Os livros me negaram três vezes
Perambulei por toda a tarde de hoje pela Avenida Paulista. Depois da reforma, as calçadas ficaram mais largas, mais convidativas às caminhadas. Não digo que gostei do acabamento final da avenida, com um monte de alterações, a começar dos pisos das calçadas.
Reconhecida como a principal avenida do País, a Paulista bem que merecia calçadas mais vistosas. Enfim, não tenho notícias de que alguma prefeitura (exceto as capitais européias) se preocupe com algo tão chão como a estética das calçadas das cidades.
Aliás, se a cidade passasse por uma repaginação como ocorreu com a Oscar Freire, creio que São Paulo seria ainda mais convidativa ao passeio a pé. Acho estranho, desde sempre, que não tenhamos bancos espalhados pelas calçadas. Isso, de alguma forma, nos reduz a meros passantes, sem chance de apreciar de fato cada pedacinho desta cidade.
Mas, o meu assunto é outro. Ontem, pedi luz. A tive hoje na forma de uma tarde típica de outono, com um sol que não maltrata. Antes, anima. Saí para fazer algumas coisas pequenas que, tenho a impressão, acumulamos para o fim de semana como pretexto para quicar aqui e acolá como bolas para saracotear pela cidade. Isso é bom!
Não cumpri metade das minhas intenções: um lugar do qual eu gostava fechou, outro mudou e a maior parte das lojas de rua fecha depois do almoço.
Claro que, independentemente da minha vontade, sempre acabo nas livrarias. E aqui, sim, o motivo deste post: os livros me disseram não, em raro momento de rebeldia. Fiz a via-crúcis das três livrarias: Cultura, no Conjunto Nacional, fnac, em frente ao prédio da Gazeta, e Martins Fontes, antes da Brigadeiro. As três livrarias, em uníssono, ecoaram um gigantesco não. Foram três negações, todas na mesma tarde, ao contrário daquele Outro que foi negado pela madrugada adentro.
Em geral, sou atraído rapidamente pelos livros. Não preciso mais do que cinco minutos para decidir. Até enrolo um pouquinho para dar a impressão de que não descobri um tesouro e quero sair o mais rápido possível para desfrutá-lo. É um comportamento meio bobo, eu sei, mas, a mim me parece que vou e volto o mais rápido possível, com medo das pessoas. Não é verdade. Bem, um pouquinho é. Mas, não sou hermético suficiente a ponto de dar um berro se alguém falar comigo (exceto os atendentes, para os quais já estou previamente preparado).
Ao escrever assim, posso passar uma impressão de que sou um esteta esnobe ou um completo bucéfalo. Nem uma coisa nem outra. É só uma impressão. Sou afável, educado e uso perfume.
Bem, sempre eu escorrego, quer dizer, nado no córrego das palavras. Voltemos aos livros. Os danadinhos não me quiseram, de alguma forma, neste sábado. Sempre tão cúmplices, tão fluoxetínicos conforme meu próprio fluxo A ou B, desta vez me desertaram feito soldados gays do exército.
Mantiveram-se impávidos. Soldadinhos de chumbo. De capa dura ou não, foram duros comigo. Palmilhei metros de prateleiras na cultura fnac martins fontes e permaneci sem fontes, sem martins, sem cultura e sem fnacs. Voltei liso e leso. Me senti despido.
Creio que está em curso uma revolução livresca, grotescamente orquestrada quiçá pelas traças dessas livrarias. Não consigo atinar com explicação mais plausível. Ou então, num rompante, as editoras me bloquearam ou aos títulos que poderiam me atrair.
Despido da roupagem de livros que carrego feito talismãs, estou meio sem rumo. Se eu fosse supersticioso, diria que esse rompimento súbito tem a ver com o fato da corrente que eu não tiro do pescoço ter se arrebentado (encontrei a danada enroladinha no tapete do quarto e mal consigo imaginar porque batalhas passamos eu e a corrente durante a noite a ponto de eu arrebentá-la e atirá-la longe de mim).
Como no creo en las brujas pero que los hay una infinitud de misterios por el mundo, decidi que, por enquanto, os livros que permaneçam impávidos. Eu, colosso, vou ignorá-los. Com solenidade, porém, sem confronto. Não quero desencadear uma guerra por tão pouco.
O que me acalma, na falta da fluoxetina, é que mantenho um estoque de livres virgens (os há, creia-me!). Estou a meio caminho do final de um livro do qual esperava mais - "Ponto de Vista de um Palhaço", de Heinrich Boll, Estação Liberdade - e, por favor, que as livrarias não me leiam, tenho dois ou três virgens por aqui, prontos para serem devassados (deflorados seria grosseria, talvez desfolhados fosse o caso). Hehehe!!! Por enquanto, 1 x 0 para mim. Será que estou em algum surto? Não responde, melhor não!
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