Rastreio de Cozinha - 71
Quinta-feira, 12 de junho. Incrível esse dia, não é? Dizem que há filas nos restaurantes e nos motéis. O que eu vi - no metrô e nas ruas - até agora há pouco, era um monte de gente sozinha. E ainda por cima, mas, por cima mesmo, uma garoa chata. Cadê o cobertor dessa gente toda? Ou eu é que estou amargo e não desconfiei que todos os sozinhos já estiveram em algum momento desta quinta com alguém? Será? Como conheço, ou acho que conheço São Paulo, aposto na primeira alternativa: as pessoas estão mais sozinhas do que juntas. E os que estão juntos, às vezes, preferiam ficar sozinhos para se juntar sem ficar juntos de fato. Entendeu? Nem eu!
Alguns bleaders que me lêem acompanharam minha cruzada junto ao Cupido para que algo estrondoso acontecesse. Claro que deu tudo em água (não de lágrimas, mas, de águas turvas, barro, lama). Matei o Cupido. Onde deveria haver amor, houve ódio. Eu? Amargo? Nem um pouco. Só senti que deveria fazê-lo! Fiquei mais leve depois do assassinato do incompetente.
Agora, vou colocar asas nos pés, feito Mercúrio, e cair na vida. Será que estou muito ligado nesse lance de mitologia e, por conta disso, deixo de enxergar o que acontece ao meu lado? Será? Ou será que tento me enganar com deuses, homens e monstros? Melhor beber? Não sei! Acho que, a exemplo de uns e outros, tenho que sofrer uma queda (leia Finnegans Wake e saiba do que falo). A queda é primordial para reelaborar o caos, ao que parece. Sim, ficam alguns hematomas. Mas, o que é oferecer o sangue em sacrifício quando você toma de volta a lucidez? Hein, hein???
Deixa para lá. O dia 12 está quase a se encerrar e amanhã é 13 e sexta-feira. Eu gosto da combinação. Vou, desde já, me vestir de preto e realizar pequenos rituais macabros. Se não for por bem, será por mal mesmo. Deixo Cupido estendido em suas próprias penas e vou de Maga Patalógika (mais penas). Não adianta bancar o bonzinho, fazer mesa branca e ser espiritual. Vou logo de macumba, candomblé, missa negra e até pedirei ajuda para o meu amigo que esteve nas pedras de Stonehenge para que celtas e druidas mandem alguma contribuição. Não me bastam as bruxas locais. As quero todas, internacionais também.
A propósito, nesta quinta, tivemos aulas de TCC (...) e de Geografia Aplicada à Gastronomia. Já comentei aqui que finalmente temos um professor à altura da disciplina. Gosto dele. Tem uma série de informações para passar e é isso que precisamos em aulas. Do novo. Mas, isso não vem ao caso. Vamos à minha geografia que sou muito mais interessante.
Hoje, vou abordar a geografia metafísica: um conceito obviamente inventado neste exato momento, que pretende dissecar (isso é palenteologia ou medicina legal?) por que agimos de outras maneiras completamente diversas às convencionais (ou que achamos normais) quando estamos em lugares distintos aos quais pertencemos? Exemplo: moro em São Paulo e viajei para a Bahia. Por que na Bahia ajo e sinto uma liberdade da qual não disponho (ou creio não dispor) em São Paulo? Por que, ao estar lá, penso que posso fazer o que quiser, de formas as mais assombrosas, como nunca faria aqui?
Será que existe um bicho geográfico que identifica, como um GPS (ainda estamos no terreno da geografia, observe), se estou em "casa" ou fora? Pois esse bichinho coça, provoca e faz com que você tenha delirium tremens safados só de pensar que você pode tudo. Me diga se isso não ocorre com você!!! Se disser não, é mentira!
Não sei qual a causa disso, mas, fora do habitat, agimos (pelo menos, eu ajo) como se pudéssemos romper alguns limites claros do próprio habitat. E, incrível, acabamos por rompê-los mesmo, os limites!
Já viajei muito aqui no Brasil. Dos 27 estados do País, só não pisei o chão do Espírito Santo, do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia, Roraima, Acre, Pará, Paraíba e Sergipe. Nos demais, estive em todas as capitais e, em alguns, conheço outras cidades. A cada vez que aterrisei num desses lugares, tive a mesma sensação: posso ser outro, diferente daquele estereótipo rotulado que se convencionou a chamar de "Redneck" (figura de linguagem, é claro que sou eu mesmo). Pois não é que esse Redneck visitante é capaz de atitudes que o Red local não é? Por que?
