Meu rugido dominical
O homem brasileiro tem uma expectativa média de vida calculada em 69,3 anos. Já a mulher brasileira atinge, em média, 76,8 anos. Portanto, segundo a conta geralmente aceita e também conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o brasileiro - homens e mulheres - vive, em média, 73 anos.
Esses 73 anos, transformados em dias, são 26.645 dias. Na última sexta-feira, o programa 'Globo Repórter', da Rede Globo, transmitiu uma excelente produção feita pelo Discovery Channel do Canadá: 'The Body Machine' ('A Máquina do Corpo'). Infelizmente, por motivos contratuais, a própria Rede Globo informa que não pode divulgar o conteúdo em vídeo do programa.
Mas, entre outras informações bastante interessantes, 'The Body Machine' trazia uma série de números relacionados ao corpo humano: o sangue que viaja 19 mil Km por dia dentro do nosso corpo; 23 mil respirações feitas por dia; nascemos com 300 ossos e chegamos à fase adulta com pouco mais de 200 ossos; 77% do cérebro são compostos de água; somos capazes de captar e definir 1 milhão de cores; trocamos de esqueleto 16 vezes ao longo da vida; nossas fibras nervosas, se esticadas, atingiriam a extensão de 100 mil Km e traçariam duas voltas e meia ao redor da Terra.
Confesso que a produção era tão interessante que tentei baixar o programa original via BitTorrent e não consegui (ou seja, me comportar perfeitamente como um pirata de conteúdo). É que eu queria muito ter postado o vídeo aqui neste post.
Havia uma série de outras informações que dimensionavam a grandeza que é o corpo humano. Uma outra (recupero por lapsos de memórias porque, infelizmente, não gravei o conteúdo) informação dava conta de que nascemos com 16 mil sensores microscópicos no ouvido e que os perdemos ao longo do tempo: quando, após um estampido, ficamos com a sensação de zumbido, significa que perdemos mais alguns sensores. Mas isso não quer dizer muita coisa: somos capazes de captar mais de 400 mil sons diferentes cujas frequências variam entre 20 Hertz a 2 mil Hertz (a unidade Hertz mede a velocidade de oscilação ou de frequência dos sons naturais e artificiais).
Temos cerca de 86 bilhões de neurônios (o programa citou 100 bilhões mas essa contagem ainda é contraditória), que são as células do sistema nervoso responsáveis pela condução de todo e qualquer impulso nervoso gerado pelas famosas sinapses - e a piadinha dos dois neurônios Tico e Teco que não conseguem se concatenar faz sentido, sim.
Tudo o que fazemos é executado pelo sistema nervoso central. Esses atos podem ser voluntários ou involuntários. Os atos voluntários são planejados e feitos conscientemente: beber álcool, e não água; beber em um copo ou na garrafa; escrever aqui no blog ou desenhar símbolos pornográficos na porta de banheiros públicos (hei! eu não fiz isso! é apenas um exemplo); ler este blog, os blogs dos amigos e dos inimigos; jogar uma pedra na vizinha (eu fiz isso, quando pequeno); jogar videogame, futebol ou vôlei; jogar peteca ou se jogar na balada. A isso se dá o nome de ato voluntário: são, salve prova em contrário, ações pensadas e deliberadas.
Mas - e sempre existe o mas... - há outros atos que independem de nossa vontade e são executados de forma espontânea, do tipo 'quando percebi, já havia falado'. Bem, não é isso exatamente (isso é quando a língua é maior do que a boca e as palavras saem feito tsunamis incontroláveis). Os atos involuntários beiram mais as reações instintivas: é quando, mesmo protegidos por um parabrisas de carro, fechamos os olhos se um inseto bate de encontro ao vidro; quando alguém bate palmas, fechamos os olhos; quando tocamos em superfícies quentes, rapidamente tiramos a mão; quando (os homens) entramos em águas frias, contraímos o bilau a ponto de, como acabei de ler num livro, ficarmos com pequenas minhoquinhas entre as pernas.
Ou seja, os atos voluntários, planejados e executados, são comandados pelo cérebro. Os atos involuntários, ao contrário, que não são pensados antes de serem executados (e, portanto, são instintivos e também emocionais), são comandados pela medula espinhal.
E agora eu chego ao âmago da questão (não gosto dessa expressão porque indica, em jornalismo, uma muleta - recurso usado quando se quer destacar algo mas que, na verdade, não tem utilidade alguma a não ser poluir o texto). Portanto, uso à revelia para que você, leitor(a), preste atenção.
O programa do Discovery Channel, em dado momento, chegou à indefectível abordagem sobre sexo. Claro que o tema não poderia estar ausente numa produção sobre o corpo humano, ou, conforme o nome, a máquina do corpo. E, na linha editorial lógica, os produtores fizeram uso, uma vez mais, de números: segundo os cálculos, o ser humano tem, em média, 4.237 relações sexuais durante toda a vida.
