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sexta-feira, 11 de abril de 2008

Rastreio de cozinha - 33



Cook chill (cozer/resfriar) é um sistema de cocção - preparação, confecção e resfriamento - que atende a um segmento especial da gastronomia: aviação, hospitais, indústrias e escolas. O cook chill está para a gastronomia como o nip/tuck (cortar/coser) está para a costura. No caso, para quem conhece, está também para a cirurgia plástica, da série análoga da Fox. Esse tipo de alimentação está baseado em tecnologia - fornos combinados e refriadores.


(Poire Belle Hellene - Sorbet de Pêra ao vinho tinto aromatizado com canela)

É claro que, se você viaja, está internado em um hospital, come de um bandejão na empresa ou vai (foi) à escola apenas para comer a merenda de graça, você é um ser desgraçadamente vítima de serviços de catering. E aqui vai diretamente uma crítica minha a esse tipo de indústria: estou para ver algum serviço de bordo - seja de companhias aéreas nacionais ou internacionais - que apresente qualquer prato que seja de forma atraente, ou, o que seria melhor, com gosto de comida de verdade, e não com jeito de isopor ou borracha esquentada.

De hospitais, então, o que dizer? As comidas são absolutamente insalubres. Se você está lá, é porque está em decadência - física e moral. Não é um prato de abobrinhas sem cor ou chuchu (por Deus, quem inventou o chuchu?) que te resgatará das profundas garras das dores e agruras de um ambiente hospitalar. Sem falar na insossa gelatina que é o prato por excelência dos hospitais. E por que sempre é amarela? Será que a palidez mortal do paciente tem que, necessariamente, ser moldada por amarelo em degradê?

Ia passar ao largo, mas, não, não posso: você já visitou o refeitório de alguma empresa industrial? Nem o trabalhoso levantamento e balanceamento feito pelo mais nobre nutricionista é capaz de levantar o moral da tropa, digo, dos operários. Os pratos são horríveis. E os pobres os comem às garfadas (hummmm ....)!

Enfim, do meu ponto de vista, nada se salva na cozinha de proporções industriais. Tudo é sem cor, nada sápico, sem odor, terrível de se ver e comer. No entanto, na gastronomia, como em todos os demais setores, há apenas uma palavra que importa: lucro. E há grandes empresas multinacionais que lucram e bastante com o cook chill.

As companhias aéreas são conhecidas pela sua ojeriza em servir refeições decentes. Para amenizar a opinião que as pessoas têm sobre a comida de avião, várias dessas empresas promovem, de vez em quando, uma atualização dos pratos servidos, inclusive com assinaturas de chefs conhecidos. Buscam, com isso, aliar a imagem do chef à sua sofrível comida. Em exemplo recente, a companhia aérea holandesa KLM escolheu a chef do restaurante paulista Tordesilhas, Mara Salles, para elaborar um cardápio de bordo especial para seus vôos. Os pratos brasileiros de Mara serão servidos durante dois meses (de 30 de março a 31 de maio) em todos os vôos internacionais da KLM que partem de Amsterdã, São Paulo, Panamá e Lima.

Mas, não adianta eu espernear aqui, assim como não adianta você tentar mastigar a borrachuda comida do avião. O cook chill é parte da gastronomia e é um dos maiores segmentos da cozinha contemporânea, com tudo que isso pode significar na tênue e longuíssima linha entre o bom e o ruim.


(Frango Xacutti - com coco, gengibre e especiarias)

Hoje, 11, sexta-feira, às vésperas das provas, que começam na próxima segunda-feira, 14, e vão até sexta-feira, 18, tivemos mais uma aula de Cozinha Contemporânea. A última eu perdi, porque faltei. E descobri mais nesta sexta-feira: no segundo semestre do ano passado, perdi várias (muitas, muitíssimas) aulas de peixe. O resultado, hoje, foi catastrófico: eu não sabia o que era tranche (corte perpendicular de peixe para filés de 220 gramas) e, tampouco, crosta. O resultado foi deplorável, com o peixe enrolado em chá verde e eu tendo que levar uma bronca tanto por não saber o corte quanto por não fazer a crosta. Daí que uma coisa leva à outra e o prato inteiro desanda: o peixe quebrou no selamento, o molho não ficou com a aparência que eu buscava e, na apresentação, a produção estava completamente fria, sinal de falta total de sincronia com o restante da bancada. Bem-feito para mim!

Fizemos quatro produções que podem ser encaixadas (rigorosamente acondicionadas, diria) em cook chill. Pena que nunca senti esses sabores no ar, no mar, em terra ou no fogo (pois até no inferno eu já estive, não sei se te falei!). As produções foram: Frango Xacutti (com coco, gengibre e especiarias), Poire Belle Hellene (Sorbet de Pêra ao vinho tinto aromatizado com canela), Canapé de Camarão e Robalo em Crosta de Chá Verde (o objeto do meu erro).

Dizem que errar é humano. Mas, persistir é burrice. Asno serei então. Persisto e passo, de cabeça, porque não tenho a receita do robalo cá comigo. Assim, você terá hoje um prato atípico, saído da minha cabeça cheia de idéias, inclusive aquelas que divagam à deriva, em busca de outros focos que não a comida (de subsistência, não a carnal).


