Meu rugido dominical
After hours! Depois das horas. É engraçada a expressão, já que não se refere depois de que horas exatamente. O conceito designa eventos que acontecem fora do horário comum, eu acho. Isto é, se é que existe algum horário que seja comum para determinada atividade.
Para a balada, after hours significa precisamente que uma festa ou segmento da noite começará além da hora convencional. Assim, por exemplo, um after hours pode ter início às 5 da manhã, às 10 horas ou até mesmo às 14 horas. Não importa. Desde que não se encaixe na categoria de "convencional", logo, é after hours.
Convencional, para a noite, é começá-la às 20, 21 ou 22 horas. É a convenção mundial da balada noturna, do baile, da festa ou de qualquer outra atividade relacionada à noite. Antes, entre 18 e 19 horas, as saídas podem se classificar ainda numa outra definição: happy hour. O que não quer dizer, efetivamente, que serão horas felizes.
Estabelecido que convencional é sair entre 20 e 22 horas (OK, dá para estender até meia-noite), qualquer festinha ou balada que comece depois disso pode ser um after hours.
Essa longa introdução explicativa é para constatar que a noite não tem mais fronteiras. Antes, eu saía de casa às 20 horas. E achava que era um bom horário. Com o tempo, as horas se estenderam literalmente noite adentro e a ida para a noite tornou-se interessante cada vez mais tarde, ou cedo, conforme o ângulo.
De forma que, as últimas vezes em que saí para a balada foi a partir das 3 da manhã. E, agora, mais recentemente, a partir das 5 da manhã. Há algo de perturbador quando você chega numa casa noturna com os primeiros raios do alvorecer. É surreal encontrar pessoas que se encaminham ao trabalho enquanto você se enfurna num lugar barulhento, movido a luz artificial e pessoas idem. É como refutar a realidade.
Essas longas jornadas noite (ou dia) adentro não se fazem impunemente. Exigem sacrifícios: de uma noite roubada ao sono, movida a álcool e, se a party ou rave perdurar pelas próximas 36 ou 48 horas (depois de muitas horas), há que se abastecer de substâncias ilícitas porque não, ninguém é de ferro. E, portanto, nem um ser humano é capaz de deter combustão suficiente para queimar horas seguidas e fazer cara de saudável.
Ao contrário. Olhos vidrados, narizes que fungam e falas incompreensíveis emolduram a noite. Ninguém, de fato, se entende. O som alto impede qualquer tipo de conversação. É mais fácil se apoiar nas expressões grotescamente felizes dos outros. Felicidade artificial, feita de ecstasy, cocaína, maconha, K, GHB ou ice. Tanto faz. O "doce" ou a "bala" darão continuidade àquilo que você, lá no início, almejava: uma energia falsamente positiva, prevista em script e circunscrita a determinadas doses de substâncias que, espera-se, agirão no seu corpo e cérebro.
De manhã ou, se você chegou de manhã, à tarde, quando você sai, o mundo real está estranho. Na calçada, as pessoas emergem do túnel escuro da balada para a luz natural, que insiste em marcar os traços borrados de uma maquiagem que derrete: olhos convulsionados, pele brilhante, cabelos desgrenhados, cheiro de noite.
E, no fim, quando você chega em casa, somente uma imensa vontade de dormir, depois das horas. Porque as horas passam e te ultrapassam. Rolou alguma coisa?, te perguntam, curiosos, os amigos. Se você saiu acompanhado(a), provavelmente rolou algum sexo vazio, sem significado outro que nada além do hedonismo, seu e do(a) parceiro(a). Para, depois de algum constrangimento no despertar desnudo, se deparar, um(a) e outro(a), com um(a) estranho(a). Ao tempo de fazer promessas vãs - quando se faz - e se despedir apressadamente para apagar os rastos ao final das horas. E sem que se sucumba ao bobo romantismo de se deixar ficar, languidamente, ao sabor das horas. Não! Nunca! Quem sucumbe é fraco(a)!
O escritor inglês Hanif Kureishi afirma que o sexo desumanizou as pessoas. "Geralmente, o sexo hoje em dia não passa de uma maneira de usar as pessoas. Pode ser produndamente prazeroso transar com alguém e não se importar com quem é a pessoa ou o que ela é. Antes, transar dessa maneira parecia algo muito libertador. Mas, nos anos 80 e 90, a sexualidade virou algo muito instrumental. Você simplesmente usa outras pessoas para se masturbar. E não há relacionamento nenhum. E tudo isso parece simplesmente narcísico, sem valor. Se, nos anos 50, reprimíamos o sexo, hoje reprimimos o amor".
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