Rastreio de cozinha - 5
O alginato é extraído de algas marrons do tipo Phaeophyceae e é usado pela indústria farmacêutica, por dentistas, protéticos e também no ramo têxtil. E, mais recentemente, passou a ser usado intensivamente pela indústria de alimentos: o alginato forma gel em temperatura ambiente, que é usado para aumentar a viscosidade dos sucos de frutas, dos sorvetes, dos recheios de tortas e das coberturas de bolos e ainda funciona como espessante em pudins e outros produtos congêneres, assim como é estabilizador de espuma em cervejas.
Exatamente por conta dessa propriedade estabilizadora, o aginato (ou ácido algínico) é de grande uso na técnica de "Esferificação" (formação de esferas), criada pelo chef catalão Ferran Adrià (dono do prato que estampa este post), que comanda o famoso el Bulli, em Barcelona.
Adrià criou a técnica de encapsular sucos, frutas e vegetais em bolhas que explodem ao serem tocadas pela língua do comensal. Isso é esferificação em gastronomia. No Brasil, é bastante difícil encontrar o alginato, assim como é impossível reproduzir as técnicas do badalado Adrià, que é químico de formação e, mais do que criar técnicas gastronômicas novas, inventa tecnologias caras e únicas. Além de não termos os mesmos ingredientes aqui no Brasil, também não temos ninguém disposto a bancar as tecnologias proibitivas de Adrià.
Ferran Adrià, Thomas Keller, Heston Blumenthal, Tetsuya Wakuda, Daniel Boulud, Pierre Hermé, Daniel Myers e Charlie Trotter são alguns dos nomes que ouviremos durante esse segundo ano da faculdade de gastronomia e, particularmente, na disciplina Cozinha Contemporânea, cujas aulas aconteceram nesta sexta-feira, 29, de ano bissexto.
O que é contemporâneo? Você deve se lembrar que estudou a Antiguidade, a Idade Média (ou Medieval), o Renascimento e a Idade Moderna. Ao tempo atual, em que você e eu vivemos, damos o nome de Idade Contemporânea. E contemporâneo é isso: o hoje, aqui e agora. Gastronomia é como a moda: efêmera, passageira. O que era novo ontem é antigo amanhã. E o passado sempre é revisitado em "releituras" modernas. O hoje da gastronomia é contemporâneo. Adrià é contemporâneo porque revolucionou a forma de fazer e apresentar a comida. Assim como a nouvelle cuisine foi, à sua época (anos 60), contemporânea, e hoje já é passado.
A disciplina de Cozinha Contemporânea abordará os seguintes temas: criação, vanguarda, fusão (fusion food), releitura, desconstrução, slow food (em oposição ao fast food, significa um retorno às origens, à comida com gosto e cara da comidinha da sua - e minha - mãe), confort food/orgânica, cook chill (cozinha industrial - catering, hospitalar, escolar) e food design (decoração de pratos).
Vamos fazer pratos exóticos como tartare de atum com pérolas de caviar (onde as pérolas são à base de sagu), ravióli com creme de caju, risoto de queijo coalho, salada caprese e uma série de outras produções que envolvem tudo o que descrevi no parágrafo anterior. Só para citar um exemplo, o quindim pode ser desconstruído e transformado em um sorvete de gemas com tuille de côco. Na desconstrução, todos os ingredientes do prato original devem ser preservados.
Volto à questão: o que é contemporâneo? É o que está na moda, mas, também é o rotineiro. Um prato pode ser bonito para mim e feio para você. Pode ser gostoso para você e horrível para mim. Isso nem é mais contemporâneo. É apenas do humano: a subjetividade. O que está na moda nem sempre representa a preferência da maior parte das pessoas. No entanto, indica tendências. E isso é contemporâneo.
Na cozinha contemporânea, o prato é uma tela em branco que terá que ser preenchido com textura, harmonia de cores e volume. Não é um carro alegórico, alertou a professora. Não deve ser um desfile de carnaval que você deve tirar as alegorias para poder comer. Se bem que há casos de uso de tapa-sexo de 4 cm que são somente vagas referências a qualquer tipo de alegoria. E, by the way, carnaval significa "festa da carne", logo, penso, é comida! Ou não? Ai, assim você me confunde! E já nem sei se sexo é contemporâneo. Faz tanto tempo. Acho que ficou na minha idade média.
Enfim. Trata-se aqui de comida, contemporânea, do dia-a-dia. De pratos que custam mais de R$ 5 mil no festejado The Fat Duck (Londres), 3 estrelas Michelin, do chef britânico Heston Blumenthal. Do catalão Ferran Adrià, que criou a cozinha molecular. Do brasileiro (e tatuado, hummm ...) Alex Atala, cujo D.O.M. resgata ingredientes da terra (sobretudo região Norte). Do querido Mestiço, de Ina de Abreu, que eu frequento quase desde a origem. Do Capim Santo, da chef Morena Leite. Do Carlota, da Carla Pernambuco. E muitos outros. Todos contemporâneos. Que fazem releituras, desconstruções, fusões, criações. Que são de vanguarda.
(Rasteje: Já comi esta sobremesa algumas vezes e a considero digna da ambrosia dos deuses do Olimpo: o suflê de goiabada com calda de catupiry do Carlota, que nada mais é do que uma recriação de Carla Pernambuco sobre o famoso Romeu & Julieta (queijo Minas e goiabada cascão). De lambuja para você se lambuzar, te passo a receita: Ingredientes: 1/2 quilo de goiabada; 8 claras batidas em neve; 1/2 xícara de requeijão; 2 xícaras de água; 1/2 xícara de catupiry; 1 xícara de creme de leite fresco. Preparo: dissolva a goiabada com a água quente até ficar com consistência pastosa e deixe esfriar. Bata as claras em neve. Misture a goiabada com as claras e, em fôrma própria para suflê, leve ao forno pré-aquecido moderado para dourar. Derreta o requeijão, o catupiry e o creme de leite em banho-maria. Deixe esfriar e sirva separadamente. Não sei se ficará tão bom quanto o da própria Carla. Tente ao menos. Se não conseguir, vá ao Carlota - em São Paulo, rua Sergipe, 753 - Higienópolis; no Rio de Janeiro, rua Dias Ferreira, 64 - lojas B e C - Leblon.)
2 Comentários:
Que legal! Você já conhece o site do Slow Food Brasil? Tenho certeza que vai gostar: www.slowfoodbrasil.com
Slow Food Brasil
Oi Tereza, você é do Slow? Eu não conhecia não. Já está nos meus preferidos. Aparece. Beijo!
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