(Canapé de Camarão)

De forma que vou colocar as medidas imaginadas, o que torna essa receita, desde já, uma não-receita. Se você precisar, desesperadamente, de medidas, posso providenciar na semana que vem. Em caso negativo, apenas acompanhe o desenlace desse pequeno calvário que, se não teve doze estações, houve por bem despachar uma meia dúzia de trens, que me espremi feito lagartixa na porta do metrô - e deixei a impressão digital das minhas mãos, cabeça e nariz no vidro - para chegar a esta aula.

A propósito, há cinco tipos de cortes de peixe: tranche, perpendicular, 220 gramas; posta, corte reto e quadrado, 220 gramas; filé, de 160 gramas a 180 gramas; gourjon, mini-tranche, de 120 gramas; e brochete, tipo espeto, de 120 gramas. Alhos e bugalhos revolvidos e não-resolvidos, à não-receita (as medidas são aproximadas, a despeito de eu resmungar que não sei):

Robalo em Crosta de Chá Verde

Ingredientes

- 500 gr de robalo em tranche
- sal a gosto
- pimenta-do-reino a gosto
- 50 gr de folhas de chá verde moídas, bem pequeninas (e não em pedaços que se pareciam com galhos, na minha versão)

Cama (guarnição)

- 100 gr de cogumelos shimeji
- 100 gr de acelga, picadinha em pequenas fatias
- azeite

Molho

- 80 ml de saquê
- 100 ml de fundo de peixe
- 5 gr de maisena (maisena com "s" é o nome genérico do amido de milho; com "z" é daquela marca, amarelinha; aliás, todas são amarelinhas, por coincidência)

Acompanhamento (purê)

- 100 gr de mandioquinha
- 50 gr de creme de leite fresco
- azeite
- sal a gosto


(Robalo em Crosta de Chá Verde)

Modo de Preparo

1. Corte o robalo em tranche (dá umas duas ou, no máximo, três peças). Você pode medir com os dedos: se for dedudo(a), dois dedos e passe a faca, sempre na perpendicular; se for dedinhos, três dedos. É para usar o dedo como medida, e não como parte do prato.

2. Tempere com sal e pimenta-do-reino.

3. Reserve (por muito tempo, e não por 2 minutos, como eu fiz).

Cama (guarnição)

4. Prepare a cama (a do peixe, não a sua). Chamarei de cama porque é o nome mais apropriado para acondicionar uma graciosa fatia de tranche.

5. Branqueie a acelga (um minuto em água fervente, um minuto em água gelada).

6. Salteie, em azeite, o shimeji.

7. Adicione, após o shimeji ficar douradinho, a acelga, já branqueada.

8. Acerte o tempero com sal e pimenta-do-reino.

9. Reserve.

Acompanhamento (purê)

10. Cozinhe a mandioquinha até ficar bem macia.

11. Processe a mandioquinha com o creme de leite.

12. Leve o purê ao fogo, em azeite.

13. Adicione sal.

14. Reserve

Molho

15. Reduza o saquê em 2/3 (por cocção, logicamente, e não por ingestão). Não há, até aqui, nenhum(a) bêbado(a).

16. Adicione, ao saquê reduzido, o fundo de peixe.

17. Dissolva a maisena em duas colheres de fundo de peixe e junte ao saquê e ao fundo. Com o fouet, mexa até formar um molho veloutè.

18. Reserve.

19. Faça a crosta e aprenda, definitivamente, o que é uma crosta para o peixe, assim como eu aprendi e não pretendo desaprender nem que arranquem a minha própria crosta. Aspirja (uma palavra tão fina para uma camada tão grosseira) o chá verde, moído como se fosse cocaína pura ou dichavado como aquele outro vegetal, a cannabis, APENAS E TÃO SOMENTE, na parte de cima das tranches do robalo. Sempre há a parte lombar, a parte de cima. E nesta, E APENAS NESTA, deve ser criada a crosta.

20. Sele, em azeite, as tranches, UMA A UMA, suavemente. Apenas a crosta deverá ficar crestada, quer dizer, como se fosse uma paredezinha rugosa. O miolo do peixe deve ficar claro e úmido.

21. Leve ao forno a 220 ºC por mais dois minutos para terminar o processo de cocção.

22. Prepare, em um prato apropriado ao peixe, uma cama (finalmente) de shimeji e acelga que você já fez.

23. Acondicione suavemente a tranche com o chá verde dichavado, quer dizer, moído, sobre a caminha confortável que você fez.

24. Sirva uma porção de purê de mandioquinha no mesmo prato, da forma como você desejar (o meu ficou abstrato, sem definição e sem graça).

25. Regue com um pouquinho de molho apenas um lado do robalo.

26. Sirva, finalmente, porque, a essa altura, o peixe não somente dormiu como desmaiou.

(Rastreie: se você gosta de comer nas alturas, siga este link.)

2 Comentários:

Srtª Amora disse...

Filho... se tu querias cometer o pecado da luxúria... te garanto que agora me fizestes querer o de gula. =D

bjok!

Redneck disse...

Amora, bem-vinda ao jardim das delícias dos tais, agora, 13 pecados capitais. Eu, de minha parte, abraço a gula e a luxúria com o maior fervor. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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