Não sei se é o clima, a água, o vento, o sol. Não sei qual é a relação da geografia com o comportamento. Mas, que existe, existe! Em geral, gosto desse Red meio descompromissado, solto no tempo e no espaço em outras regiões. Esse Red, aqui em São Paulo, é muito contido. O outro viaja, literalmente, na viagem.
Assimilada essa consciência de um outro que entra em ação, quando em outro solo que não o meu de base, tentei unir os dois - o visitante e o local. Nunca consegui fazer a miscigenação. São estrangeiros um ao outro. Um caucasiano, outro eslavo. Distintos. Nem se interessam pela integração. Não funciona.
Disse que, em geral, gosto do Red visitante. Em geral, repito. Porque, em particular, algumas vezes, o outro Red extrapolou as fronteiras e assustou o Red provinciano de São Paulo (hesitei em usar o adjetivo, mas, é o único que comporta o Red local). O Red provinciano se manifestou e teve que recolher o barulhento estrangeiro. Algumas vezes, foi nocauteado e perderam-se ambos, Red1 (local) e Red2 (estrangeiro).
No balanço desses dois serem que coabitam e se debatem, descobri que as geografias são, afinal, peculiares e epidérmicas. Há a geografia convencional, de lugar, civlização e cultura e existe uma outra, a geografia aplicada comportamental. Que vem a ser aquela que você aplica quando bem lhe apetece, desde que esteja longe de casa e de olhares castos e repressores. Sob o olhar dos estranhos, o estrangeiro não se faz de rogado e manifesta comportamentos inapropriados. Mas, embalado na certeza de que os nativos não conhecem a cultura de fora, esse outro, o Red2, pode agir como lhe convém. Às vezes (na maior parte), se dá bem. Em outras (poucas e inesquecíveis), a massa desanda.
O pior de tudo é se livrar de um (Red2) e assumir o outro (Red1). Essa transliteração ocorre mais ou menos como quando você desliga o celular no avião quando decola e o liga quando aterrisa, no destino. Até que o celular reconheça a rede local, há uns poucos segundos de confusão (imperceptíveis para nós, usuários). Assim se dá a passagem do Red2 (que volta) para o Red1 (que chega em casa). No aeroporto. É um choque (quase imperceptível).
Para não ficar num estado de confusão mental, creio que o Red2 mora nos aeroportos. E é lá que o encontro sempre que entro no portão de embarque. Isso é geografia, não é? Não me pergunte como, mas, que é, ah!, isso é!
4 Comentários:
Quer dizer que você não vai derrubar mais nenhum professor de geografia? Ufa! O pessoal da secretaria da escola já devia estar estressado. Mais um que vai embora????
Gostei da sua teoria geográfica. A coisa toda começa quando você faz a mala. Vai pra Bahia, enfia short, camiseta regata, protetor solar, chinelo legal. Uma camisa colorida, estampada. Uma roupa social pra dar conta do trabalho que foi fazer. Relógio? Não precisa. Afinal, só vai ter um compromisso com horário marcado.
Agora, vai sair na rua em São Paulo, de short, camiseta regata e de chinelo... Não dá outra, na primeira esquina você dá de cara com alguém que não devia te encontrar na rua e naqueles trajes. "E o trabalho, tá rendendo?", "Pô cara, você é que tá numa boa!".
A amiga Aurea Gil, que não é geógrafa, diz que o mundo é uma quitinete porque volta e meia você encontra gente que te conhece ou que conhece alguém que você conhece.
Na, Bahia, no Tocantins, em Roraima, quem é que vai te reconhecer? É por isso que a gente fica numa boa. Leve, livre e solto.
bjs.
e quando voltas à fortaleza?!
e quando voltas à fortaleza?!
Andarilha, é exatamente isso. Vai praticar o seu lado B na sua cidade para você ver!!! Te acham tão estranho que você volta para a concha rapidinho. Agora, o ruim é encontrar o vizinho quando você está fantasiado de sei lá o que lá em Trancoso. É dose! Beijo!
Fragtapas, chamou, chamou??? Olha que eu vou em dois tempos ... Amo Fortaleza e tenho ótimas lembranças daí. Beijo!
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