Perdidas e para sempre encontradas
Relatório recente da entidade britânica de aviação Air Transport Users Council (AUC) informa que, em 2007, 42 milhões de bagagens (ou malas) foram extraviadas pelas companhias aéreas e, dessas, 1 milhão nunca mais foram encontradas. Em 2005, foram 30 milhões de malas perdidas e, em 2006, outras 34 milhões de bagagens.
Até 2019, ou seja, nos próximos dez anos, a AUC calcula que 70 milhões de malas serão extraviadas. Na proporção entre as bagagens extraviadas e as perdidas para sempre, cerca de 1,5 milhão de malas nunca mais farão contatos imediatos ou remotos com seus respectivos donos.
Eu, particularmente, já sofri com o extravio de malas e fiquei cerca de 5 horas em aeroporto internacional para constatar que, ao final dessa longa e angustiante espera, a minha bagagem transitava em algum ponto entre São Paulo e aeroportos insuspeitos da Europa. Somente ao final de dois dias consegui reaver a minha bagagem. Por sorte (que não a tiveram outros colegas), a minha mala e o conteúdo estavam intactos.
Bem, mas se você acha que estou a tratar desse assunto por uma questão de preocupação com o destino das malas, sorry! É que ao ler a informação, imediatamente fiz a analogia com pessoas-mala. Define-se por pessoa-mala aquele tipo que é um fardo, pesado, que não tem rodinhas e sempre te atrasa a vida. Em geral, essa mala humana não dispõe de alças, o que a torna ainda mais incômoda e de difícil manejo.
Essas pessoas-mala não têm virtudes. Ao contrário, sempre te sobrecarregam: na verdade, não te fazem companhia. Roubam a sua solidão porque você sempre tem que ficar de olho na mala, sob o risco de tê-la (ambas, a humana ou o objeto) roubada ou extraviada. E, quando se trata de extravio, a pessoa-mala pode te dar mais trabalho do que o esforço de mantê-la a seu lado.
As pessoas-mala, ao contrário das legítimas bagagens, para falar a verdade, jamais se extraviam. E, em casos excepcionais, quando se extraviam, jamais, digo, JAMAIS! ficam perdidas para sempre. Imediatamente, dão um jeito de fazer soar o serviço de comunicação no aeroporto e se fazem presentes. Impossível perdê-las.
Quanto mais você foge de pessoas-mala, mais elas te pegam de roldão, ainda que não possuam rodinhas. Elas travam você melhor do que o cadeado com segredo das bagagens legítimas. Sempre fico a imaginar o que é desses milhões de bagagens perdidas pelo mundo: onde ficam? quem as leva? os pertences são vendidos? usados? há algum fetiche envolvido na manipulação da mala alheia? Imagino que, assim como os há para os aviões, existem cemitérios de malas em lugares sórdidos e sombrios. Cheios de malas ressequidas, rasgadas, violadas pela ação de mãos criminosas.
Mas, por que, pergunto, por que não tenho a mesma sensação quando se trata de pessoas-mala? Por que essas malas humanas são as "achadas" da seção de achados e perdidos e as malas-objeto sempre estão classificadas como "perdidas"? Se eu fosse supersticioso, acreditaria que há um complô internacional, uma máfia de malas que leva a bagagem e deixa o correspondente ser-mala para infernizar a sua vida.
O homem ou mulher-mala, ao contrário das malas verdadeiras, não tem pedigree. São genéricos. Nada de Louis Vuitton. Nem posso afirmar que são falsificadas, essas malas humanas. De jeito nenhum. São legítimas tal qual o couro legítimo do qual são feitas as bagagens de qualidade. São autênticas na chatice, no peso, no tamanho e na proporção que ocupam em relação a nós mesmos, quando as transportamos a reboque, queiramos ou não.
Aos humanos-mala faltam educação, senso e noção. Porém, nunca, NUNCA!, estão sem identificação. Uma etiqueta com procedência sempre os identifica. Destino? Não! Eles nunca partem, somente chegam. E ficam. E quando chegam, a esteira insiste em quebrar logo na sua cara. Fica você ali, plantado, frente a frente com a mala que lhe cabe no imenso latifúndio de bagagens.
É assim: dos milhões de malas extraviadas, das quais milhares estarão perdidas e nunca mais serão achadas, a você sempre caberá uma mala-humana. Sem alça, usada, sem rodinhas. Que terá que ser transportada aos solavancos e lhe arrancará nacos do calcanhar. Você, no entanto, persistirá, na eterna ilusão de que, finalmente, chegará o dia em que essa mala-pessoa-personalização do mal um dia se perderá entre aeroportos e terminais e você, finalmente, se verá livre. Mas, cuidado! Se as bagagens, as legítimas, raramente são rastreáveis, esses seres humanos-malas nascem com GPS e, fácil, fácil, são mais do que depressa reencaminhados para quem de direito: você! Ó vida, ó céus, ó azar!
2 Comentários:
Red,
O mais lastimavel eh saber que essas malas-humanas nao circulam apenas nos aeroportos do Pais ou das cidades dos alvos que elas decidiram sobrecarregar, aborrecer ou encher o saco. Elas podem estar em qualquer aeroporto do mundo, no lugar onde vc menos espera. Eh uma tristeza!
Beijo
La Voyageuse, você chegou a ver o caso do morcego que se agarrou num foguete da NASA e foi ao espaço? Pois é! Os humanos-mala são assim: se agarram a você e nunca mais te soltam. Beijo!
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