Meu rugido dominical
Hoje, dia 1º. de junho de 2008, é Dia da Imprensa. Aniversário de 200 anos de existência desse que é chamado de "o quarto poder". Não sei se ainda mantém esse status de poder. A imprensa surgiu no Brasil quando circulou, no dia 1º. de junho de 1808, o primeiro jornal do País, o Correio Braziliense, que fechou em dezembro de 1822.
Em 200 anos, o conceito "imprensa" mudou, e muito. Atualmente, circulam no Brasil 555 jornais diários, com tiragem diária de 7 milhões de exemplares ( o jornal japonês Yomiuri Shimbum tem uma tiragem de 10 milhões de exemplares por dia). Temos centenas de canais de TV aberta - os mais expressivao são a Globo, Record, Band, SBT e Rede TV!. São quase 10 mil retransmissoras e quase 500 geradoras de TV aberta. Temos quase 3 mil emissoras de rádio em todo o território nacional. A circulação paga de revistas é de cerca de 500 milhões de exemplares por ano. E a internet atingiu, em abril deste ano, 22,4 milhões de usuários residenciais (em todos os acessos - de casa, do trabalho, de LAN houses, o Ibope estima que cerca de 40 milhões de pessoas acessam a internet mensalmente).
Com tudo isso, como está a imprensa? A mídia é a instituição mais confiável (64%), à frente de empresas (61%), ONGs (51%), instituições religiosas (48%) e governo (22%), conforme estudo de confiança feito pela Edelman. Na comparação internacional, o Brasil é o terceiro dos 18 países pesquisados com o maior índice de credibilidade da mídia - atrás do México, com 66%, e Índia, 65%. Entre os meios de comunicação, os brasileiros colocam os veículos impressos no topo do ranking de confiança. Os entrevistados, na faixa dos 25% com a maior renda familiar do País, dizem recorrer como primeira fonte de informação a impressos (87%), TV (82%), internet (52%) e rádio (32%). A preferência pela versão impressa predomina em 12 dos 18 países pesquisados -EUA, China, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha, Holanda, Suécia, Polônia, Rússia, Irlanda, México, Canadá, Japão, Coréia do Sul, Índia e Brasil.
Na internet, as notícias (93%) estão no topo do interesse dos brasileiros. Em segundo lugar, vem pesquisa (85%) e, empatados com 79%, compras e troca de mensagens instantâneas (Messenger e correlatos). A preferência por notícias é a mais citada também em outros 13 países. A pesquisa ainda destaca o interesse por blogs. Com 34%, a Rússia é o país que mais mostrou confiança nesse meio, seguido por China (33%), Índia (29%) e Brasil (21%). Quando acessam a internet, 46% dos brasileiros lêem blogs.
Bem, ao que parece, "o quarto poder" continua em alta, mesmo depois do episódio recente da "Menina Isabela", com o evidente papel de abutre da mídia inteira. Não vou nem entrar no mérito dessa questão.
Agora, a imprensa é feita por jornalistas. E é aqui que vou meter o bedelho. Sou jornalista e digo que não há nada a comemorar neste dia da imprensa. Cerca de sete grupos dominam a imprensa brasileira: as Organizações Globo; o grupo Abril (com quase 70% do mercado de revistas); o grupo Band; a RBS, do Rio Grande do Sul; o grupo Estado; o grupo Folha e o grupo Jaime Câmara (Goiás e Tocantins). Esses grupos atuam nas mais diversas mídias: TV, rádio, jornal, revista e internet.
Depois, há o segundo escalão da imprensa, com editoras regionais, emissoras de TV e penetração na internet. Finalmente, há um terceiro escalão, de editoras segmentadas, com forte atuação no meio impresso e digital (internet). E é nesse meio em que trabalho. No terceiro escalão da imprensa nacional.
O jornalista atual é obrigado a ser uma pessoa jurídica. Não temos mais contratos baseados na CLT. Ou você emite nota fiscal ou você não tem trabalho. Fomos, ao longo dos anos, "convencidos" pelos donos da mídia a migrar a condição de nossa mão-de-obra de pessoa física, com direitos, para pessoas jurídicas, apenas com deveres. Quem está no regime de pessoa física não tem férias, seguro-saúde, 13º. salário e qualquer outro benefício.
Claro, pagamos menos impostos (o Simples varia entre 4,5% e 6%). Mas, eu, que trabalho como freela há 3 anos, também há 3 anos não tenho férias. Os contratos são todos verbais: aceito o job e, em geral, recebo o pagamento entre 20 a 40 dias depois da matéria entregue. Alguns estendem esse prazo para 60 dias e até mais. Teoricamente, acreditam que o mês não existe para o freela.
