Os que ignoram estar mortos são os mais difíceis de aturar
Porque continuam a nos habitar como se fôssemos o mesmo lar de outrora, não em ruínas como estamos; antes, nos vêem como alicerces de suas próprias vidas como se não tivéssemos, nós mesmos, alma própria.
Somos albergues. Oferecemos proteção, conforto, calor. Depois da borrasca, vão para as ruas. Olvidam-se da sensação de bem-estar anterior. Quando pegos pela tempestade, náufragos de significados, procuram-nos, certos da nossa permanência.
Se ignoram estar mortos, é porque estão vivos demais. Suas mortes não foram processadas. Não foram avisados dos próprios funerais. Não os choramos suficientemente para que o som das carpideiras embalasse o ritual de passagem e a barca os levasse.
Mortos estão. Concretamente, enterrados abaixo de sete palmos. São cadáveres rígidos, a caminho de ser fantasmas. Que persistem, mas, não assustam, de fato, posto que são apenas resquícios pálidos, evanescentes como uma névoa.
Mortos, sim. Que a tumba já está ressequida pela ação do tempo e a terra faz a amálgama do pó ao pó.
Que faltou, talvez, a divulgação extensiva de suas mortes, proclamas de seu desaparecimento. Mas, que são mortos, ah! isso são. Mortíssimos, envoltos em mortalhas feíssimas, escuras, sem sentido. Que se fechem em suas lápides e errem pela eternidade. Sem redenção. Que não sou Deus para redimir e, se o fôsse, ainda assim não redimiria.
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