Meu rugido dominical
Você habita a internet? A interrogação me surge do fato de ter, às vezes, a sensação de que o mundo virtual é mais interessante do que o mundo real. Quem já não sonhou um dia ser invisível? Para poder ir aos lugares, ouvir as conversas, ter acesso a segredos, tudo de forma anônima e segura. Pois é!
E aí você passa a se sentir invisível, em determinadas fases. Parece que ninguém te vê. Que você cruza com as pessoas nas ruas e elas olham através de você. Te atravessam. Sem saber quando e como, você tem a impressão de que adquiriu o status de invisibilidade pelo qual tanto almejou.
Daí que o mundo virtual vem a calhar para tanta cegueira ante o mundo real. Você se traveste de um personagem, por meio do seu nick, e passa a habitar esse mundo de uma forma que você escolhe, de acordo com padrões que você constrói. Você não é mais um visitante da internet. Passa a ser um habitante. Vive-se mais aqui, no mundo cibernético, do que lá fora, no mundo real.
Eu me dei conta disso desde que criei uma certa dependência do ambiente blogueiro. De ter que acessá-lo diariamente. De ver como estão os vizinhos. É fato! Você começa a construir uma sociedade aqui nos moldes e estereótipos do mundo de fora. Só que este aqui você controla e o outro, não.
Amanhã, dia 11, começa a Campus Party Brasil, que é a maior festa mundial da internet e aborda temas como astronomia, games, robótica, software livre e música. Tem muito a ver com a Web 2.0 e o nosso mundo, o dos blogs. Durante uma semana, quase 20 mil internautas acamparão na Bienal do Ibirapuera em São Paulo para acompanhar todo tipo de atividade do evento, chamado pelo criador Paco Ragageles de "a universidade da internet que dura uma semana". O evento nasceu em 1997, na Espanha, e é a primeira vez que ocorre fora daquele país. O Brasil foi escolhido porque o país está entre os maiores usuários de internet do mundo em tempos de navegação. E, claro, porque o partner principal do evento é a Telefônica, grupo espanhol bastante forte lá na Espanha e aqui, no Brasil.
Mas, o que tem a ver isso com a (in)visibilidade? Eu acredito que o grande sucesso da internet se deve, sobretudo, à liberdade que se desfruta no ambiente virtual. Conforme a Web 2.o se desenvolve, a possibilidade de interatividade aumenta também. Por isso, eventos como a Campus Party atraem tanta atenção. Você, antes invisível no mundo virtual, é investido de um rosto e torna-se, novamente, real, físico. É um processo semelhante ao que ocorre nos chats, nas comunidades virtuais e nos blogs. A maior parte de nós não conhece o outro e, no entanto, podemos até mesmo sentir como é o outro ao ler suas postagens, ao fazer comentários e conversar virtualmente.
Eventos deste tipo permitem que você desabite a internet e volte a se conectar ao mundo real. Torna-se visível. Ontem, recebi a revista Época. De tempos em tempos, recebo gratuitamente uma das duas - a Veja ou a Época. E a edição da Época me soou bastante triste, de uma forma geral. Há várias matérias sobre o mundo virtual na revista - a Campus Party, a tentativa da Microsoft de comprar o Yahoo!, a censura da China aos blogueiros, às vésperas das Olimpíadas e um artigo que é um primor de delicadeza, "Suicídio.com". Nessa matéria, é retratado como o adolescente gaúcho, Vinícius, de 16 anos, preparou e executou seu suicídio, transmitido pela internet em tempo real. O garoto participava de fóruns de suicídio e foi aconselhado por outros internautas sobre qual a melhor forma de morrer. Apenas uma garota, do Canadá, tentou alertar a polícia de Porto Alegre sobre o ato, a fim de impedi-lo. Mas, foi tarde demais. O artigo é complementado por uma entrevista com o psiquiatra do garoto, que tenta explicar os motivos do acontecimento e o papel da internet nisso tudo.
A minha tristeza com a edição da revista vem dessa história (e outras, fora do contexto aqui) e de como o mundo virtual tragou esse menino. Definitivamente, ele habitava a internet e, no mundo real, ele se sentia invisível. Mas, ao contrário, o mundo virtual somente o soterrou ainda mais, com a fatalidade do próprio fim. Não quero dizer que a internet é culpada. Não, não é. Assim como não o é quando um terrorista acessa a web para fabricar explosivos.
A internet existe e é alimentada por nós. Todo o conteúdo sai de nossas cabeças. O que eu quero dizer é que transferimos as angústias do mundo real para esse mundo virtual. Assim como o mundo real pode fazer com que nos sintamos invisíveis, o mundo virtual dá uma visibilidade a ações - suicídio, terrorismo - com platéia, com pessoas que, virtualmente, são capazes de torcer e animar um suicida para cometer o ato como se estivéssemos no Coliseu, a assistir uma luta de gladiadores.
Esse mundo me assusta, assim como já o faz o mundo real.
1 Comentário:
Oi Redneck,
Penso que a internet, como tudo, tem seus aspectos positivos e negativos. Hoje em dia, eu sinto que as pessoas se viciaram de tal forma a internet que as vezes me assusta.
O mundo parece ter se transformado na terra dos solitários, cada um por si! De certa maneira a internet aproxima as pessoas. É mais fácil pra alguns colocar seus sentimentos na tela do que ao vivo e a cores.
Acho sim muito pertinente a história do menino que se matou. A pessoa que está ligada no mundo virtual confunde mesmo suas angustias. A gente precisa de muito discernimento pra não pirar quando se depara com uma imensidão de assuntos colocados todos os dias nesse mundo virtual.
bjs, andrea
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