Quem quer ser um miserável?
Da fantasia das telas diretamente para a realidade das favelas. O ator-mirim Azharuddin Mohammed Ismail, estrela do filme ganhador de oito Oscars "Quem quer ser um milionário?", depois de protagonizar uma chegada triunfal na Índia, recebeu a recompensa também em casa: segundo o tabloide inglês "The Sun", Azharuddin levou uma surra do pai por ter se recusado a sair de casa para atender jornalistas e curiosos.
Tanto Azharuddin, de 10 anos, quanto Rubina Ali, de 9 anos, foram recrutados para o filme em favelas de Mumbai. O sucesso de público e de crítica, no entanto, deve durar o mesmo tempo que os louros do Oscar demoram para secar.
(A matéria do "The Sun" com o choro de Azhar após a surra que levou do pai)
No filme, um vendedor de chá ganha dinheiro e descobre o amor no programa "Show do Milhão" local e, com isso, tem chance de escapar da miséria. Para fazer o filme, os produtores (Fox Searchlight) ajudaram financeiramente os atores-mirins e suas famílias. No entanto, com o sucesso, crescem o ressentimento entre famílias e vizinhos dos atores. O filme já lucrou mais de US$ 100 milhões. Mas, para a família dos atores, filme e vida real parecem ser a mesma coisa. A mãe de Azharuddin chegou a dizer que, se no filme o filho é um herói, na vida real o ator é nada.
Na Índia, cerca de 65 milhões de pessoas vivem em favelas, conforme levantamento do próprio governo. E, para os especialistas, a maior parte dessas pessoas estão destinadas a permanecer como estão, ou seja, miseráveis. É um problema cultural - a Índia é dividida socialmente em castas, que são classes sociais rigorosamente observadas -, mas, sobretudo, econômico e social.
(A recepção triunfal na chegada de Azhar à Índia)
É precoce afirmar que o casal de atores-mirins de "Quem quer ser um milionário?" permanecerá nas condições em que estavam quando foram selecionados para o filme. A ajuda dada pelos produtores às crianças inclui educação - ambos foram matriculados na Aseema, escola que ensina em inglês e é voltada para crianças menos privilegiadas de Mumbai - e um pagamento pelos 30 dias de trabalho no filme, com abertura de poupança no nome do pequeno casal. Os produtores não revelam o valor.
Mas, ninguém esperava, de fato, que o filme fosse rodar o mundo e voltar para a Índia dourado de tantos Oscars. O sucesso mundial fez com que a vida de Rubina e Azhar (diminutivo do nome do ator-mirim, que é perfeito para o atual momento) virasse do avesso: assediados em todo lugar, não podem nem frequentar a escola. E as famílias, agora, querem mais dinheiro dos produtores.
O pai de Azhar é doente e ganha entre US$ 30 e US$ 60 por mês. Azhar briga com a mãe e diz que o dinheiro (ganho dos produtores) é dele. Rubina não pode falar inglês na favela sob o risco de ser tachada de orgulhosa e, enquanto isso, as rodas da fortuna giram as engrenagens do filme.
(Rubina e Azhar no tapete vermelho na premiação do Oscar)
O governo indiano prometeu moradias novas às famílias dos dois atores-mirins porque o bairro em que moravam foi desmanchado pela prefeitura. Por enquanto, ambos continuam na favela, em precárias barracas de lona.
O caso dos protagonistas de "Quem quer ser um milionário?" é extremamente semelhante ao do ator Fernando Ramos da Silva, que protagonizou "Pixote" em 1981. Na ocasião, o filme foi eleito um dos dez melhores do ano. O ator, que tinha 14 anos quando foi selecionado para o filme, se envolveu com crimes, na vida real, e, em 1987, morreu assassinado em confronto com a polícia.
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