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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Rastreio de cozinha - 4

Gift, em inglês, significa presente, dádiva. Gift, em alemão, significa veneno, peçonha. Daí que existe o conceito de dádiva-veneno. Aquele pelo qual você é "obrigado" a retribuir um presente porque alguém te deu algo. O veneno referido entra a partir do momento em que você recebeu um presente caro, acima de suas posses, porque a pessoa que o presenteou o fêz para mostrar poder econômico sobre você. Por isso, o veneno. Os alemães sabem muito bem dar significado às palavras.

E por que você diz "obrigado"? Porque você foi servido por alguém e tem que retribuir o gesto. Daí que você se sente "obrigado" a dizer obrigado. Tudo isso parece filosofia de quem viaja em temperos exóticos das Índias. Mas, calma, não é isso. Nós, aprendizes de gastronomia, prestaremos serviços a outras pessoas na condição (oxalá) de chef. Como tais, serviremos a outras pessoas e teremos que, em algum momento, agradecê-las por desejarem - e pagarem por - nossos pratos. Nesse momento em que sirvo o outro, assumo uma postura de serviçal. Ainda que eu não goste da outra pessoa (seja por qual motivo for), eu estou, no nível da prestação de serviços, abaixo do outro que é servido, goste ou não da posição subalterna. Nem percebemos que no dia-a-dia isso ocorre constantemente. Mas, é assim.

Serviço vem de servir e servir denota um degrau hierárquico entre quem serve e quem é servido. A pessoa que é servida me paga (pelo menos aqui, neste contexto) e eu, por alguns momentos, no registro da relação entre dois humanos, me submeto ao outro.

É claro que há inúmeras maneiras de servir. "Eu te sirvo", pode significar que eu sou o seu tamanho, de uma forma pejorativa, digamos, sexual. De uso do corpo. Ficaria mais ou menos assim: "Te servir-me-hei!". Parece pomposo, mas, garanto que você entendeu direitinho. Posto isso, fica claro que, na vida, sempre estamos a serviço de alguém ou prontos para sermos servidos por alguém. E seja qual for a posição, de serviçal ou servido, suserano ou vassalo, o que importa é o conjunto da relação, e não quem é o macho alfa ou o macho ômega desse serviço todo (claro que falo da natureza humana e, portanto, pode bem ser fêmea alfa e fêmea ômega ou, ainda, fêmea alfa e macho ômega etc. etc.).

No entanto, estou aqui a elaborar digressões complicadíssimas para simplesmente reportar as minhas aulas desta quinta-feira, dia 28. Você pode pensar que além de gastronomia, debatemos longos ensaios filosóficos como se atenienses nós fossemos. Não é bem assim. As disciplinas deste quarto dia de aula foram duas: Projeto Interdisciplinar, que, desde o ano passado, é a disciplina responsável por nos orientar para a preparação do famigerado TCC (Trabalho de Conclusão de Curso); e Geografia Aplicada à Gastronomia, de onde veio toda a idéia para o texto acima.

O tema do post me surgiu ainda durante a aula (foram as duas últimas), quando o professor de Geografia Aplicada à Gastronomia explicou o conceito de ciclo da dádiva, pelo qual você se sente obrigado a retribuir um presente quando ganha algo e que gera todo o comportamento sócio-hierárquico que eu descrevi acima. Puxei pelo assunto quando o professor disse que presente em inglês era veneno em alemão. Tudo isso para nos ensinar que o nosso futuro trabalho consiste em, tão somente, servir. Prometo dar atendimento de primeira quando (e se) for chef. Por enquanto, aguardo atendimento (de inúmeras maneiras). Não, não é equívoco: o "dar atendimento" é proposital e, a bom comedor, meia torrada fala por uma baguete inteira.

