Meu rugido dominical
No post anterior, escrevi que tenho vontade de montar uma lhama e sair a galope. Claro, era uma brincadeira. Daí que uma leitora atenta me recorda que a lhama é um animal de duas faces: "as lhamas são conhecidas pelo seu estilo calmo, ... andam devagar, porém, podem se irritar facilmente (são consideradas o oitavo animal mais furioso do mundo). ... uma lhama furiosa pode cuspir uma saliva 'venenosa'". Anônima, não está ipsis litteris porque fiz algumas alterações para servir ao propósito do contexto deste post.
Ainda ontem, assisti o filme "As Duas Faces de Um Crime" (Primal Fear), no qual o ator Edward Norton vive um personagem com múltiplas personalidades: uma é o coroinha Aaron, inocente, meigo e aterrorizado com as acusações que lhe atribuem pela morte de um arcebispo; a outra é Roy, um cara violento que não hesita em esmurrar o advogado e pular no pescoço da advogada de acusação em pleno tribunal. Em outro filme - "A Cartada Final" (The Score), Edward Norton vive papel bastante semelhante ao fingir ser deficiente mental para cometer um grande roubo ao lado de Robert de Niro. Nos dois filmes, Norton mostra as duas faces de uma mesma pessoa: o lado calmo e controlado da lhama e o lado sombrio e obscuro, que pode ser violento e amoral, quando finalmente a máscara cai e a lhama cospe no rosto alheio.
Ao avaliar o comportamento bipolar da lhama, que a mim me parece natural, já que a primeira atitude (de compassividade e tranquilidade) assemelha-se à postura que lhe é (à lhama) intrínseca e a segunda lhe vem também de forma natural, porque surge como resposta a eventuais situações (imaginadas ou possíveis) de ameaça, cheguei à conclusão que me identifico bastante com esse animal. Principalmente quando, (pretensamente) vítima de ataque, a lhama se defende e ataca, por sua vez, para se safar ao ataque.
Isso não significa que me considero lobo em pele de cordeiro. Ao contrário, sou uma união de ambos os instintos desses animais, eu acho. Nem tão agressivo como o lobo e tampouco fofo quanto o cordeiro. Mas, de vez em quando, o Dr. Jekyll (kyll com significado de I kill, ou 'eu mato') se sobrepõe ao Mr. Hyde (de hidden, 'oculto' em português). Ou melhor, por trás do manto, está lá o violento, o primitivo, que mata. Não literalmente, claro. No entanto, suponho que, de forma metafórica, um assassino convive de forma dúbia com a mansidão exteriorizada pela maior parte das pessoas. Quem já não teve impulsos de morte por pequenas ou grandes atitudes provocadas por terceiros ou por si mesmo?
Assim, a lhama me cabe perfeitamente. Se a almejo como meio de transporte para fugir de perseguições reais ou imaginárias, ou mesmo do nada, apenas para galopar rumo ao desconhecido, é porque porções lhama convivem dentro de mim.
Eu, leonino, dificilmente cavalgaria um Pégaso, que, supõe-se, oferece uma melhor imagem quando se trata de dar asas à liberdade. Melhor mesmo uma lhama selvagem que combina os dois lados e me permite ser Jekyll e Hyde.
Creio que não escrevo nada de novo ao referir múltiplas personalidades que convivem comigo. E muito menos devo ser bipolar somente porque ora sou 'normal', ora 'estranho'. A multiplicidade de personalidades, salvo os casos flagrantes de fundo patológico, são, como a maior parte do comportamento humano, perfeitas carapuças que se vestem para uso social.
Afinal, que graça teria mostrar sempre a mesma face e não ter, por vezes, o prazer confesso de cuspir na cara alheia porque, naquele momento, se faz necessário? Hoje mesmo, em entrevista à Folha de S.Paulo, o cantor Ney Matogrosso disse, sobre seu relacionamento com o também cantor Cazuza que, num determinado dia, Cazuza cuspiu-lhe no rosto e ele revidou com uma bofetada.
Em algumas circunstâncias, quase todas, sou uma lhama afável, cuja lã aquece e, se você olhar para mim, por certo, estarei a ruminar como esses bichos o fazem, sempre com alguma comida na boca (isso é horrível!). Mas, se você me confrontar e eu me sentir ameaçado, posso me tornar, sim, o oitavo humano mais furioso e até dar umas cuspidas envenenadas. E ainda uns coices. Depois, é só partir para o galope!
