Meu rugido dominical
Você sabe que hoje é Dia do Sexo? É estranho isso, já que sexo, o bom e velho sexo, não deve ter hora e tampouco dia marcados para acontecer. Deve fluir, assim como os fluidos que o envolvem, naturalmente.
Mas, aparentemente, até mesmo o ato sexual precisa de agenda para acontecer. De programação, de encaixe como se fosse um paciente que vai ao médico na última hora e tenta ser atendido nas brechas entre o atraso dos demais pacientes.
E o sexo está mesmo mal das pernas. Não é de hoje que leio pesquisas sobre a prevalência de outras atividades em detrimento do sexo: homens que preferem assistir ou jogar futebol a fazer sexo, mulheres que gostam mais de chocolate do que de sexo etc. etc.
Tem um site específico, o Dia do Sexo, cuja mensagem de abertura já diz muito: 'Saia do computador e vá tirar o atraso'. Quer dizer, o pessoal do site já parte da premissa que você e eu estamos em débito com o sexo. Será que é isso mesmo?
Ainda ontem, em conversa com uma amiga, ela me dizia que não sente falta de sexo. Que o sexo, para ela, não tem a importância que as pessoas lhe conferem. Outra amiga não esconde: "Sou praticamente uma tarada, não vivo sem." E uma terceira chegou a sonhar com histórias em quadrinhos nas quais protagonizava cenas para lá de calientes. Essas três pessoas não são fictícias. São mulheres reais, de diferentes faixas etárias, que não hesitam em falar sobre o assunto e tampouco ocultam a presença (ou falta) de desejo.
O sexo fisiológico é movido pela natureza com o objetivo único de procriar e garantir a sobrevivência da espécie. Esse é o mote frio da ciência. Mas o sexo real é prazer, é o hedonismo mesmo (doutrina que considera o prazer individual e imediato como único bem possível, princípio e fim da vida moral - vive-se e morre-se pelo prazer).
Contudo, nem tanto à ciência, nem tanto ao hedonismo. Há um precário meio-termo para equilibrar-nos. Ou seríamos praticamente animais de laboratório ou devassos em meio a orgias sexuais equivalentes a festas dionisíacas ou às fantasias hedonistas de Sade.
Sexo, dizem os manuais, é bom para o corpo e para o espírito. E quer saber? Pouco me importa o que dizem manuais! Não precisamos de instruções. O problema é que o mundo contemporâneo está cheio de demarcações, de territórios invisíveis que traçamos, nós mesmos, os quais, para se transpô-los, é como se estivéssemos que atravessar trincheiras e paliçadas.
Viramos exércitos a se moverem fortuitamente por entre os escombros de nossas próprias ruínas: tudo se transformou numa questão de avançar e recuar, tatear por terrenos minados ou não. Não que eu defenda um comportamento bestial, primitivo. Mas o cerceamento e as montanhas de teorias invalidam qualquer motivação que ainda se tenha para, simplesmente, querer fazer sexo com alguém.
Ao ler isso que acabei de escrever, pareço algo amargo. Vou colocar de forma mais amena. O sexo é consequência natural: me sinto atraído por alguém, paquero, olho, emito sinais, faço todas as performances (naturais ou estudadas, não importa) que mostre claramente ao(à) parceiro(a) o que quero. Desprezadas as eventuais convenções - não na primeira vez, na minha casa ou na sua, o que você pensará de mim amanhã -, é só isso. Ou deveria ser. Dois seres humanos cujos corpos se encontram.
Ah! Claro que há o componente do sentimento. Eu já disse antes que é necessário um equilíbrio entre o hedonismo e o que me vai no coração. Não é porque o corpo quer que cérebro e coração devem ser deixados de lado (e, por vezes, o são, sim!). Sexo bom é quando acontece a tal da 'química', seja lá se forem feromônios, a cor dos olhos, o cheiro (aka perfume), um gosto de tabaco, uma boca. Não interessa. Existe, nesse momento em que ocorre, um detalhe qualquer que fará a diferença. Como se administra para que isso se suceda e transforme o fortuito encontro sexual em algo mais duradouro é o pulo do gato. Não há receita.
Ainda esses dias assisti a um episódio do seriado 'Brothers & Sisters' no qual o casal gay da trama tentava agendar um dia e hora para fazer sexo. Acho isso horrível. É como colocar o ato ao lado, repito, de uma ida ao médico. Transformá-lo em mais uma das atividades obrigatórias dos nossos extensos dias comerciais.
Esse dia do sexo citado no início do post, de fato, consolida essa visão de que é preciso demarcar o assunto. Quando, de fato, de verdade mesmo, deveríamos fazê-lo de forma mais simples, e não discutir o tema. E, quer saber, melhor sair do computador mesmo. Não para 'tirar o atraso', que acho a expressão grosseira. Mas para ter uma atitude mais franca e menos obtusa ante ao sexo. Fazer sexo faz bem. Só isso.
(O Dia do Sexo, efetivamente, não existe. Foi inventado no ano passado como resultado de uma ação de marketing entre uma agência de publicidade digital e uma fabricante de preservativos, com direito a uma festa, a Dia do Sexo Celebration. A blogosfera, que gosta de novidades, comprou a ideia e deu início a uma campanha - tornar o Dia do Sexo uma data oficial no calendário brasileiro. O esforço consiste em colher 100 mil assinaturas e encaminhar o pedido ao Ministério da Saúde. Coisa típica de brasileiro, que só pensa nisso... E eu também.)
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