Confissões de um cozinheiro

Soará como heresia, mas, tenho que confessar: não gosto de verduras, legumes e frutas, de uma forma vasta e generalizada. Sou carnívoro na minha essência e, se não tivéssemos saído das cavernas, eu estaria muito bem com a minha original tribo nômade, caçadora de nascença.

Outro dia, descobri umas fotos divertidas de legumes, frutas, verduras e outros ingredientes. Da próxima vez em que eu torcer o nariz para esses alimentos, acho que vou fazer como o autor das fotos. O lúdico sempre facilita tudo, não é?

(De manhã, a própria laranja se encarrega de ir até o espremedor e, feliz, se imolar para que nossa recarga de vitamina C seja feita. Observe que haverá uma formação militar, inclusive com disputa entre as laranjas para ver quem chega primeiro ao espremedor. O pão, num ato subversivo, comerá a faca que o violenta todo dia. Abaixo a opressão sobre o pão. O ovo abrirá alegremente janelas e portas para a gema e a clara e o colesterol. Bom dia!)

Nada do sedentarismo vegetal que me acomete e vem da nossa evolução: a partir do momento em que aprendemos a plantar, colher e usar os alimentos vegetais, começamos a nos estabelecer primeiro em amontoados, depois em povoados, aldeias, vilas e, finalmente, as cidades. Domesticamos os animais e a caça, atualmente, é para quem pode, por esporte e por lazer. A despeito do fato de eu trabalhar com a comida o tempo todo, nunca fui muito fã da legião de legumes, verduras e frutas.

(No almoço, o nada convidativo repolho refletirá, como um espelho, sua face. É para lembrá-lo(a) de que o mundo é perene e toda a sua vaidade acaba como um maracujá seco - enrugado e difícil de reanimar. Não serve nem para comida de galinhas. Os cabelos da máscara repolhuda entregam: o tempo passou e você saiu de moda. Para equilibrar um pouquinho essa constatação deprimente, o tomate, do alto de sua acidez, intelectualiza-se e assume uma postura professoral para ovelhas burras que, como a couve-flor, insistem em achar que são fofas. No entanto, são como as nuvens: dissipam-se ao menor sinal de tempestade. O colesterol da manhã não foi suficiente para acabar com suas veias carótidas. Tome mais uma infusão de gema. Vem embalada com carinho, em carrinho de bebê, que é para ocultar o veneno nada infantil. Para amenizar seu coração, a melancia finge que é Michael Phelps - google nele! - e se entrega a você, sedutora. Boa tarde!)

Sei muito bem das necessidades de consumir tudo isso. E é dessa forma que o faço, pela necessidade fisiológica. Claro que, às vezes, o corpo pede pela acidez do tomate, pela maciez da alface ou pelo apelo da banana (!). Humm ... Quer dizer, banana tem potássio, não é???

Daí que ontem passei no supermercado e, tomado por um corpo que não o meu, tive um surto repentino e comprei um monte de frutas. E, pela primeira vez na minha vida (curta, por assim dizer), tive o prazer de comer damasco in natura.

(Na merenda da tarde, ofereço minha própria composição cromática, mais baseada nas cores, por uma questão estética que me é inata - pode me xingar! -, do que nas propriedades largamente difundidas sobre essas frutas. Nesta cesta que não me é, digamos, objeto de desejo, estão dispostas segundo a minha carnificina, ops!, frutificina: laranja baiana, limão Tahiti, nectarinas, ameixas pretas e, por cima da carne seca, quer dizer, da natureza morta, os damascos, de cor laranja, lindos e perfumados. E sedosos, ah!, como são sedosos os damascos. Uma questão de pele, sabe? Boa-tarde e meia!)

Foi um ato de antropofagia ou, melhor, auto-antropofagia, já que o meu nome deriva de "Damasco". Adorei comer o damasco!!!! A polpa é carnuda. Por fora, um toque de veludo, mais ainda que pêssegos perfumados. De um veludo que conecta a outros sensores, mais sensuais. Por dentro, um perfume mais suave do que o de pêssego. Polpa macia que, antes de ser devorada pelos caninos, encaixa-se nos dentes à perfeição. Uma experiência e tanto, comer damasco. Recomendo!!!

(À noite, quando nada mais resta na TV, na rua ou na internet, ou quando seus olhos fecham feito mariposas desiludidas com o fim da xepa - da qual, para você, não sobrou nem caroço, inclusive daquela fruta que você, se pudesse, comeria até mesmo o caroço -, sobra a sobra, para a ceia que, de santa, não tem nada. É profana sim porque vai contra todo o seu corpo: você quer se lambuzar dada sua condição vegetal de nada: nada à vista, nada a prazo, nada, nada, nada. Chama a melancia de volta! Daí que você pega carona nas asas da borboleta da fruta do pecado e finge que é Madame Butterfly. Antes que alguém corte suas asinhas! O golfinho surge revelador, sintoma de que algo mais pontiagudo faz falta na sua vida. É um sentimento que vem lá do fundo, mas, do fundo mesmo. Ah! Chega dói?! Por fim, como você, provavelmente, é do tipo que não dispõe de trovadores a entoarem serenatas sob a sua janela, pegue a viola, meta no saco e suma-se consigo mesmo(a). Boa noite!)