E aqui retomo a expectativa de vida do brasileiro que abre este post lá em cima: vivemos, os brasileiros, em média, 26.245 dias. Se dividirmos esses dias 'úteis' pelo número de relações sexuais apontado pelo programa canadense - e a se considerar que as relações sexuais ocorrem à razão de uma por dia, para unificar a conta - transamos ou fazemos amor, conforme o olhar que se lance sobre o ato, cerca de 6.194 dias durante nossas vidas. São quase 17 anos. Se vivemos (os brasileiros, note-se), 73 anos, passamos pouco mais de 23% das nossas vidas a fornicar.
Assim que o programa da Rede Globo terminou, eu enviei uma short message (ou torpedo) para uma amiga e reclamei minha parte nesse latifúndio carnal. Ao que ela me retornou imediatamente e se colocou quase como uma virgem. Me disse, sem pudores - e, tenho certeza, sem rubores - que estava na casa da centena. Que, se bem calculasse, não haveria de ter passado nem as 237 vezes que completam a conta total, de 4.237 relações. Reclamou e disse que havia muito o que fazer nesse campo.
Eu, por minha vez, não me fiz de rogado e disse que estava na casa das dezenas. O que me deu pouco menos de 40 relações sexuais consumidas até aqui. Não vou abrir esse dado porque aqui não é um data room (sala de dados onde ficam guardadas informações exclusivas quando se fazem transações de aquisições ou licitações entre o mercado corporativo). Porque, se porventura afirmo que fiz pouco, serei tachado de inexperiente. Se digo que fiz mais, posso passar por promíscuo. Se fiz de menos, para algumas facções, posso me encaixar no perfil de 'semi-virgem', o que pode interessar a um determinado público. Outra plateia pode dizer que o motivo da minha contagem ser baixa justifica-se por eu não ter atrativos o suficiente. E assim por diante, num extremo (poucas relações) ou noutro (muitas relações).
Portanto, trata-se de um ato voluntário (planejado e executado) eu apenas citar o número de relações sexuais que o ser humano pratica durante a vida. Por outro lado, é um ato involuntário eu tocar no assunto porque denota uma preocupação latente (e evidente também) com o fato em si. É assim: embora eu seja racional a respeito, não estou contente com a minha atual situação. Você pode alegar que escrevo e, portanto, sou racional (ato voluntário). Mas, embora eu pense ao escrever, quero deixar nas linhas e entrelinhas a expressão da minha insatisfação (ato involuntário, mais forte do que eu).
OK, meu corpo não é uma máquina computadorizada que trabalha à base de cálculos. Quer dizer, objetiva e cotidianamente, nenhum de nós age assim, como uma maquininha que cumpre o processamento diariamente e, ao final do dia, gera um relatório de perdas, danos e ganhos.
Mas, em oposição, conforme mostrou o programa de TV, somos exatamente maquininhas, cheias de cálculos e processamentos que são feitos, queiramos ou não.
E, voluntariamente ou não, sinto que a minha máquina não está a processar certas funcionalidades para as quais foi feita de forma eficiente. Mais do que isso: quero toda a extensão a que tenho direito (segundo os cientistas) desse número 4.237.
5 Comentários:
ahahahah. extraordinário esse seu auto rastreio! meu caro, curiosamente ou não,"eis o âmago"- há dias, não mais do que um par, repensava (certas recorr~encias minhas...que fazer?...) essa óbvia e inevitável rrelação, ou será mais do que isso?, entre corpo (e aqui cabem todos os sistemas, nervoso e outros) e aquilo que chamamos de mente, o tal santo graal de nossas escolhas, livres, voluntárias, deliberadas e por aí vai. Somos frágeis, concluia eu, ao ponto de que a falta ou carência de uma vitamina, sinapse, hormona, orgão, nos alterar, às vezes aoo ponto de nós mesmos nos (i)rreconhecermos, ficando mais humildes quando reclamamos autoridade pra nossas "Razões"... meus estados de espírito, por exemplo, há neles todos algo em comum comigo, nem que seja o hábito na alternância (outro dia ouvia lá um cientista para quem eu encaixaria talvez na lombada dos BIPOLARES..rsss). Porém, basta um dia de revolta no mundo das hormonas, um acesso de raiva hipotalâmico (viu, hã??? rss) que quase entra em exaustão, ou até, como vc diz, o sexo que reclama sua satisfação, maioria das vezes reprimido por razões artificiais que se sobrepoem. Tem a ver com nossa "antiga" conversa de almas e seus conteúdos. Alegaria, talvez, que o conteúdo da minha aqui se exprime, expressa, com maior ou menor eloquência (ah, isso também depende de tanta coisa que não é voluntária!), dislexia, sintonia... entretanto me perco no turbilhão de ideias se formando apelando ao futuro próximo, olho o relógio, computo minutos inultrapassáveis, tento ultrapassar a antecipação do desgaste e disfarce diário - td bem, obrigada! vai-se andando!... e nisto me perco- ou não- entre linhas e entrefolhos mentais. Digamos, se calhar no canadá se transa mais, afinal são um povo pacífico e despreocupado! (se anima cara!) E com mais ou menos transa, fica ainda a questão:- com ou sem conteúdo? Estará ele-conteúdo- mais no que controlamos ou, como diz, em aquilo que é mais forte do que nós?...
