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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Rastreio de cozinha - 2


Terça-feira, 26 de fevereiro de 2008. Segundo dia de aula. Segundo ano. Segundos. Tudo é uma questão de segundos, às vezes, não? Hoje, saí mais cedo de casa e tive a sorte de embarcar mais rápido. Na estação Paraíso do metrô, havia pessoas demais para trens de menos, como é usual. Tive sorte, como a tiveram os meus colegas de estação. Chegou um trem vazio. Sempre que chega um trem vazio no Paraíso, as pessoas comemoram. Sempre. É engraçado. Celebram o fato como se, com o trem, viesse junto um pedacinho de paraíso. Como se o direito de ir e vir, assegurado teoricamente, fosse uma benesse. Simultaneamente, acho cômico e triste.

Cheguei cedo. Deu tempo para um café. Para um cigarro. É a primeira semana. Não há stress, apenas reencontros. Novos rostos do primeiro ano. Novos professores. As apresentações prosseguem.

Hoje, minhas aulas foram de Panificação. Serão alternadas, quinzenalmente, com as aulas de Confeitaria. Aprenderemos 30 tipos de pães. Serão 40 horas de prática. Primeira coisa importante a saber sobre o pão: não sove a massa. Há três métodos para fazer a massa e a sova não está entre essas maneiras. Não se acabe e aos seus braços num boxe desenfreado com a massa. Isso realmente não é necessário.

O pão é o segundo alimento mais consumido em todo o mundo. O primeiro é o arroz. No Brasil, a panificação é considerada um segmento menos nobre da gastronomia. Não há tradição de panificação. Não como na Alemanha, onde cada padaria tem mais de 50 tipos de pães. Tipos mesmo: diferentes massas, recheios, sabores. No Brasil, em média, as padarias oferecem 15 diferentes formatos. Note o detalhe: formatos, não tipos. As massas brasileiras - doce, salgada e semi-doce - são as mesmas para todos os pães. Na Hungria, outro país com tradição em panificação, também há uma infinidade de tipos de pães, inclusive com diferentes grãos de trigo.

Aqui, as farinhas de trigo são quase que todas iguais, seja Dona Benta, Renata, Sol, Anaconda, Lili e outras. Essas "mulheres" de trigo não têm qualidade. São quase, quase ... vagabundas. Aprendemos, habitualmente, a fazer pão com pré-misturas industriais. Não conhecemos o trigo, puro. A branca farinha de trigo, sem fermento, sem mistura. Como deveria ser uma outra, cujo comércio se dá de forma obscura e ilegal e, portanto, sem fiscalização e, por isso, sem qualidade.

O pão tem registro histórico que retrocede a 6 mil anos. É um alimento cultural, com apelo religioso. Na religião católica, a hóstia é o pão estilizado. Pão que significa alimento espiritual. Na I Guerra Mundial, o embate entre o Império Austro-Húngaro e o Império Turco-Otomano gerou a dissolução de ambos. Para formalizar a queda dos impérios e o início de uma nova Europa, os europeus quiseram celebrar a paz com o croissant. Como se sabe, o croissant tem a forma de uma meia-lua. Esse formato é símbolo do Islã. Os países europeus tiveram que pedir autorização para a Igreja Católica para sacramentar o croissant como símbolo do final da guerra.

Agora, pasme! O pão francês, assim como a pipoca de ontem, é um produto genuinamente brasileiro. Não existe em nenhum outro lugar a não ser aqui, neste país que você e eu chamamos de nosso. O pãozinho francês surgiu há cerca de 90 anos no Brasil pelas mãos de um brasileiro que, em viagem à França, quis reproduzir aqui o baguete daquele país. O mais próximo que chegou do baguete foi o pão francês. E assim permaneceu até hoje. O baguete é mais crocante do que o pão francês e também tem outro tipo de miolo. O pãozinho francês caiu no gosto popular.

Pasme de novo: o pão de queijo não é considerado pão. É um prato. Não há classificação, em panificação, para o pão de queijo. Também não existe uma fórmula única, registrada e guardada no imenso arquivo de comida típica (que nós, no Brasil, somente agora começamos a registrar como patrimônio histórico). O pão de queijo é feito pelas padarias no Brasil porque há demanda. Mas, que não é pão, não é! E a sua receita de pão de queijo é tão válida quanto a minha. É como a pasta e o molho de tomate dos italianos: cada um tem a sua, que é considerada melhor do que a da família vizinha.

Nós aprenderemos a fazer pão francês, o não-pão de queijo e outras variedades (não tipos, como na Alemanha e Hungria). Porque no Brasil há falta de mão-de-obra de padeiros. Há demanda e não há profissionais. Ninguém mais quer fazer pão. Os pães que você (e eu) compra na padaria são semi-industriais: é só ligar o botão da máquina misturadora, temporizar o forno e pronto! Lá está o pãozinho francês. Ninguém mais sabe como fazer um pão. Você já fez? Não aqueles de massa pronta. Mas, o processo inteiro, com fermento, com tempo de descanso. A tempo de ver a massa crescer. Com ou sem a bolinha que flutuará no copo d'água (sabe do que falo?).

No início, o pão não levava fermento. Era só farinha, água e sal. Como os pães árabes (dos filmes iranianos) e judaicos e outros, mais sofisticados, da Itália. Por acidente (e sempre é assim que acontece), descobriu-se que, se a massa ficasse reservada por um determinado espaço de tempo, ocorria o processo de fermentação (microbacilos vivos, lembre-se do Yakult). E descobriram que o pão ficava, assim, mais macio. Ah! Antes que eu me esqueça: a sova. Não bata ou surre a massa como se fosse uma pessoa objeto de seu ódio ou se você fosse um(a) Menino(a) de Ouro. Os métodos apropriados são: rasgação (da massa; não é de seda e tampouco da pouca roupa que restou naquele momento mais primitivo), fermentação e esponja. Explicarei cada um deles à medida que aprendê-los.

Aliás, o fermento deve ser conservado sob refrigeração. Nunca, eu disse nunca, congele o fermento. Se você o fizer, quando descongelar, o ingrediente derrete. Como disse o professor, não é como as pessoas. Aquelas, que você "dá um gelo" por um tempo e depois as reaquece (ou congela de vez, depende). Essas pessoas, congeladas, quando reanimadas, não derretem, (in)felizmente.

(Rastreie: para viajar na massa - e não na maionese -, você pode ler dois livros: "Seis Mil anos de Pão - A Civilização Humana Através de Seu Próprio Alimento", de Heinrich Eduard Jacob, editora Nova Alexandria, 581 páginas, R$ 68,00, e "Pão Arte e Ciência", de Sandra Canella-Rawls, da editora Senac, 320 páginas, R$ 47,00.)

2 Comentários:

Sig Mundi disse...

Red,

Estou adorando esses seus relatos.
Minha família é do interior de spaulo, e aprendi a fazer pães, roscas, bolachas com minha avó. Adoro cozinhar, e as vezes sinto muita falta.

Aqui em Moscou tem muitos pães diferentes e deliciosos. Eles usam muitas sementes e grãos. Outro dia experimentamos um com nozes, tinha no miolo, uma delícia! E por aqui o pão preto é bem apreciado com chá.
Boas experiências!

bjs, andrea

Anônimo disse...

Aprendi mucho

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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