Meu rugido dominical
A revista Época da semana passada (edição de 02/06/2008) estampou na capa: "Eles são do exército. Eles são parceiros. Eles são gays." Na foto, os sargentos do Exército Laci Marinho de Araújo e Fernando de Alcântara de Figueiredo, juntos há dez anos. A revista os denominou como o primeiro casal gay do Exército que assumem a homossexualidade. Na quarta-feira, 4, o sargento Laci foi preso pela Polícia do Exército enquanto participava do programa da Luciana Gimenez. O motivo alegado: deserção. O motivo real: preconceito e medo de contaminar a imagem do Exército.
O sargento continua preso e, segundo Fernando, foi algemado e maltratado pelo Exército. O próprio Fernando foi detido porque faltou no trabalho para acompanhar Laci na cadeia. Laci alega problemas de saúde para não trabalhar no Exército e, na sexta-feira, 6, o Exército diz que exames médicos não detectaram nenhum problema com o sargento.
Evidentemente que não é a deserção ou qualquer outro motivo que levou o sargento à prisão. O Exército sabia que isso repercutiria. O sensacionalista programa de Luciana Gimenez não ocultaria os fatos, assim como não o fez. E, em rede nacional, o sargento gay foi preso. Foi uma operação que a Polícia do Exército não adota em outras ocasiões. Mas, a corporação pedia por uma resposta à altura e a solução foi prender o sargento gay e mostrar ao público: "Ele é anormal e vamos puni-lo por isso."
Na capa do jornal Folha de S.Paulo de sexta-feira, 6, o presidente Lula e a primeira-dama Marisa posaram com bonés e bandeiras gays na 1ª. Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros. "Talvez (o preconceito) seja a doença mais perversa e impregnada na cabeça do ser humano", afirmou o presidente, na ocasião.
Na edição da Folha deste domingo, o colunista Jorge Coli, do caderno Mais, diz, em sua coluna: "Platão escreveu que um exército composto por casais de amantes seria indestrutível porque um teria vergonha de mostrar-se covarde diante do outro, preceito que Alexandre, o Grande, ao que parece, estimulou em seus batalhões." Quem assistiu ao filme "Alexandre, o Grande", pode constatar a afirmação.
Há duas semanas, São Paulo foi palco da 12ª. Parada Gay, com números que variam entre 3,4 milhões a 5 milhões de participantes, conforme a fonte.
Qual é o denominador comum entre o Exército, Lula, Platão e a Parada Gay? A diversidade é a resposta, na minha opinião. E, sobretudo, o relacionamento entre iguais, especificamente entre dois homens. As instituições predominantemente masculinas - as Forças Armadas, a Igreja Católica, as polícias - civil, militar e bombeiros; e as aglomerações como prisões e até mesmo concentração de jogadores de futebol estão coalhadas de histórias sobre o homossexualismo.
Não é segredo para ninguém que os homens mantêm relações - sexuais, afetivas ou ambas - nesses ajuntamentos.
O exército dos EUA tem um lema implícito: "Não pergunte que eu não respondo!". Ou seja, você até pode ser gay, mas, não espalhe isso por aí que não é legal para a corporação. O que significa, então, a atitude da Polícia do Exército? Que, sim, até se admite o casamento (porque dez anos juntos é um casamento inconteste), mas, não queira ser capa de revista e falar abertamente para a Luciana Gimenez o que você faz entre quatro paredes. Aí já é demais. Tudo bem quando o marido militar (de qualquer corporação que seja) chega em casa com um parafuso a menos e mata a espoa. Nunca vi a polícia cercar, sob holofotes, um homem que mata a mulher por motivos os mais levianos.
Ou você imagina mesmo que os milhares de soldados norte-americanos destacados no Iraque, solteiros ou sem as respectivas mulheres, ficarão meses naquele confinamento sem se tocar? Há anos, tentei fazer uma matéria sobre os casos de Aids entre os padres na Igreja Católica. As solicitações de imprensa tinham que ser feitas diretamente à arquidiocese, na Sé. Fui até a Igreja da Sé e falei com um padre, bem velhinho. Bastante simpático e polido, me disse que a Igreja não falaria absolutamente nada porque não tinha conhecimento do assunto e tampouco casos a registrar. Obviamente, era uma grande mentira porque conheci, pessoalmente, padres gays e com Aids. Mas, o importante aqui é o que aconteceu durante a entrevista com o velhinho (que, aparentemente, não era gay): enquanto eu estava na sala, pelo menos uns cinco padres bem mais jovens entraram. Pareciam saídos de um filme de homoerotismo: vestidos à motoqueiros, com jaquetas (leather), cavanhaques, cabelo máquina 2, todos muito curiosos e com olhares gulosos. Estavam mais para frequentadores de baladas gays do que para padres confinados na Igreja da Sé.
Então, nada do que me disserem os porta-vozes das instituições vai me convencer do contrário. E se o Exército está tão indignado com o casal, é porque teme que a abertura iniciada pelos sargentos torne-se um padrão. E, aí, as porteiras estarão definitivamente abertas para o estouro da boiada (digo, da gayzada, sem preconceitos).
Por fim, uma questão: por que a vida privada dos gays merece tanto holofote? Tem mais glamour do que a dos casais heteros, que seriam, assim, tão insossos? Existe uma curiosidade incutida na mente das pessoas - essas sim, perversas, como disse o Lula - de saber com quem você dorme. É quase uma obrigação: diga-me, assuma-se, fale! E quando alguém vem a público, como o casal do Exército, vira caso de polícia. É um eterno retorno a Stonewall.
P.S. Voltei da Bahia, depois de quatro dias (cinco incluído este domingo). Acordei às 6 da manhã e exatas nove horas depois, às 15 horas, cheguei ao meu apartamento. Daria para ir a Madrid. É incrível como o tempo é relativo. Este post é publicado tardiamente porque dormi profundamente para me refazer da viagem e da falta de comida baiana. Lamentável!
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