na mesma panela, - e levo em conta que você entendeu que a cada ingrediente que entra na panela, o outro já está fora, reservado - a cebola pequena inteira, a outra cebola picada, os cravos, a cenoura, o bouquet garni e a carne de carneiro. Mantenha tudo na panela, sem fazer reserva ou colocar em outro lugar.

6. Junte, na mesmíssima panela (uma caçarola de bom tamanho) - que está com a carne de carneiro, a cebola pequena, os cravos e a cenoura - várias conchas de caldo de frango (que, espera-se, você já tenha preparado de antemão) até cobrir a cebola pequena. Por favor, não me incomode com miudezas do tipo "Posso usar caldo Knorr ou Maggi"? Não, não pode. Se me perguntar isso de novo, vai para a casinha pensar o que você tem feito da vida até agora. O caldo de frango (assim como o de carne e o de legumes), é feito de restos de frango (peles, ossos, gorduras). Basta ferver em água. O resultado é o caldo ou o fundo de frango.

7. Dissolva o extrato de tomate nessa mistura.

8. Adicione dois dentes de alho inteiros e o toucinho, que foi previamente refogado nesta mesma panela que está à sua frente.

9. Cozinhe por 45 minutos ou até o caldo ficar reduzido, espesso. Você pode adicionar mais caldo ou fundo de frango se constatar que a carne de carneiro ainda não está macia.

10. Refogue o pato (que, incrível, virou frango na nossa versão), em outra panela, e desfie-o.

11. Adicione o franpato à panela principal (a mais usada nesta receita) e as linguiças, todas.

12. Adicione o feijão branco.

13. Ajuste os temperos - sal e pimenta branca.

14. Retire a panela do fogo.

15. Filtre o caldo, elimine os legumes e especiarias aromáticos (bouquet garni, cebola pequena, os dois dentes de alho e os cravos) e inicie a montagem para servir.

Montagem

1. Prepare sua terrina de cerâmica de barro (espera-se que você a possua) e comece a montar o cassoulet em camadas: no fundo da panela, terrina, travessa ou cumbuca, coloque uma camada de toucinho; depois, cubra o toucinho com feijões brancos; em seguida, coloque uma camada de carne de carneiro; coloque mais uma camada de feijões; por cima dos feijões, disponha as linguiças; depois, o franpato; termine com outra camada de feijões.

2. Adicione o molho que você filtrou para cobrir todas as camadas.

3. Tempere com um borrifo de pimenta moída (use aquele moedor de pimenta que é charmoso e mostra que você tem bom gosto).

4. Aspirja (adoro esse termo) com a farinha de rosca, quase nada, um pequeno véu.

5. Leve ao forno até ficar gratinado e a farinha formar uma pequena crosta.

6. Sirva e empanturre-se. É muuuiittttooo bommmmm!!!!

(Rastreie: Assista ao filme "Código Desconhecido", com Juliette Binoche, para ver sobre o que eu comentei no início do post no que tange à relação delicada entre franceses e argelinos. Para amenizar o peso do filme, leia "A Vida Sexual de Catherine M.", de Catherine Millet. Se você, ainda assim, se sentir incomodado somente porque a autora tornou públicas suas obsessões e práticas sexuais, faça uma visita ao The French Laundry, do chef Thomas Keller. Um dos restaurantes mais franceses do mundo, fica no Nappa Valley, na Califórnia. Boa viagem!)

1 Comentário:

Sig Mundi disse...

Red,

To triste! cada vez que entro no seu blog acusa cavalo de troia no meu computador... to tentando te ler, mas ta dificil, nao vou desistir!

bjs, andrea

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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