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domingo, 22 de novembro de 2009

Meu rugido dominical




Na última sexta-feira, 20, celebrou-se o Dia da Consciência Negra em algumas localidades do Brasil. A data é dedicada à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade e foi escolhida porque é o mesmo dia da morte de Zumbi dos Palmares (1695), líder negro que dirigiu a comunidade dos Palmares, formada por escravos que fugiam das fazendas, prisões e senzalas. O local, chamado de 'reino', ficava no Estado de Alagoas. Estudos posteriores comprovaram que mesmo Zumbi, que foi assassinado pelo governo pernambucano e teve a cabeça exposta em praça pública na cidade de Recife, mantinha escravos particulares. Mas não é esse o tema do post.


A novela das 21 horas da Rede Globo tem como protagonista a atriz Taís Araújo, primeira mulher negra a assumir o papel de Helena, personagem de Manoel Carlos que se repete nas tramas do autor. Taís é a primeira protagonista do horário mas não está sozinha. Na novela das 18 horas, Camila Pitanga também é protagonista negra.


A Taís estão associados dois temas que, em que pesem as críticas sobre a interpretação da atriz às quais não farei coro, são muito mais profundos do que a aparente superficialidade das tramas que o gênero novela permite abordar. O gênero novela busca agradar a gregos e troianos em prol da audiência e falhas as há em todas as novelas.


Mas, há um pequeno comentário da colunista Bia Abramo, do jornal Folha de S.Paulo deste domingo, 22, que me parece muito mais sério do que as lágrimas que a personagem derrama por tanta infelicidade. Isso é do gênero e as heroínas sempre sofrem. De preferência, na trama toda, até o final, quando são redimidas por todos os 'pecados' e encontram, enfim, a felicidade. Creio que esse roteiro existe desde as primeiras histórias de fada - 'era uma vez... e foram felizes para sempre' - e as novelas brasileiras, sob a demanda do público médio, não fogem ao estereótipo. Muito de vez em quando, os vilões são bem-sucedidos. Afora isso, as pessoas, em geral, querem ver a felicidade na tela.


No artigo deste domingo, Bia Abramo escreve: "O diálogo (entre Tereza/Lília Cabral e Helena/Taís Araújo) enuncia a cascata de culpas que caem sobre Helena: de usurpar o marido de Tereza, de mandar a Luciana para a 'morte' (paraplegia), de 'matar uma criança' (aborto) e de ser bem-sucedida mesmo tendo sido uma negra podre. Na lógica da novela, os dois primeiros crimes ('tirar o marido de Tereza e ser responsável pelo acidente de Luciana') serão, ao final, prescritos, assim que Tereza encontrar um novo amor e Luciana encontrar o caminho da superação da pequena tragédia de ter ficado parap légica.


Já dos dois últimos, o aborto (sempre sinônimo de 'crime') e o fato de Helena, como negra e pobre, ter almejado sair de sua condição social dada (e ser bem-sucedida na empreitada), ah, isso não vai dar tempo de perdoar na novela. Nem na vida real."


Grifo de novo: '... ah, isso não vai dar tempo de perdoar na novela. Nem na vida real.' E aqui a articulista acertou em cheio, na minha opinião. Ninguém perdoa o fato de uma negra ou negro serem bem-sucedidos. Tenho relatos de amigos/as negros que provam isso não uma vez ou duas, mas vezes sem conta. E ainda mais com o 'agravante' do aborto!!! Aborto é palavrão. É clandestino. É feito pelas 'putas'. Por mulheres que não têm sentimentos. Não é assim? E se você conhece alguém que praticou, em geral, prefere não falar do assunto e fingir que nada nunca aconteceu.


Na novela das 19 horas, a propósito, uma outra personagem, vivida por Cristina Mutarelli, é ultra-preconceituosa. A filha (a atriz Fernanda Machado) vive com o namorado, Caco (o ator Rafael Zulu, negro). Ao receber a mãe de Caco, a sogra prepara um jantar com arroz e carne moída e aluga um quarto de pensão - 'modesta mas limpinha' - para a mãe do namorado da filha. Quando a mãe chega, numa limusine e com portes de luxo, Cristina Mutarelli tem um ataque e lança farpas preconceituosas que, justamente, remetem ao fato do negro não poder ser bem-sucedido.


As novelas não têm essa pretensão e nem vão discutir assuntos áridos na tela. Como a colunista disse, não dá tempo de fazer isso nem na ficção nem na vida real. Não é? Quer dizer, na vida real, ninguém nem quer tentar o debate porque, afinal, somos um país que não tem preconceito. Tá!


De volta para a novela das 21 horas, o fato é que a Helena de Taís Araújo não agradou àqueles telespectadores que funcionam como laboratório para a Rede Globo saber quais são as tendências da audiência: a personagem foi considerada pedante e vazia. Tenho cá comigo que todo o glamour de Helena - figurinos caros, adereços de luxo, viagens fantásticas no início da novela - incomodou de forma muito mais profunda do que o 'pedantismo' e 'vazio' registrados pelos telespectadores.


Uma negra não pode ser tão bem-sucedida! Daí que, nas últimas semanas, a personagem apenas chora. Os figurinos exuberantes acabaram. Helena foi reduzida a um monte de lágrimas e sofrimento, sacrificada que foi em nome da trama mas, sobretudo, por conta de representar um modelo que, na vida real, não é aceito pelo telespectador médio. Em resumo: pelo telespectador preconceituoso.