8 Comentários:
o animal acuado, lhama ou não, quando se sente ameaçado, ou esfaimado, ataca, vira bruta força, assim o instinto lho determina. já as lhamas humanas... discordo dessa reacção, não que não caia sem perceber nesse acto remeniscente de minha origem natural. mas sei que meus "instintos" me podem enganar, e não vivo nem deles nem para eles. quando meu olfacto detecta uma possível ameaça, humana, poe-se à coca (não, não consumo), na defensiva digamos mas não acredito que a melhor seja a estratégia do ataque. por um lado posso estar enganada e a ameaça seja só imaginada, por outro, quando óbvia e real, meu instinto humano me manda fugir, deixar para trás quem usa da AMEAÇA (que considero por si desprezível)e procurar outros mundos. me vou defendendo mas não ataco, até hoje não senti disso ganas. muito veneno tem cruzado meu caminho, lhamas furiosas sei lá com quê, ou sabendo, e mesmo quando comigo, não lhes reconheço o direito de atacar, sobretudo pelas costas (outro acto desprezível), com peles de pelucia e carne viva ávida de sangue alheio. nem todos me agradam, nem agrado a todos, e se erro, porque erro, estou à espera da voz e do rosto que me julguem, aceito a bofetada ou o coice, mas que eu veja. e quem não estiver comigo está sem migo, estou sozinha se preciso for, nunca CONTRA. assim nascem os inimigos, terrível consequência desse nosso bipolar generosos-criminosos premeditados. prefiro não cogitar crimes, menos ainda perpetrá-los. vivo com culpa e castigo, aqueles que minha auto-defesa decretam, mas nãoo vivo culpa alheia, ódio estranho dissimulado, não quero cobras venenosas e humanas, abatendo tudo quanto não é como queriam que fosse. eis o perfil, não da lhama, mas dos loucos que querem dominar o mundo! nem que seja o patético quintal que habitam... mais um desabafo de quem se sente ameaçada tantas vezes e, tantas vezes, resiste ao ataque. antecipo, aguardo. sou uma optimista. ah... idealista, lírica, defeitos, né? então tá
não entenda como cusparada, mas há repetições que cansam, cansam, cansam, e o animalzinho aqui só queria paz.
De tudo o que me dissestes, fica uma interrogação: não será você um familiar anônimo travestido de anônima? Me desculpe se me engano, mas é que o teu discurso me soa familiar e com o eco - repetições que cansam, cansam, cansam - me faz recuar no tempo e me recordar que alguém, exatamente ancorado nesse porto, me disse o mesmo. De forma que, se eu estiver certo, estamos, ambos, a nos repetir. Se eu estiver, errado, a repetição, deixo claro, se ocorre, é porque reverbera dentro de mim e eu preciso estar a repisá-la até que se fragmente. Estou equivocado?
me repise pois, que se bem entendo sua interrogação o familiar anónimo devo ser eu, com a no fim, igualmente familiar, parente, parida por gente e por tanta gente repartida. se nos repetimos não é mau, talvez revele o pouco do que nos torna únicos. mas devo esvoaçar? é que as reacções ambíguas à minha presença também se repetem, infelizmente. de si espero que me diga de dentro de seu lhama: volta quando quiseres OU não me aborreças que já me cansas.
afinal não reconhece "seus" anónimos... :) vê? nunca estamos certos, nem mesmo de nossos erros.
Interrompendo a treta (rs) e agradecendo a visita.
Respondendo ao post
Todos nós temos vários lados. Nunca somos constantes e é isso que nos faz diferente do resto do mundo.
Amei o q vc disse!
Beijoo!!
Anônimo(a), meu ou não, que não temos nada, no final das contas, nem ninguém, a lhama dentro de mim afaga e cospe, como, de resto, é comum às espécies lhamescas e humanas e diz: volta quando quiseres, dado que este espaço é livre e aberto. Aberto, inclusive, a cusparadas e afagos.
Talita, as raízes do teu nome mostram mais firmeza do que as gelatinosas lhamas às quais eu recorri. O que nos faz, simultaneamente, aborrecidos ou não, é exatamente a nossa instabilidade, de ir e vir ao sabor do humor e das sensações. Também prezo a inconstância porque quem fica parado é poste. Beijo!
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