Rastreio de Cozinha - 13
Paris, Champagne-Lorraine, Alsace, Bretagne, Normandie, Pays de la Loire, Bourgogne, Franche-Comté, Rhonê-Alpes, Aquitaine-Bordeaux, Périgord, Midi Pyrénées, Auvergne, Languedoc-Roussillon, Provence-Côte d Azur, La Corse. Se você for um pouquinho observador(a), já terá ouvido falar nesses nomes. São províncias francesas, famosas pelas uvas e queijos terroir. São regiões cujos produtos dão água na boca. Tudo o que é produzido nessas regiões nos traz à mente gostos, memórias gustativas, sabores.
Porque a França, meu(minha) caro(a), é o país que deu origem à gastronomia moderna. Que fez do ato de comer um ritual. Que faz dos chefs de todo o mundo serem o que são porque foi aqui, neste país, que tudo começou. E começou na terra, com o alimento da terra, terroir. Com o leite da vaca, da cabra. Com a uva, de solo e sol apropriados. E é daqui que o império gastronômico partirá para a conquista mundial e atingirá todo o planeta, sem exceção. A língua oficial da cozinha internacional é o francês. A organização das cozinhas em todo o mundo é francesa. A influência, seja na China ou nos EUA, é francesa.
Os franceses são conhecidos por adorarem o debate, longo, filosófico, existencialista. Saiu de lá Sartre (A Náusea, O Ser e o Nada), Simone de Beauvoir (O Segundo Sexo), Gilles Deleuze (A Filosofia Crítica de Kant). São tantos nomes, tanta filosofia, tantas estruturas de pensamentos. Não há limite para o francês na arte, na literatura, no cinema, na gastronomia. Foram os franceses que inventaram o Guia Michelin, que concede uma, duas ou três estrelas aos restaurantes. Conquistar as estrelas, uma, duas ou três, é a meta de vida (e de morte) dos chefs franceses. Há quem tenha se matado porque perdeu uma estrela. Assim é a França. Que tem um cemitério dito Dos Inocentes. Que tem um arco dito Do Triunfo. Mas, cujo triunfo esbarra na lição esquecida da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A França não é fraterna. Para a França, os franceses não são iguais entre si: badaud é o termo que designa o parisiense que nunca deixou Paris. Os parisienses formam um mundo à parte dentro da França: há a França de Paris e o resto da França. Fraternos e iguais?
Liberdade, sim, gravada com a palavra "sangue" na La Marseillaise (Marselhesa). Contudo, não impinjam os argelinos à França. Ex-colônia, Argélia é o apêndice africano que mancha a branca França. Azul, vermelho e branco. São as cores da França. Céu, sangue e brancos. Só! A França é um dos países mais nacionalistas da Europa. Não quer estrangeiros. É o país mais visitado pelos turistas em todo o mundo. Os odeia (pergunte a qualquer um que tenha morado no país).
A França foi referência mundial de muitos países e continua a sê-lo. Antes, no Brasil, o francês constava do ensino ginasial. Era o francês que se aprendia, não o inglês. Mas, atualmente, a França não é poderosa como os vizinhos Reino Unido e Alemanha. Não manda no mundo tanto quanto os EUA. É claro que, numa progressão histórica, o comportamento contemporâneo de um país não deve se sobrepor ao seu passado. O país, para a gastronomia, é, sim, a fonte mais rica. O lugar aonde a comida chegou a níveis de cultivo, preparo e degustação nunca antes vistos. Sim, os melhores queijos e vinhos do mundo são franceses. Numa avaliação por pontos, particularmente, o meu estômago aponta para a França em primeiro lugar. E nem todo o existencialismo e nacionalismo francês é capaz de soterrar isso.
Tivemos nesta quarta-feira, 12, a continuação da disciplina de Cozinha Ocidental Internacional, com a primeira das três aulas francesas. Na semana passada, se você me acompanha diariamente, a aula dessa disciplina foi do México. Hoje, finalmente, chegamos ao epicentro de uma faculdade de gastronomia: a cozinha francesa. É até ritualístico, pode acreditar. Fizemos quatro produções maravilhosas (os nomes dos pratos são oficiais): Cassoulet Toulousian-Languedoc-Roussillon, Estouffade de Boeuf Bourguignonne-Bourgogne, Ragout des Poissons à la Biere-Bretagne e Les Escargots de Bourgogne en Coquille-Bourgogne.
Devo dizer que acertamos a mão: o cassoulet (carne de carneiro, carne de pato - ou frango, três tipos de linguiça e feijão branco) e o ragout (com peixe Saint Pierre, linguado e robalo) estavam magníficos. Os três primeiros pratos são guisados. São produções que dão sensação de consistência, de sustância. Saborosos. Com molhos poderosos. Você come e sacia a fome. Ideais para tempos amenos, outonais e invernais. Uma delícia.
Vou oferecer a receita do cassoulet (por absoluta falta de bateria, não a minha, e sim a da máquina fotográfica, não pude registrar todas as produções) que, numa comparação tosca, remete à brasileiríssima feijoada. É uma tentação.
Ingredientes
- 200 gr de feijão branco
- 300 gr de carne de carneiro cortada em cubos pequenos
- 1 sobrecoxa de pato (no original, mas, pode substituir por sobrecoxa de frango. Eu deixo.)
