Milk não é café com leite
Devo admitir que a minha reentrè no cinema se deu em grande estilo. Depois de mais de dois anos sem ultrapassar as cortinas que separam o mundo real da telona, fui ao cinema e vi, adivinhe!, cinema!
Na boa companhia de Diana e de Maíra, blogueiras bissextas do Senso Incomum, vi "Milk". E gostei. "Milk" acaba de levar dois Oscar: melhor ator para Sean Penn e melhor roteiro original, na cerimônia realizada ontem em Los Angeles, EUA.
(O verdadeiro Harvey Milk)
"Milk" é - ou foi - Harvey Milk, primeiro político norte-americano assumidamente gay, eleito como supervisor de distrito em São Francisco. A história se passa na década de 70, especificamente entre os anos 1976 e 1978. Milk foi quem liderou os primeiros movimentos pelo direito dos gays e, à época, lutou contra a Proposition 6, que queria coibir o acesso dos gays ao mercado de trabalho, especificamente na área de educação. A Proposition 6 foi, em 1978, a mesma coisa que, em 2008, 30 anos depois, significou a Proposition 8 que, entre outras coisas, proibiu o casamento gay na Califórnia.
(Penn em cena da narrativa do filme)
"Milk" pode não ser exatamente o que eu definiria como um "grande filme". Mas é denso e basicamente político. Afora as cenas esperadas dos beijos de Sean Penn com James Franco (que afirmou não ter dificuldades em beijar Sean) e com Diego Luna (que disse ter tido algum embaraço em beijar Sean), "Milk" tem muito pouco de "pink".
O filme, do diretor gay Gus Van Sant e do roteirista também gay Lance Black (mesmo roteirista do seriado "Big Love", da HBO), segura-se, sobretudo, pela atuação de Sean Penn. Impecável e parecido fisicamente com o real Harvey Milk, Penn está à vontade no papel do ativista gay. Marlon Brando já disse sobre Penn: "é o melhor ator vivo de todos os tempos". Madonna, que levou uns tabefes de Penn quando mantinha um relacionamento com o ator, o descreve como o "cowboy poeta".
(Sean Penn com o "namorado" James Franco)
"Milk" é sobre a homofobia, inclusive a que existe dentro da própria comunidade gay. O ativista era funcionário de uma empresa de seguros em Nova York e, aos 40 anos, radicaliza e muda-se com o namorado vivido pelo ator James Franco para São Francisco. E começa aí a vida política de Harvey Milk. Como tantos visionários e condutores de mudanças, Milk não passou, quer dizer, não conseguiu fazer a travessia impunemente: foi assassinado em 1978 por um colega supervisor - que o filme insinua que era gay -, juntamente com o prefeito de São Francisco.
O filme não é fácil. Falar de direitos humanos e para minorias sempre esbarra em contradições e, claro, as opiniões são as mais divergentes possíveis. No entanto, Sean Penn dá conta do recado sem fazer de Milk uma caricatura. É apenas um homem, gay, que se dá conta de que, aos 40 anos, não realizou nada. Nem para si, nem para ninguém. E dá uma reviravolta na vida. Na própria e na de milhares de gays. A ironia é que o filme foi lançado no ano passado quando, simultaneamente, o casamento gay era vetado na Califórnia. Ou seja, os 30 anos que decorreram entre a ascensão e queda de Milk e atualmente não mudaram, praticamente, quase nada.
(Penn em cena na qual discursa para milhares de pessoas em São Francisco)
Curiosidade: no Brasil, o dublador oficial do ator Sean Penn, Marco Ribeiro, pastor da igreja evangélica Assembleia de Deus, recusou-se a dublar a versão nacional do filme. "Não me sentia à vontade para fazer o filme", alegou o dublador que emendou: "Não tenho preconceito de nenhuma espécie, até porque preconceito vai contra os princípios do evangelho pregado por Jesus Cristo, evangelho este no qual creio e o qual proclamo, que diz que não devemos julgar para não sermos julgados". Julgue você mesmo o que isso tudo quer dizer.
Outra curiosidade: meu distanciamento do cinema por tão longo espaço se deve a vários fatores: tempo, disposição, desânimo ante o comportamento de frequentadores que agem como se em casa estivessem e mais uma série de motivos que não valem a pena ser mencionados. Para minha completa surpresa, a sala estava maravilhosamente silenciosa, sem conversas, sem pipocas e, incrível!, sem o indefectível toque de celular. Por tudo isso, valeu a pena voltar ao cinema. Com "Milk" e sem shake.
4 Comentários:
Red,
Nem ligo que vc foi ao cinema com Marie e Diana, pois eu ja tinha visto o filme muito antes de vcs, ta? Numa coisa concordo contigo, a interpretacao de Sean Penn eh irretocavel e creio ter merecido o Oscar.
Bjo
La Voyageuse, uma retificação: Maíra e Diana. A Marie é uma possessão sua, que fique claro. Não entendi porque você se exaltou. Estávamos numa competição de premiéres? Aliás, Diana, Maíra e eu nem falamos sobre Charlote!! Beijo!
Redneck, que história é essa de blogueiras bissextas? rsrsrsr
Adorei o filme e a companhia. Mas acho que deveriamos fazer uma organização por aqui. Com os evangélicos reivindicando na Assembléia o direito de poder se expressar contra os gays, estamos a passo de um retrocesso histórico...
Bjos
Maíra, digo mais: nunca avançamos muito, de fato. O retrocesso a que você se refere é apenas continuidade de posições sempre presentes na cabeça daqueles que se preocupam apenas com essa questão. O que vem a ser um paradoxo porque qualquer vertente religiosa já sofreu perseguições, o que deveria ser suficiente para que encarassem os fatos da vida de forma aberta. Enfim, as pessoas se preocupam por demais com a sexualidade do outro, não? Beijo!
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