Mas, por que a geografia se intromete com a gastronomia? Porque jornalistas burros como eu (foi o professor que o disse, sem saber que sou jornalista) continuam a falar de restaurantes mediterrâneos como se todos o fossem. Não, não é apenas a gastronomia espanhola que é mediterrânea. A Normandia, na França, também pode ser. O Mar Mediterrâneo é extenso o suficiente para abarcar um grande número de regiões e a definição de cozinha mediterrânea não cabe num só caldeirão para onde se jogam todos os peixes e frutos do mar. Burro devo ser mesmo porque, se tivesse que escrever sobre a cozinha mediterrânea, me limitaria a pensar logo em azeite, peixe, frutos do mar e Barcelona.

Por isso, teremos geografia. Que explicará porque determinadas regiões do globo produzem o melhor grão de café do mundo. Que ensinará porque o sorvete é mais consumido em países de clima frio. Que, creio, tentará nos fazer entender porque há bacalhau nos mares gelados e não aqui. E porque as trufas somente nascem na Europa. É tanto porque que o mapa-múndi deve ficar coalhado de interrogações antes mesmo que nossos estômagos zunam feito asnos desembestados diante das maravilhas gastronômicas que as diferentes geografias são capazes de produzir.

Agora, o TCC, nem falarei mais disso por ora. É tão chato quanto deve ter sido o seu próprio projeto, qualquer que tenha sido a faculdade. É obrigatório, conforme as normas do Ministério da Educação. Portanto, sim, teremos banca de avaliação. E o TCC? Ah! O TCC caminha a passos gastos de tartaruga velha desde o ano passado. No decorrer do ano, tenho certeza que xingarei o TCC inúmeras vezes.

Ao contrário dos dias subsquentes, a gastronomia parece, neste relato, mais deslocada do que uma asa de frango revirada pelo avesso. Calma! A geografia é tão importante para a gastronomia quanto o é para as demais áreas. Ou, então, não teríamos o caviar do Irã, o jamon da Espanha, a pasta da Itália, todas as especiarias da Índia e por aí vai. Quanto ao TCC, humpf!

(Rasteje: Se você leu o post de ontem (e se não leu, faça-o, agora!), te contarei que, no final, o vermelho prevaleceu sobre o verde. Me afundei, sim, no pote de geléia de pimenta vermelha. Agora, para você ficar com água na boca: compre um pote de geléia de pimenta vermelha (marca boa, por favor), compre o legítimo Catupiry (da marca Catupiry porque o resto é imitação) e torradas leves e crocantes. Sirva para seus amigos como se fossem canapés. O modo de servir ideal é dispor o queijo inteiro num prato, a geléia numa compoteira e as torradas numa bandeja. Não sobra nada e vai bem com bebidas as mais diversas (de chá a destilados). Você não imagina o quanto vai bem a combinação apimentada da geléia com a cremosidade do Catupiry e a crocância da torrada. Experimente!)

5 Comentários:

Patty Diphusa disse...

Ai, n�o consigo acompanhar.

Estou com fome.

bjs, saudades..

Anônimo disse...

fiz leitura dinamica no txt / mto longo / gostei da dissertacao sobre o servir / entao fazes gastronomia / tress interessant

leve solto disse...

Red querido, tô achando um perda de tempo ir ao Fran's...rs
Acho que prefiro a torrada... Quem vai servir?
Já vou adiantando, sou uma ótima cozinheira, mas de comida caipira. Deixo a sofisticação pra vc executar e eu degustar... rsrs

bjs (estou adorando o resumo de suas aulas, tenho muito que aprender nessa vida..rs)

Mara

Redneck disse...

Patty, hoje faz 3 semanas. Será que nos reconheceremos? Beijo!

Man, em uma ocasião, no seu blog, deixei um recado equivocado. Te confundi com o leitor (seu também) marco*. Vocês não são a mesma pessoa, não? Os textos longos foram só esta semana, introdutória. Semana que vem, são aulas práticas e eu duvido que terei energia para escrever tanto depois de 4 horas dentro de uma cozinha quente. Abraço.

Mara, com Fran´s ou não, é certo que a comida estará presente na nossa mesa quando promovermos o nosso encontro. Obrigado pelo incentivo. Beijo!

Sig Mundi disse...

Estou colocando minha leitura em dia!

Vou usar essa sua idéia pra receber uns amigos, com certeza fará sucesso!

bjs, andrea

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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