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domingo, 22 de fevereiro de 2009

Meu rugido dominical


Desde a última sexta-feira, o Brasil está, oficialmente, coberto pelo manto do carnaval, ou "carne vale", ou, ainda, a festa da carne. O nome é explícito e designa, atualmente, com propriedade o que significa o carnaval hoje: a festa da carne.

Essa festa de carne pode muito bem se referir tanto ao sexo quanto à exposição massiva de corpos. Carnaval, modernamente, é expor-se, mostrar-se, desnudar-se em público, de forma consentida e aplaudida. A permissividade é restrita ao contexto do carnaval: se no Brasil fazer topless ou praticar o nudismo é considerado uma agressão ao outro, no carnaval é bem-vindo que se mostre aquilo que, no decorrer do ano, o decoro cobriu.

E, atenção: a regra de mostrar vale para as mulheres, sobretudo. Se o homem expor a genitália, vira polêmica, rende polícia e, se for escola de samba, pode perder pontos e, no limite, o campeonato. Ou seja, ainda mesmo no carnaval, os limites da exposição do corpo estão bem delimitados.

Pode sim travestir-se: o homem tem permissão - e o faz, diligentemente - de se vestir e agir como mulher. Vira uma "putinha": pode agarrar, sentar no colo do outro, fazer dengo e festinha. Mas, cuidado! Tudo deve ser pudicamente considerado no âmbito do carnaval. Porque, ao raiar do sol da quarta-feira de cinzas, esse comportamento invertido deve ser esquecido e a vida prossegue, velada, coberta com o negro véu católico que esconde eventuais pendores que, no resto do ano, não são perdoados.

O carnaval, justamente, tem origem cristã. Surgiu na Idade Média, formado pelas festas lunares. O período em que se celebravam essas festas era marcado pelo "adeus à carne" ou "carne vale", o que deu origem ao nome "carnaval". Mas, à época, o adeus à carne não tinha nada a ver com o corpo humano, e sim com a carne de consumo. Pelas regras da igreja, era proibido comer carne animal.

Na Idade Média, cada cidade tinha seu próprio estilo de carnaval. A festa, como a conhecemos atualmente, nasceu no século XIX, apenas. E, por incrível que pareça, quem exportou o modelo do que hoje concebemos como carnaval - com fantasias e adereços - foi Paris. Não é coincidência o fato de cidades como Nice, New Orleans, Toronto e Rio de Janeiro terem, todas, forte inspiração no carnaval original parisiense.

Mas, antes ainda, no século XI, a igreja católica implantou a semana santa, precedida por quarenta dias de jejum (Quaresma). Esse período impunha a privação total dos prazeres da carne, fosse sexo, consumo de carne animal ou qualquer outra relação associada à carne. Antes, e não faz tanto tempo assim, havia, inclusive, um cerimonioso silêncio - nada de música, gritos ou conversas altas - durante os dias da semana santa. Na Quaresma, os homens não deveriam nem ao menos barbear-se ou cortar o cabelo.

Mas, para que tanto sacrifício fosse efetivamente feito, havia que se liberar o corpo e espírito de forma desenfreada antes. Era mais ou menos como cometer toda série de desatinos e saber que teria que se penitenciar pelos longos dias de privações que se seguiriam. Assim, alguns dias antes de ter início a Quaresma, os futuros "confinados" tinham os chamados "dias gordos". Particularmente, a terça-feira dita "gorda" era o dia mais importante: mundialmente, a terça-feira gorda é chamada de "Mardi Gras".

Pelos séculos, escorreram a Idade Média, a Quaresma e todos os demais apelos sagrados que festas relacionadas a carnaval ainda pudessem conservar. Do sagrado ao profano, o carnaval atravessou séculos para chegar a uma imensa festa da carne, feita de símbolos os mais diversos, mas, sobretudo, baseada apenas e tão-somente no corpo e, consequentemente, nos desejos da carne.

O carnaval é muita coisa: em algumas regiões dos EUA e em muitas cidades europeias, o Mardi Gras nada mais é do que se desnudar. Em New Orleans, talvez o Mardi Gras mais popular dos EUA, há que se mostrar os peitos (mulheres) ou pintos (homens) para se ganhar o maior número possível de colares. Quem mostra mais, ganha mais colares. Na Europa, grandes festas gays, com altas doses de sexo praticado em público, estão relacionadas ao Mardi Gras. E, no Brasil, afora o desfile oficial das escolas de samba, dominado sobretudo pela tirania da TV, o sexo rola solto, seja em Salvador, Florianópolis ou Recife.

Qualquer baile de carnaval, das capitais ao interior, pressupõe que a permissão está no ar, ainda maior do que nos dias de cinzas. Bebe-se, transa-se, fica-se. Cenas explícitas nos mais variados lugares. Quem não se lembra da era pré-AIDS? Daquelas revistas de sacanagem que traziam fotos de foliões e foliãs em autênticas festas de bacantes?

Carnaval, hoje, significa agremiação. Não de "comunidades" como as pessoas e mídia gostam de afirmar. Não, nada disso. Mesmo porque o termo comunidade pode determinar muitas coisas, entre as quais associações que se agregam para atingir um único objetivo. E, ao que me parece, uma festa coletiva de carne, com conotação de sexo, ainda não faz parte de um dos objetivos das "comunidades". Por enquanto, sexo selvagem coletivo apenas no filme "O Perfume". Eu acho, vai saber.

Quero dizer que nada tenho contra o carnaval e, Deus me livre, sou totalmente a favor do sexo. O que opino aqui é sobre uma festa que, ao contrário do que se supõe, desagrega. É um paradoxo: um evento que reúne milhares de pessoas, simultaneamente, as afasta. Quando o corpo vira moeda de negociação no mercado da "carne vale", resta somente isso: um punhado de carnes que se negociam em transações precárias que duram a passagem do desfile, do bloco ou nem isso.

É tudo exatamente como o tempo contemporâneo: rápido, fugaz, toma-lá-dá-cá. Festa da carne sim. Apenas do corpo. Porque o espírito ficará relegado e, muito pouco provavelmente, se fará notar diante de tanta opção. À quarta-feira de cinzas que se segue ao carnaval, segue também uma nuvem carregada de falta de espírito. De corpos usados e sumariamente rejeitados. Não sobram tampouco as cinzas. Apenas fumaça. Falta espírito. Falta conteúdo. Que preencha os corpos, desnudos, travestidos ou fantasiados. Porque a fantasia descola assim que a primeira hora anuncia a chegada do período de privação. E, aí, resta apenas o espírito para os próximos quarenta, 365 dias do ano.

2 Comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito de ler o que escreveste, principalmente, porque consegues retratar tão bem o que é o Carnaval por aí, fazendo uma reflexão muito interessante.Obrigada!

bom Carnaval

Ana

Redneck disse...

Ana, obrigado você pelo carinho e comentário. E, agora, vamos às cinzas, que é chegada a hora. Beijo!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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