São Sebastião e o torso de Apolo
São Sebastião
Como alguém que jazesse, está de pé,
sustentado por sua grande fé.
Como mãe que amamenta, a tudo alheia,
grinalda que a si mesma se cerceia.
E as setas chegam: de espaço em espaço,
como se de seu corpo desferidas,
tremendo em suas pontas soltas de aço.
Mas ele ri, incólume, às feridas.
Num só passo a tristeza sobrevém
e em seus olhos desnudos se detém,
até que a neguem, como bagatela,
e como se poupassem com desdém
os destrutores de uma coisa bela.
(tradução de Augusto de Campos)
O torso arcaico de Apolo
Não conhecemos sua cabeça inaudita
Onde as pupilas amadureciam. Mas
Seu torso ainda brilha como um candelabro
No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado
Detém-se e brilha. Do contrário não poderia
Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva
Dos rins poderia chegar um sorriso
Até aquele centro, donde o sexo pendia.
De outro modo erger-se-ia esta pedra breve e mutilada
Sob a queda translúcida dos ombros.
E não tremeria assim, como pele selvagem.
E nem explodiria para além de todas as fronteiras
Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar
Que não te mire: precisas mudar de vida.
(tradução de Paulo Quintela)
Ambas as poesias são de Rainer Maria Rilke (1875-1926), cuja obra encorajava (e ainda o faz) a reflexão quanto ao desencantamento. Esse desencantamento o desenterro dos começos do século XX para os trazer para cá, atualizados e por certo mais que precisos para me definir: preciso mudar de vida, pois a tristeza me sobrevém, como setas que chegam, de espaço em espaço, assim à guisa de raios destrutores de uma coisa bela. E por certo o são. Estou cansado. E já não consigo rir, incólume, às feridas.
2 Comentários:
Sebastião, seja santo ou não, traz sempre conotações homossexuais e de uma certa estética masculina.
É curioso que muitas personagens homossexuais no cinema tenham esse nome...
Rainer Maria Rilke foi um dos escritores mais reflectivos do século XX e tem tanto de apaixonante como de dificuldade de entendimento imediato.
Abraço.
Pinguim, tanto é assim que o flechado é ícone gay das mais diversas formas. Quanto a Rilke, é maravilhoso, não? Eu me identifico plenamente. Abraço!
Postar um comentário