A opção de ser freela foi minha. Eu quis isso. Sair da redação, ter liberdade para fazer outras coisas. Ter tempo. Nunca quis ir para a grande imprensa. É uma ilusão. Tenho amigos que trabalharam no Estado, na Folha, na Globo. As experiências são similares às da pequena imprensa. Muito trabalho, muita pressão e nenhum reconhecimento.
No Brasil, imprensa é associada à TV. Ou você está na tela do Jornal Nacional da Globo ou você não é jornalista. Isso é um fato. Na minha cidade, muita gente já me perguntou quando é que eu ia para a Globo. Mas, não chega a 20 o número de profissionais que estão no topo, na Globo. Os demais trabalham nos bastidores da mesma forma que trabalho como freela: muita produção e pouco dinheiro.
A condição de freela tem dois lados: um mês, você está exacerbado de tanto trabalho. No outro, você não faz nada, semanas a fio. E, se você resolve viajar e largar tudo, aparece trabalho. Já me ligaram quando eu estava fora de São Paulo e tive que voltar. Porque, como freela, ou você aceita o trabalho ou nunca mais te chamam.
Creio que a qualidade difere um jornalista de outro. Mas, com um ritmo de produção industrial, há muito editor que não trabalha com esse viés. Te fazem propostas ridículas, numa humilhação que não tem fim. Te oferecem migalhas. Te olham como se você fosse a última opção. O engraçado, na mídia em geral, é que hoje sou editor e amanhã posso ser repórter daquele que foi meu foca. Então, além de todos os percalços, você tem que administrar as relações com os colegas com diplomacia para não fechar portas.
Não, nem pensar em processar o meu ex-empregador. Pequeno ou não, todos os donos da mídia têm contatos entre si e são capazes de bloquear os futuros acessos. Sei disso por experiência própria também. Nunca, como jornalista e freela, se meta a enfrentar o proprietário de uma editora.
É assim o mercado. Então, não há o que celebrar no dia da imprensa. Há muita mudança em curso. Muitos se irritam com isso (jornalistas e proprietários dos meios). Outros, seguem as tendências. Mas, as relações entre uns e outros pioraram, e muito. Eu sempre quis ser jornalista. Nunca acreditei no glamour que envolve a profissão. Sou cético há muito tempo. Mas, em quase 15 anos de profissão, admito que o jornalismo se tornou uma coisa muito diferente do que eu imaginava e, no entanto, não é surpreendente. Uma professora do primeiro ano de jornalismo me disse: "O jornalista é apenas uma escada para a fonte". Hoje, concordo plenamente com essa afirmação. Ajudamos o executivo a subir. Nós, jornalistas, somos apenas uma etapa nessa ascensão. Nunca, de fato, subimos, porém.
Não quero dizer com isso que sou frustrado com o jornalismo e despejar aqui o malte amargo das minhas contradições. Nada disso. Só é uma constatação da realidade. Gosto do fato de ser jornalista e creio que dá para se trabalhar no meio, sim. Mas, dentro de alguns padrões que tracei para mim mesmo. Dentro de uma margem em que consigo me reorganizar e não me perder totalmente da decisão que me levou ao jornalismo.
O fato de eu fazer gastronomia indica que não estou feliz com o que faço e o que sou. Não sei se a gastronomia me dará o que procuro. Por ora, percebo que preciso trabalhar fisicamente, usar as mãos para efetivamente fazer algo. E descansar o cérebro e a tendinite do árduo trabalho de digitar milhares de caracteres por mês para encher páginas e páginas de revistas e de sites.
3 Comentários:
adoreo o que vc escreveu
e isso me faz refletir no que estou fazendo.
ser bom n oque faz nao é tudo. isso é fato.
bjus
Red meditativo. Estou com você. Também comecei a fazer gastronomia pensando em alternativas. Sei bem o que é essa vida de frilas. O maior problema às vezes nem é ter ou não ter o trabalho. É a espera permanente. Segura a ansiedade!
bjs.
marco*, creio que você me entendeu perfeitamente. É um incômodo que vem lá de dentro e que só ao fazer algo para neutralizá-lo é que saberei se os outros caminhos são viáveis. Beijo!
Andarilha, a espera mata. Me lembro de ter visto algumas entrevistas com soldados norte-americanos e, quando lhes perguntaram qual era o pior momento da guerra, disseram que era a espera. É isso. Beijo!
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