Quem é aquele que se tornaria meu seguidor?
Antes que você se apresse em me seguir (follow me, de qualquer forma) no Twitter, no Google Friend Connect, no Meme ou no FriendFeed, quero deixar claro que o título do post não tem nada a ver com redes sociais. Talvez tenha, sim, a ver com redes. Outras redes, tecidas de tramas finas, tão finas que se rompem ao menor sinal de movimentos bruscos. Mas são outras, essas redes... Antigas, cujos fios ligam-nos uns aos outros pelo mundo de alguma forma não-racional.
Inspirado por essa tessitura que me conecta nesta rede aqui, a internet (rede inter: internacional, interfronteiras, portanto), e pelo inesperado muso do outro lado do Atlântico, o Pinguim, do blog Why Not Now?, que me introduziu ao poeta português Jorge Cândido de Sena e me incitou ao resgate da poesia neste blog que anda falto de poesia, derramo-me, portanto, em versos.
Sou mais de prosa do que de poesia mas, admito, também a prosa anda a passar ao largo neste espaço. Sim, tenho os tido, os livros, por perto, so close, sempre. Mas a prosa do dia-a-dia, mais banal, tem me retido em outras linhas que não as de livros. Portanto, retifico um bocadinho essa ausência literária e coloco logo um clássico de quem gosto por puro gosto de gostar, de entender e de fazer dele as minhas próprias palavras, por vezes tramadas nas redes que acima citei de tal forma que mais são os nós do que a trama.
Walt Whitman nasceu em Long Island em 1819 e é tido como pioneiro e precursor dos versos livres e de uma abordagem abrangente de temas sociais (não as redes, ainda, por favor, pelo menos não as sociais), do erotismo, da guerra, capitalismo, escravidão e da liberdade sexual. Numa palavra: contemporâneo. Em 1855, aos 35 anos, publicou aquela que seria a sua obra-prima - "Leaves of Glass" (Folhas de Relva), que é uma coletânea de poemas. "Leaves" seria alterado constantemente: foram oito reedições. Whitman era homossexual e foi, como muitos outros antes e depois, vítima de preconceito por assumir na própria obra a sua sexualidade.
"Calamus", uma das quatro partes de "Leaves of Glass", é texto cultuado pelo público gay. Perseguido por diversos setores, Whitman viveu principalmente com o apoio dos amigos e já então de alguns fãs que lhe reconheciam o talento. Morreu pobre em 1892. Hoje, é considerado o maior poeta norte-americano. Sorry! Too late! Tarde demais para aquele homem. Para nós, nos foi legada a herança de sua obra. E é com "Calamus" que presto homenagem à ars poetica, ou seja, ao ofício da poesia.
Calamus (parte 3)
Seja você quem for segurando-me na mão,
Sem uma coisa tudo será inútil,
Aviso em tempo, antes que me insista,
Eu não sou o que você supôs, mas muito diferente.
Quem é aquele que se tornaria meu seguidor?
Quem se assinaria candidato às minhas afeições? Você é ele?
O caminho é suspicaz - o resultado lento, incerto, talvez destrutivo;
Você teria que desistir de tudo o mais - eu sozinho esperaria ser seu Deus, único e exclusivo,
Seu noviciado seria assim mesmo longo e exaustivo,
Toda a teoria passada da sua vida, e toda a conformidade às vidas ao seu redor, teriam que ser abandonadas;
Portanto solte-me agora, antes de se dar ao trabalho - Tire as mãos dos meus ombros,
Largue-me, e siga o seu caminho.
Ou senão, apenas de leve, nalgum bosque, para tentar,
Ou atrás de uma pedra, ao ar livre,
(Pois em qualquer aposento coberto de uma casa eu não me mostro - nem em companhia. E em bibliotecas deito como um mudo, um parvo, ou não nascido, ou morto)
Mas apenas talvez com você numa alta colina - primeiro vigiando para que ninguém, por milhas em torno, se aproxime despercebido,
Ou talvez com você velejando ao mar, ou na praia do mar, ou alguma ilha calma,
Aqui botar seus lábios nos meus eu lhe permito,
Com o beijo demorado dos camaradas, ou o beijo do novo marido,
Pois eu sou o novo marido, e eu sou o camarada.
Ou, se quiser, me enfiando sob a sua roupa,
Onde eu possa sentir as batidas do seu coração, ou descansar no seu quadril,
Carregar-me quando atravessar terra ou mar;
Pois assim, apenas tocando você, é o bastante - é o melhor,
E assim, tocando você, eu dormiria em silêncio e seria levado eternamente.
Mas se você enganar estas folhas, corre perigo,
Pois estas folhas, e eu, você não entenderá,
Elas vão lhe escapar de pronto, e ainda mais depois - eu certamente vou lhe escapar,
Mesmo quando você ache que sem dúvida me pegou, cuidado!
Você já pode ver que eu lhe escapei.
Pois não é pelo que pus nele que escrevi este livro,
Nem é ao lê-lo que você irá adquiri-lo,
Nem aqueles que melhor me conhecem e admiram, e me elogiam com alarde,
Nem os candidatos ao meu amor, (a não ser no máximo pouquíssimos) serão vitoriosos,
Nem meus poemas farão só o bem - farão o mal também, talvez mais,
Pois tudo é inútil se o que você pode ter pensado muitas vezes mas não atingido - o que eu insinuei,
Portanto larga-me, e segue o seu caminho.
(tradução: Jorge Pontual)
2 Comentários:
Fico muito feliz por ter contribuído de alguma forma para o teu reencontro com a poesia; embora não a explore demasiado, há poetas portuguesas que nunca me abandonam: Sophia de Mello Breyner Andresen, Eugénio de Andrade e o "maldito" António Botto (que morreu atropelado no Brasil), além é claro de Pessoa ou Camões, clássicos da poesia da língua portuguesa como o é Manuel Bandeira...
Mas a tua escolha recaíu e muito bem no maior poeta americano de sempre; o genial Walt Withman, tão pouco lembrado e tão maravilhoso (já lhe dediquei um post); só por isso já valeu a pena ter-te "apresentado" Jorge de Sena.
Abraço grande e amigo.
Pinguim, mais feliz fico eu pelas indicações adicionais que você me traz. Afora Pessoa e Camões, os demais me são totalmente desconhecidos. E lamento saber que o 'maldito' (sempre os temos, pois não?) tenha perecido nessas terras selvagens. Obrigado pelos nomes que compartilhas comigo. E Withman é maravilhoso, não? Abraço!
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