Em bate-papo com um argentino no Facebook, ele me questionou por que era feriado da Consciência Negra na sexta-feira. Eu disse as razões e ele retrucou: "eu sei que no Brasil é assim (ele conhece algumas partes do País). Mas, na Argentina, isso não acontece e é estranho que vocês tenham um feriado para isso." Não conheço a Argentina o suficiente para emitir qualquer opinião sobre o tratamento de raças naquele país. Mas o que me surpreende é que um argentino me diga que sabe que no Brasil é assim. Portanto, deve ser um comportamento que fica evidenciado nas nossas atitudes no dia-a-dia.


O preconceito, esse sim, é negro. Negro no sentido de pavoroso, de ausência de luz. De falta de discernimento. No mesmo Facebook, fiz um pequeno levantamento estatístico e descobri que existem uns seis ou sete homônimos meus. Automaticamente, eu os adicionei por achar divertido ter algumas réplicas com o mesmo nome. Um deles me adicionou de volta e deixou um comentário. Quando fui visitar o perfil dele, descobri que havia me excluído. Fiquei curioso com o fato e o adicionei de novo. Sabe o que ele escreveu? "Se importa se eu não te adicionar? Porque parece que você é gay e isso me incomoda."


Não vou nem me estender sobre isso mas esse homônimo me mostrou ao menos uma coisa: é um rapaz que deve estar na faixa de uns 20-25 anos e foi direto. Não deixou dúvidas. Preconceituoso? Claro que sim. Como se o fato de ser gay fosse um crime (como o aborto e a carreira bem-sucedida de Helena). O peso dos preconceitos com a personagem negra e esse dirigido a mim são idênticos.


No entanto, essa pessoa no Facebook não me conhece e, assim como eu tive a liberalidade de adicioná-lo, por certo ele teve a autonomia de me dizer o que quis. E pronto. Agora, o pior é quando amigos cometem (e os há muitos, infelizmente) atitudes semelhantes ou piores com comentários travestidos de brincadeira. Não acredito nesse tipo de brincadeira. Acredito que as pessoas (e, por certo, eu incluso) dizem o que dizem e não o fazem por brincadeira. Fazem porque acreditam naquilo que dizem e na forma como agem.


Portanto, embora haja um Dia da Consciência Negra para se refletir sobre a negritude e suas demandas, o que se passa é que, rotineiramente, o preconceito vive. E floresce das mais diversas formas, inclusive na principal novela do País que, de forma tortuosa, coloca a protagonista negra para viver a vida imaginária quando tudo o que passa, subliminarmente, é o contrário: não viva a vida. Você não tem esse direito. Ao receber o mensagem do homônimo do Facebook, me senti assim: não viva a sua vida porque ela me ofende.


E isso, meu(minha) caro(a) leitor(a), é como a Bia Abramo disse: a sociedade não perdoa nem na ficção nem na vida real. Isso sim é viver a vida.

4 Comentários:

Dil Santos disse...

Oi, tudo bem com vc?
Temos muito que evoluir como seres humanos, temos que perceber que independente da cor de pele, somos iguais uns aos outros.
É preciso ser mudada muitas coisas, muitas atitudes ainda, mas aos poucos chegamos lá.
Então, quem sabe as pessoas comecem a mudar e tentem aquecer um pouco essas cidades.
É algo que está longe de acontecer, mas não perco as esperanças.

Abraços
:)

Três Egos disse...

Olá! Td bem?

O preconceito é no pé-da-letra um pré-conceito, como aconteceu com vc. Seu homônimo, por exemplo, antes mesmo de conhecê-lo não quis saber de papo, o que importa é a imagem dele, afinal, andar com um gay não "pega bem", vai que pensam que ele é gay tb? Seria o fim do mundo neah?!
E aqui no Brasil o preconceito mora junto com a hipocrisia. Todo mundo faz qustão de dizer que o Brasil é um país de todos, um país da miscigenação, ninguém briga aqui por questão de raça, cor, religião, sexualidade. Mas é comum escutar frases do tipo "Tinha que ser mulher!" ou "Tinha que ser preto mesmo." ou "Isto é uma mulher ou um homem?". Enfim, é aquele negócio, para a sociedade aquele negro que se deu bem na vida é muito bonito falando, mas na prática todo mundo fala por trás inconformado.

Belo post...!

Abraço,

Eros

Redneck disse...

Oi Dil, eu também não perco as esperanças não e acho que isso muda quando debatemos e falamos sobre o assunto. O importante é que não deixemos que esse tipo de coisa fique encoberta por 'burcas' morais que cobrem a atitude do preconceito como se fossem tapetes sob os quais colocamos a poeira. Valeu a visita. Abraço!

Redneck disse...

Oi Eros, tudo bem? Veja você que essa situação a devemos ter passado a maior parte de nós, de uma forma ou de outra e que alguns comportamentos são tidos como 'doença' as quais se 'pegam' por contágio pelo simples fato de uma pessoa se associar a outra. Como você bem o disse, é o pré-conceito que determina esses comportamentos. E, sabe o quê? Se fui discriminado na forma como descrevi, não obstante o obscurantismo daquela pessoa, por outro lado, me conforta receber um comentário como o seu e, dessa forma, de novo, equilibrar aquela atitude discriminatória com esta, sua, de apoio. Obrigado. Abraço!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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