Isto não é para você - XXIV
(previously, leia "Isto não é para você - XXIII", direto do Mimeógrafo Digital)
Uma vez resolvidas as questões práticas de como se localizar na cidade, horários, trânsito, pequenos aprendizados do comportamento árabe e regras de etiqueta exclusivas de países muçulmanos, Olívia começou a viver aquela vida nova. O trabalho a tomava. Doze, quatorze horas por dia. Não se lamentava. Era bom para a mente. A cidade e o país ferviam. O deserto cercava cada milímetro de Dubai. As tempestades de areia eram cotidianas. Mas, o oásis era maior que tudo isso. Tudo em Dubai transpirava um paraíso. Quem diria que você estava encravado no meio da areia e sobre o petróleo? Camelos, palmeiras e longas caravanas de tribos nômades eram apenas o arquétipo que Olívia tinha formado em sua cabeça. Dubai era moderna. Tanto quanto podia ser uma cidade artificial que tinha que importar água para sobreviver. O dinheiro circulava e o governo trabalhava para atrair os ocidentais. Dubai era a transição entre a Europa e o Oriente Médio. E que transição! Olívia viera preparada para enfrentar tempestades. Não só as de areia. Também as suas próprias. Mas, ao contrário, era tudo muito tranquilo. Ainda que suas instalações fossem provisórias, a vida parecia mais permanente agora que decidira alguma coisa. E, depois, recebera até um e-mail de um estranho, não?! Uma espécie de tapete vermelho estendido para o susto não ser tão grande. Depois de toda a confusão com Helena, Marcelo e Nicole em Londres, pensara que demoraria para superar tudo aquilo. Pensava também que havia pessoas que já sabiam de sua presença (Paul, do e-mail, Eduardo, de Nicole). E sempre podia gastar fortunas com telefone e chamar seu irmão, Antònio, em casos extremos de depressão e solidão. Só de imaginar Antônio e Leonardo por ali, com ela, sentia-se feliz. Por ora, curtia o momento. O sol que ardia lá fora fazia com que Olívia se iluminasse também. Seu emprego era ótimo e o trabalho, árduo. Ficava esgotada. Mas, isso lhe gerava mais energia. Uma força que emergia e que sempre soubera que tinha dentro de si. A conquista desse novo mundo lhe sorria, convidava-a para se arriscar. Até aonde deveria ir? Haveria limites? Dentro dos preceitos morais do novo país, sabia que havia convenções a serem seguidas. Fora disso, sentia que todo o sistema era flexível o bastante para permitir que estrangeiros como ela transitassem à vontade. Era política do governo, não era? Em sua sala funcional, provisória, mantinha uma reserva de vinhos. Nos Emirados Árabes, assim como em todos os países muçulmanos, a bebida era proibida. Mas, estava em Dubai e era estrangeira. Desde que fosse discreta, não haveria problemas. Pegou uma taça e sorveu devagarinho. Podia ver o mundo vermelho através da taça de vinho pela janela. Tudo brilhava muito. Um tom dourado. Sorriu mais uma vez. Algumas pequenas tempestades internas começavam a se desfazer.
(post script, leia "Isto não é para você - XXV" em O Quem)
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