Quasímodo saiu do armário
Vi o mundo hoje, quarta-feira, 30. Caminhei à larga pela Avenida Paulista, parei no Center 3, no Conjunto Nacional, fiz um pedaço da Augusta. Caminhei sem medo da multidão. Do dragão que ontem fumegava, um Quasímodo distendido resolveu sair da torre e se misturar aos mortais.
Explico a metamorfose de dragão em Quasímodo: depois de mais de 48 horas sentado em posição de Lótus moderno (em frente ao computador, digo), claro que a escoliose assumiu proporções de corcunda. Por isso, Quasímodo.
Minha vetusta torre não é nenhuma Catedral de Notre Dame e tampouco São Paulo é Paris. Mas, entre soltar o dragão e ser detido pela Guarda Metropolitana e sair à francesa, digo, à Quasímodo, vi que era melhor passar por monstro 2 (Quasímodo) do que por monstro 1 (dragão).
Conservo a barba dos dias de purgação. Por que eu haveria de fazer a linha da face lisinha se, de bebê, Quasímodo não tem nada? Se bobear, há um pequeno filete prateado que escorre da boca. Mas, a minha loucura, ainda bem, não tem sintomas exteriores, só internos.
Daí que resolvi sair do armário. Por três horas, fiquei na rua, sem um objetivo estabelecido. Apenas vagar. Sempre que concluo grandes jobs, tenho vontade caminhar sem rumo. Talvez para fazer escoar de mim o peso de tanta informação que, no final das contas, não me diz nada. Que prefiro as palavras como as encaminho por aqui, soltas e sem uma linha racional que as ligue. Se pudesse, cortaria o fio de Ariadne para me perder em definitivo no reino das palavras.
Da minha experiência de Quasímodo fora do armário, devo dizer que não assustei nem os cachorros. Talvez acostumados por monstros 3, 4, 5 ..., os cães, de forma mais esperta que os donos, identifiquem nos Quasímodos, dragões e afins mais afinidades do que se supõe haver entre humanos. E, você sabe que é bom andar por aí com cara de louco que foge do hospício?
De fato, tem um monte de loucos na rua, mas, ninguém admite. Daí que não cruzei, em absoluto, com olhares apavorados. Antes, recebi olhares recíprocos, de outros que saíram do armário e que insistem em parecer normais.
Até - e isso é extremo - fiz uma linha social. Dei passagem para alguns apressados na calçada, conversei (????) com um cara cuja loja mudou de lugar, brinquei (????) com a menina do café e sorri para algumas pessoas (com 15ª.s intenções).
Concluo que Quasímodo não mete medo em ninguém. Ou sentem pena, e, portanto, o acolhem com susto e dissimuladamente, ou o corcunda de Notre Dame está melhor no ranking social do que eu mesmo. De volta à catedral, estou em paz. A corcunda começa a pesar menos e o dragão, vencido pelas últimas três noites de trabalho, recolhe-se à caverna para mirar os traços dos pré-humanos (leia "A Caverna", de Saramago, e o inacabado "O Castelo", de Kafka. Encontrará em ambos os dragões todos que me habitam e, com alguma sorte, um Quasímodo).
2 Comentários:
Meu Deus, será que te reconhecerei?
Bjs
Patty, como você viu, as alteracões não foram assim tão drásticas. Beijo!
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