Cordeiro X lobo
Estou na idade do lobo. Isso me torna um? Por mais que eu queira, não. Claro, sou leonino. Mas, lobo, que devora, que ataca, que, faminto, mata a vovozinha, não. Queria ser mais lobo na vida. Mostrar mais as garras. Creio que, a despeito de tentar me revestir de lobo, estou mais para cordeiro. Cordato (sim, sou, quando não contrariado, o que é raro), afável ( o quê?) e amável (sou sim, tá!). Bem, não sei. Estou pra lá de egocêntrico. O que sei é que a lã espessa de cordeiro encobre qualquer tentativa lupina de rosnar e mostrar dentes pontiagudos. Um lobo é temido e, simultaneamente, exerce um apelo irresistível sobre a vítima, que, paralisada, se deixa abater placidamente. Não que eu queira sair por aí e cometer assassinatos em série. Um lobo somente ataca para aplacar a fome. Olha a diferença: lobo, carnívoro; cordeiro, herbívoro. Mas, eu só gosto de carne vermelha. Odeio o verde que brota do meu prato. Que sou? Patas, as tenho de lobo, imensas. Orelhas, igualmente. Dentões, sim. Que mais? Não tenho focinho delicado de carneiro. Talvez eu seja recoberto de uma pelugem que me aproxime do símbolo da doçura. Contudo, longe de mim balir como uma ovelha desgarrada. Queria muito, ao menos, ser ovelha negra. Seria o mais próximo de um lobo que eu poderia chegar. Nem isso! Fico numa transmutação entre um e outro sem ser, efetivamente, nenhum dos dois. Quem souber de cursos de graduação lupina, me avise. Vou tentar passar uma semana nas savanas selvagens da Europa (se é que as há ainda) para me transmutar de vez. E destroçarei o cordeiro pela veia aorta de uma vez por todas. Guardarei somente o sininho do bichinho.
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