Para mal meu, consigo muito pouco discernir entre esse involuntário orgãnico e maquinal daquilo que é fruto de minhas escolhas e razões, algumas austeras. - ou será o "corpo" e seus entrestercos que dominam quase tudo, até esse excesso de racionalidade da qual cada vez mais duvido?!... confesso, porém- evito aquilo sobre o que considero não poder controlar, tanto mais quanto outros seres humanos estiverem nisso envolvidos. Que seja o corpo tirano de mim mas livrai dele os outros, pessoas, com seus corpos e suas mentes... fraqueza? força? medo?... não sei.
Dir-lhe-ia que não tivesse pressa e sobretudo deixe de lado estatísticas canadianas, mas já sei que é isso que o atormenta. por isso só digo que prestei atenção.
sei que não é isso que o atormenta, queria dizer.
ah, e relendo, acho que se alguém entender uma lhufinha do que escrevi, ...é mais doido que eu!
bom dia e boa semana!
O programa deve ser mesmo interessante e o teu testemunho pessoal no que respeita à parte sexual do referido programa está muito bem elaborado.
Abração.
UFMing, me denomine louco, pois, que eu a compreendo perfeitamente. Assim como você me compreende muito bem. Todo o ziguezaguear entre corpo e emoção que você descreve é fato. Também a mim, por vezes, segundo alguns cientistas, me caberia o rótulo de bipolar. Acho que bipolares são os cientistas que não percebem que a falta de afeto no mundo é que nos leva a tantos altos e baixos de segundo a segundo. Você falou em conteúdo e, sim, eu quero conteúdo. Que o corpo reclame fisiologicamente pelo sexo, assim como reclama de fome, de frio e de exaustão, isso é da natureza. Agora, não sei porque evoluímos tanto a não ser pelo fato de corpo e alma (conversa antiga, você tem razão) se distanciarem tanto. Era preferível ficarmos sob o abrigo de cavernas e, para satisfazer as necessidades primitivas, bastava olhar para o lado, pegar o tacape e abater a comida (sexual e literal). Sem machismo e enrolação. Simples assim. Um jogo de domínio e submissão, como sempre foi. Mas, não. De degrau em degrau, ascendemos tanto que nos custa a entender que as tormentas nos afligem a todos da mesma maneira e, ao final do dia, estamos todos infelizes. Seja pelos atos, não-atos, medo de ser seduzido, de seduzir, medo do outro. Verdadeiramente, como você observa, não é isso que me atormenta, e sim a atonalidade desse vazio, a sensação de sempre estar numa busca que, de fato, carece de fundamento. E aí se cai de novo no mesmo dilema: é o conteúdo? O corpo? O outro? Eu mesmo? Só sei que nada sei, para dizer mais uma vez essas palavras tão gastas depois de tão proferidas. E acredito que o outro também nada sabe. E nesse des-saber, morremos todos exaustos de tanto pensar e não concluir nada. Claro que penso que se fosse um selvagem a morar no meio do mato seria mais feliz. Mas, que fazer? Até os nossos índios andam a cometer suicídio!!! Melhor parar de pensar? De escrever? De provocar uma lobotomia deliberada no hipotálamo? E quanto ao Canadá, te digo, de testemunho de quem lá está, que o fato de terem mais despreocupações mais os preocupam ainda. E por aquelas bandas andam tão confusos quanto nós. Assim como andam os escandinavos que, se qualidade de vida bastasse, seriam o povo mais feliz da terra e, de novo, você já deve saber que o índice de suicídio por lá é dos mais altos do mundo. O que sei, de longa data, é que somos, os humanos, tão instáveis quanto um gás explosivo. E talvez por isso queiram nos taxar de bipolares. No fim, somos todos bipolares. E acho natural. O gás, contido, fica, portanto, reprimido. Solto, explode ou lança-se imediatamente na atmosfera. Isso é natural, não é? Sei lá. Ou entro numa seita de devassos libertinos ou me recolho a um mosteiro budista para meditar sobre a parca existência. Beijo (e um bom final de semana porque a minha semana foi tórrida - não de sexo, caso queira saber, e sim de trabalho).
Pinguim, pois foi exatamente dessa maneira que tentei passar. Gostei muito. E sempre gosto dessas proporções que nos relativizam. Tendo a achar que esse tipo de abordagem nos coloca apenas como um elemento da cadeia, e não (a despeito das provas em contrário) como donos da cadeia. Abraço!
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