Alguma coisa acontece no meu coração...
...e em mais 191.828.286 corações (éramos o total de brasileiros às 22:22 horas desta sexta-feira, dia 2, segundo o popclock do IBGE) quando somos tomados pela emoção e nada mais nos contêm: nem os muros de decepções, nem as cercas de proteção que criamos à nossa volta e tampouco as defesas que construímos pouco a pouco. Vejo tudo ruir, ir abaixo feito castelos de areia.
Nesse momento, sinto-me, mais do que nunca, conectado ao mais íntimo significado de brasilidade: uma nação de chorões, cujos corações, por mais sofridos e castigados que sejam, mutuamente nos encontramos, num fugaz instante, e celebramo-nos a nós mesmos.
De ofício e de formação, sou racional. Não costumo mais me emocionar com sentimentos coletivos, bons ou ruins. Limito-se a assistí-los e, no máximo, a observá-los com certo cinismo próprio de quem se acha acima das superfícies porosas de mazelas, desgraças e infinitas dores que afligem o grosso do povo. Esse desdém não é calculado. Ao contrário, me visto dele para não capotar junto. Mas, exatamente por serem porosas as superfícies é que, longe de eu me distanciar, sempre estarei pronto a vazar pelos poros, e bem mais colado à massa popular do que quer supor a minha tola filosofia.
Claro, nuvens de dados, de informações e de argumentos brotam nos meus céus. Mas imediatamente as inundo, a essas nuvens, feito uma chuva torrencial. Chuva salgada, brotada de lágrimas coletivas às quais me junto. E, já sem o menor pudor, viro povo. Me emulo no povo e sou povo, finalmente. Devidamente entranhado no que mais bonito pode haver nesse povo: a emoção.
Que corre à solta. Que nos diferencia e nos coloca em outra categoria, a de bezerros desmamados. Choramos e berramos de tristeza. De felicidade. Pelas tragédias. Pelas perdas e pelos ganhos. Por nós mesmos e pelos outros. É um chororô eterno. Que me irrita, sim!
Ainda ontem afirmei, convicto (oh!, que pretensão!), a uma amiga que me relatava uma humilhação seguida de choro. Eu dizia: você tem que parar de se submeter, de chorar porque a pessoa te reduziu porque, ao chorar, você reafirma e legitima o domínio que essa pessoa tem sobre você. Sou cheio de conselhos, como você pode ver. Claro, eu, o controlado, não vou chorar, derramar lágrimas por besteiras.
Eu, que apontei dardos e petardos: olhai as mazelas nos campos e nas cidades, a ausência de água filtrada, de saneamento (básico, não o tratado), de luz elétrica, de educação, que o analfabetismo cresceu ao invés de se reduzir. Eu que xingo a rudeza do povo, a falta de educação dos que avançam nos semáforos, dos que entopem as escadas do metrô, dos camelôs que tomam as calçadas e nos colocam, pedestres, na mesma faixa dos veículos. Abomino, sempre que posso e também quando não posso, essa incivilidade, gerada talvez graças à confluência das três raças: do índio, do branco e do negro.
E mais: misturada com uma infinidade de outras raças, numa festa promíscua de miscigenação que, por fim, me deu, a mim mesmo, origem: pois que descendo de sírios, turcos e espanhóis e olhe lá se não houver algo mais nesse molho.
Portanto, eu me obriguei a uma racionalidade que não a encontro. Não a vejo refletida na lida do dia. Que, turco/espanhol, deveria eu, portanto, ser mouro. E, como mouro, ser árido, de grossa crosta. Que do lado espanhol, minha bisavó, hirta e hirsuta, vinda lá da Catalunha, não se permitia luxos: era toda embrulhada em preto, com vestes enrugadas a lhe cobrir a pele igualmente enrugada, fechada às dezenas de botões que nunca floriram. Que não havia sorrisos gratuitos. Não havia sorrisos. Ponto.
E da paterna face eram só rezas ferozes e pouca alegria pagã. Do que herdei uma carranca facial e mental.