- 50 gr de gordura de pato (muito lamentavelmente também, pode substituir por banha de porco, vulgo toucinho que você acha em qualquer açougue barato)
- 50 gr de toucinho defumado (use inteiro, inclusive com o couro)
- 1 linguiça de cordeiro
- 1 linguiça Alheira (feita de mistura de carnes - vitela, frango, peru -, ligada por pão e temperada com sal, pimenta, colorau, noz-moscada, azeite - ou banha - e alho)
- 1 linguiça Toscana pura de lombo com alho
- 2 dentes de alho
- Bouquet Garni (salsa, louro, tomilho e aipo ou alho-poró, amarrados num bouquet)
- 1 cenoura cortada em cubos médios
- 1 cebola pequena
- 3 cravos
- 1 cebola
- 15 gr de extrato de tomate
- 3 gr de sal e de pimenta branca moída
- 30 gr de farinha de rosca
Modo de fazer
1. Coloque o feijão branco de molho por 24 horas. Para tanto, não deve lhe ocorrer de fazer o cassoulet no dia. Se assim o fizer, desista. Aja por intuição e deixe o feijão de molho tendo em mente que poderá lhe ocorrer no dia seguinte acordar e querer fazer cassoulet.
2. Cozinhe o feijão em água até o ponto al dente (um pouquinho mais para lá do que para cá).
3. Fatie as linguiças, não muito finas, que não são anéis, e salteie-as na gordura de pato. Reserve.
4. Refogue, na mesma panela em que você salteou as linguiças, o toucinho, cortado em tiras. Remova o excesso de gordura da panela.
5. Refogue, na mesma panela, - e levo em conta que você entendeu que a cada ingrediente que entra na panela, o outro já está fora, reservado - a cebola pequena inteira, a outra cebola picada, os cravos, a cenoura, o bouquet garni e a carne de carneiro. Mantenha tudo na panela, sem fazer reserva ou colocar em outro lugar.
6. Junte, na mesmíssima panela (uma caçarola de bom tamanho) - que está com a carne de carneiro, a cebola pequena, os cravos e a cenoura - várias conchas de caldo de frango (que, espera-se, você já tenha preparado de antemão) até cobrir a cebola pequena. Por favor, não me incomode com miudezas do tipo "Posso usar caldo Knorr ou Maggi"? Não, não pode. Se me perguntar isso de novo, vai para a casinha pensar o que você tem feito da vida até agora. O caldo de frango (assim como o de carne e o de legumes), é feito de restos de frango (peles, ossos, gorduras). Basta ferver em água. O resultado é o caldo ou o fundo de frango.
7. Dissolva o extrato de tomate nessa mistura.
8. Adicione dois dentes de alho inteiros e o toucinho, que foi previamente refogado nesta mesma panela que está à sua frente.
9. Cozinhe por 45 minutos ou até o caldo ficar reduzido, espesso. Você pode adicionar mais caldo ou fundo de frango se constatar que a carne de carneiro ainda não está macia.
10. Refogue o pato (que, incrível, virou frango na nossa versão), em outra panela, e desfie-o.
11. Adicione o franpato à panela principal (a mais usada nesta receita) e as linguiças, todas.
12. Adicione o feijão branco.
13. Ajuste os temperos - sal e pimenta branca.
14. Retire a panela do fogo.
15. Filtre o caldo, elimine os legumes e especiarias aromáticos (bouquet garni, cebola pequena, os dois dentes de alho e os cravos) e inicie a montagem para servir.
Montagem
1. Prepare sua terrina de cerâmica de barro (espera-se que você a possua) e comece a montar o cassoulet em camadas: no fundo da panela, terrina, travessa ou cumbuca, coloque uma camada de toucinho; depois, cubra o toucinho com feijões brancos; em seguida, coloque uma camada de carne de carneiro; coloque mais uma camada de feijões; por cima dos feijões, disponha as linguiças; depois, o franpato; termine com outra camada de feijões.
2. Adicione o molho que você filtrou para cobrir todas as camadas.
3. Tempere com um borrifo de pimenta moída (use aquele moedor de pimenta que é charmoso e mostra que você tem bom gosto).
4. Aspirja (adoro esse termo) com a farinha de rosca, quase nada, um pequeno véu.
5. Leve ao forno até ficar gratinado e a farinha formar uma pequena crosta.
6. Sirva e empanturre-se. É muuuiittttooo bommmmm!!!!
(Rastreie: Assista ao filme "Código Desconhecido", com Juliette Binoche, para ver sobre o que eu comentei no início do post no que tange à relação delicada entre franceses e argelinos. Para amenizar o peso do filme, leia "A Vida Sexual de Catherine M.", de Catherine Millet. Se você, ainda assim, se sentir incomodado somente porque a autora tornou públicas suas obsessões e práticas sexuais, faça uma visita ao The French Laundry, do chef Thomas Keller. Um dos restaurantes mais franceses do mundo, fica no Nappa Valley, na Califórnia. Boa viagem!)
1 Comentário:
Red,
To triste! cada vez que entro no seu blog acusa cavalo de troia no meu computador... to tentando te ler, mas ta dificil, nao vou desistir!
bjs, andrea
Postar um comentário