Quando o pecado da cobiça se sobrepõe ao da gula
São Paulo está em plena celebração dos prazeres da mesa. Pena que não possa se dizer o mesmo em relação aos prazeres da ética e, sobretudo, ao respeito de consumo e do bolso alheios.
O jornal Folha de São Paulo desta quinta-feira, 3, publicou uma avaliação sobre 12 restaurantes que participam desta edição da São Paulo Restaurant Week (SPRW). O artigo, em boa referência, intitula-se "O joio e o trigo".
Biblicamente, encontro dois pecados capitais nesse tema: a gula, que é o prazer que todos temos (eu, pelo menos, o tenho, assumido) em comer, saborear, desvendar o sabor da simplicidade ao requinte dos bons pratos. O outro pecado capital é a cobiça, a fome de obter lucro de qualquer forma, inclusive sob pena de reduzir a qualidade.
Dos 12 restaurantes avaliados pelo jornal, cinco foram classificados na rubrica "decepcionou", em contraste com os outros sete, marcados com o grifo "valeu a pena". Reproduzo o nome de uns e outros e o faço como um alerta ao comensal: por que alguns proprietários acreditam que, ao fazer isso, vão conseguir ganhar? Será que visam apenas o lucro imediato? Será que se esquecem de que a memória gustativa e outras memórias marcarão, efetivamente, o usuário? E, pior, de forma negativa.
A São Paulo Restaurant Week é um ótimo evento para se vender em meio ao imenso mercado gastronômico da cidade. Os preços reduzidos - R$ 27,50 o almoço e R$ 39 o jantar - do evento deveriam soar como um menu-degustação das casas que à SPRW aderiram. Porque, dessa forma, ao conhecer um restaurante antes evitado, cujos cardápios cotidianos exibem preços a partir de R$ 75, qualquer cliente, se gostar, volta. Mais dia ou menos dia. Não importa. Se há qualidade - de atendimento, de sabor, de correção, de apresentação - as pessoas voltam. Uma vez por mês. A cada dois meses. Uma vez ano ano. Isso não interessa.
Não sou um expert em gerenciamento de restaurantes mas acredito firmemente que, ainda que a qualidade tenha um preço que possa ser considerado alto para o padrão médio, ainda assim as pessoas pagam por isso. Abaixo, os cinco restaurantes que desapontaram a equipe da Folha de São Paulo - por isso o "decepcionou" - e os motivos:
- Bacalhoeiro: prato principal - bacalhau - servido morno e seco, com guarnição murcha.
- Balneário das Pedras: serviço confuso, pedidos trocados e pressão para que o cliente deixe a mesa.
- Di Bistrot: prato principal - escalope e risoto - servido úmido e sem crocância, fora do ponto. Serviço desorganizado e água cara (R$ 4,90).
- Felix Bistrot: prato principal - rocambole de mignon com batatas sautée - servido cru, com batatas murchas e morno.
- Porto Rubaiyat: sistema de bufê provocou filas entre os frequentadores e o serviço não dava conta para atender a demanda. Um dos pratos - paella - não tinha tempero.
Os sete restaurantes cuja análise mereceu a indicação de "valeu a pena" dos jornalistas que fizeram o artigo foram:
- Antiquarius
- Brasil a Gosto
- La Brasserie Erick Jacquin
- La Pasta Gialla
- Magistrale Ristorante
- Paris 6
- Vinheria Percussi
Minha sugestão é que, como consumidores, simplesmente evitemos aqueles estabelecimentos que nos desrespeitam, exatamente como eu critiquei na minha coluna dominical, em rugido movido pela desatenção de locais com quem os sustenta: nós. Esse tipo de comportamento desacredita o SPRW e, com o tempo, pode dar ao evento uma pecha de coleta momentânea de poucas moedas que, ao fim e ao cabo, apenas farão aumentar o volume do joio em detrimento do trigo.
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