E da qual não pretendia me desfazer. Eu, cínico! Crítico! Leão feroz a abater presas fáceis! Ora! Foi tudo pelos ares: comemorei, celebrei, chorei. Verti lágrimas e me uni ao Lula chorão. A um Brasil emocionado na TV, cujo jornalismo tornou-se, uma vez mais, um carnaval de emoções de apresentadores. Mandei tudo para o espaço: danem-se as ausências de infraestrutura, as difíceis condições básicas de sobrevivência, o clamor por um futuro que não chega!
Me juntei ao povo. De novo, me fiz povo. Virei num átimo um brasileiro a mais e tive orgulho dessa pátria. De um tudo: do povo, do presidente que chora na TV mundial, de mim mesmo e por todos. Por tudo o que somos e por aquilo que almejamos. Por um fogo sagrado que nos alimenta e nos consome sempre assim, como uma vela a pingar gotas quentes e depois torna-se fornalha para lançar terríveis chamas. Que queimam a garganta, aquecem o coração e feito fundição, fundem o coração e nos fazem arder: neste momento olhamos para os lados e somos iguais.
Somos assim, o Brasil. O brasileiro, se métrica houvesse para medir, é 98% de emoção e 2% de razão. Chora porque vai embora. Chora quando chega. Vibra com coisa pouca: um gol do time amado, a reunião no boteco da esquina, o nascimento de uma nova vida. Somos festivos, barulhentos. Tenho raiva dessa condição por vezes. Mas quando estou eu a festejar e a fazer barulho, que se danem os demais.
Somos assim, o Brasil. Egoístas de nossas alegrias, tão poucas e ao mesmo tempo tão demasiadas que chega a doer. Nos derretemos nas lágrimas para chorar os mortos. Para batizar com as lágrimas os recém-nascidos. Lembro-me de um amigo, falecido, que proibia veemente lágrimas, choro e cenas no próprio enterro e nos ameaçava com potenciais voltas do além caso agíssimos como carpideiras. Qual o quê! Quando ele se foi, não foram poucos os que soluçaram alto e sem pudor. Somos assim, o Brasil.
(P.S. Faço deste post uma homenagem a todos nós. Não pelo ufanismo puro e simples ao qual eu sempre repudio. Mas, me desculpe, abram alas porque temos que passar. É urgente que passemos. Teremos, nos próximos seis anos, duas oportunidades de passar por essa catarse coletiva que nos libera a todos de qualquer mal: a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Por mais defeitos que eu encontre, me é impossível não sucumbir ao coletivo nacional. Somos assim, o Brasil.)
9 Comentários:
Sergito, seu post é tão verdadeiro que vou repassar pro meu amigo americano que está cobrindo o evento no Rio. Quem sabe ele vai conseguir nos entender um pouquinho. Eu também me deixei contagiar por aquele momento fugaz. Sou brasileira. O melhor de todas as imagens? O presidente do Banco Central pulando feliz, abraçado ao Paulo Coelho...Beijo!
Antonia, você consegue imaginar em que outros termos o Henrique Meireles e o Paulo Coelho se atraquem feito amiguinhos dessa forma? Nem o próprio Paulo Coelho chegou a tanto na imaginação. Beijo!
Parabens!!!
Abraço-te
Aeeeee...valeu. bjs
Sérgio
acredita que fiquei imensamente feliz com a escolha feita pelo Comité Olímpico...
E pensei automaticamente em ti e em mais cerca de 10 amigos brasileiros que a blogosfera me deu, em boa hora a conhecer.
Os meus parabéns e o teu orgulho está mais que justificado.
Abração daqui do outro lado do Atlântico para ti e para todo o Brasil.
Rodrigo, obrigado pela oferta mas, no momento, não tenho interesse em fazer transações comerciais com o blog. Abraço!
Abraço-te, obrigado. Mas desde já aumenta o meu nível de crítica com esse amado País. Abraço!
Patty, não é que eu me derramei; me esparramei mesmo. Mas já voltei a mim. Beijo!
João, tenho certeza de que você compartilha conosco esse momento. Afinal, nossas raízes têm ligações tão profundas e ligadas a vocês que não carece de explicações. Obrigado pelo cumprimento e por entender o orgulho. Recebo o teu carinho, os parabéns e o abraço coletivo, pois. Abraço-te de volta!
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