Na ausência dos homens e com putas assassinas
Na ausência dos homens e com putas assassinas dentro de mim, de pirraça, porque nada acontece, nem um leve tremor, fui tomar café sozinho, já que ninguém me convidou. Ao meu café associam-se sempre a música e a literatura, como duas musas a me inspirarem. Claro que a parada obrigatória foi no Fran´s da fnac.
Dois livros na mão e cafeinado, estou mais envenenado. Os livros são "Na Ausência dos Homens", de Philippe Besson (porque ando com uma tendência ao francês, não sei porque) e "Putas Assassinas", de Roberto Bolaño, que, chileno de nascimento, foi barcelonês de passamento: morreu em Barcelona de insuficiência hepática (fígado maldito) aos 50 anos.
Ambos os livros os comprei por conta dos nomes, que me assanharam. Porque, de repente, se os homens estão ausentes, há de ser por conta das putas que os assassinaram. A minha lógica, se cartesiana, é esta porque, de cartesiano, não tenho nada.
"Tenho dezesseis anos. Nasci com o século.
Sei que a guerra existe, que soldados morrem nas frentes de batalha, que civis morrem nas cidades, nos campos da França e alhures, que a guerra, mais do que a destruição, mais que a lama, mais que o zumbido das balas que dilaceram os corpos, mais que a fisionomia oprimida daqueles que esperam, às vezes, contra toda a esperança, uma carta que não chega, um retorno constantemente adiado, mais que o jogo político no qual as nações se testam, é a morte simples, cruel, triste e anônima destes soldados e destes civis, de quem leremos um dia os nomes nas grandes paredes dos monumentos, ao som de uma música fúnebre.
E, no entanto, não sei o que é a guerra. Vivo em Paris. Sou aluno do colégio Loius-le-Grand.
Tenho dezesseis anos.
Esta criança é maravilhosa, costumam dizer de mim. Olhem para ela, é verdadeiramente maravilhosa. Cabelos negros. Olhos verdes amendoados. Uma pele de menina. Eu digo: Eles se enganam, eu não sou mais uma criança.
Tenho dezesseis anos e sei perfeitamente que é uma vitória ter esta idade. Mais ainda talvez quando estamos em guerra. Porque escapo da guerra e os outros meninos, aqueles que são apenas um pouco mais velhos, aqueles que zombam de mim, eles não escapam, e estão ausentes. Assim, fico quase sozinho no triunfo dos meus dezesseis anos, cercado de mulheres que tomam conta de mim, com seus afetos excessivos e medrosos.
Amo este século que começa, que traz com ele minhas esperanças, que será o meu.
Minha mãe repetiu sem cessar, até o verão de 1914: Nascer com o século é como um sinal que Deus nos envia, como uma benção, uma promessa de felicidade. Ela estava orgulhosa desta coincidência milagrosa: meu nascimento e o nascimento do século XX.
Meu pai falou de renovação. Creio que ele empregou o adjetivo moderno. Não sabia que ele conhecia o significado. Ele é homem de outro século, do passado. Velho. Meus pais são velhos. Meu nascimento não estava programado. Apareci por acaso. Eles transformaram aquilo que tinha tudo para ser, em princípio, uma maldição, em um acontecimento maior e esperado.
Eu agradeço este acaso, esta maldição."
Este é o primeiro capítulo de "Na Ausência dos Homens". Mal li e já gostei.
3 Comentários:
Esses titulos parecem ter casado! rs
Aos poucos estou lendo rastreio, colocando a leitura em dia. E olha que acho que vou me atrever a fazer alguma receitinha...
bjs, andrea
Passando pra matar a saudade e pra dizer que não adianta negar, que contra fatos não há argumentos, você me abandonou again!
deu vontade do livro, mexeu com a libido!
Beijos!
Andrea, seja atrevida sim! O importante na cozinha é ser atrevido, ousar e inventar. Fico feliz que você tenha esse impulso. Quanto aos livros, recomendo. Já li quase inteiro o primeiro e é um primor! Beijo!
amèlie, não faz assim. Você bem sabe que estou bastante ocupado. Eu nem vou prometer nada porque, como um gato vadio, faço promessas de não sair mais à caça e depois desando. I´ll be back, soon. Beijo!
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