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domingo, 20 de setembro de 2009

Meu rugido dominical




Já debati algumas vezes esses temas por aqui - amor, abandono, dor, carência, ausência - e agora acrescento uma incrível proposta que tramita no Congresso Nacional para se transformar em projeto de lei: a de que o amor do pai pelo(s) filho(s) seja compulsório, ou seja, obrigatório. É incrível no sentido funesto que há nesse projétil (e não projeto): o de que o amor, paterno, possa ser estabelecido pelo papel e, a partir do momento em que é instituído, converte-se, milagrosamente, em sentimento autêntico e legítimo.


O Congresso, como instituição, deve existir em um regime democrático. Mas, assim como em São Paulo (Assembleia Legislativa) os parlamentares decretaram que a banana deve ser vendida por quilo, e não mais por dúzia (e isso é ridículo!), o Congresso presta-se, mais uma vez, a um papel risível e paspalhão. Acaso saberão os diligentes deputados o que se passa no lar de cada família? Nas relações entre as pessoas? No vínculo ou falta dele para que o pai não goste do(s) filho(s)?


Existe, na natureza, um paralelo: os bichos (seja o pai ou a mãe), por alguma razão, desprezam o(s) recém-nascido(s) que, muito provavelmente, morrem por falta de cuidados. Me alertarão imediatamente que não somos animais. Calma, não proponho que abandonemos as crianças por aí, não obstante o fato de alguns pais (e mães) o fazerem. Claro que não! Somente registro para afirmar que há precedentes naturais. Mas que civilização é essa que pretende que uma lei construa amor e que os laços de sangue sejam suficientes para que pais e filhos se amem mutuamente?


Não sei o que se passa na cabeça do parlamentar quando resolve iniciar um processo desse tipo. Se é alguma herança doméstica (no caso de pai-filho), alguma fixação pela banana (de venda a dúzia a comércio por quilo) ou um interesse suspeito por farinha de trigo (da conversão da venda do pãozinho francês que, de unidade, também passou a ser vendido por peso).


Que ingerência é essa que começa no café da manhã, se estende à fruta da sobremesa e acaba com um jantar soturno em que, eventualmente, pais e filhos sentam-se à mesa por força de um projeto de lei, e não por terem afinidades emocionais entre si?


Defendi, quando a legislação antifumo entrou em vigor no Estado de São Paulo, que estamos à beira de um Estado totalitário, em que liberdades individuais são cerceadas tanto com a conivência de pessoas informadas quanto, inclusive, por fumantes que, passivamente, se prestam ao papel de algozes numa sociedade provinciana (e me refiro a São Paulo, da qual se diz ser a mais antenada metrópole da República) que nos condena pelas roupas, pelos piercings, pelo fato de um casal de gays andar de mãos dadas nas ruas, pelo cabelo do emo, pela maquiagem pesada da punk, por eu gostar de verde e você de amarelo. Somos um milhão de pequenos e grandes preconceitos que, de alguma forma, convertem-se em leis estrábicas cujos focos não são objetivos, e sim subjetivos.


Da soma de tudo, o poder legislativo despeja leis, projetos de leis, decretos e um sem-número de regulamentos e normas de conduta que se imiscuem de tal sorte na vida privada que, mais um pouco, dará ao vizinho o direito de me entregar às inquisições modernas porque ele, o vizinho, não gosta de mim. E me dará, igualmente, o direito de denunciar o vizinho porque ele não me cumprimentou ou não segurou a porta do elevador para que eu entrasse.


E pode ter certeza de que não há exagero da minha parte. Historicamente, o totalitarismo se impôs assim, feito de pequenos remendos que tentavam coser um buraco maior de um tecido esfarrapado. O problema é que o remendo virou uma colcha de retalhos sem padrão, sem medida e sem limites, com todo tipo de estampa para tentar tapar o furo. O tecido original sumiu e deu lugar a um amálgama malfeito e grosseiro que serve, apenas, como pano de fundo para outras manobras, a fim de atender interesses específicos. E, quando as pessoas se deram conta, já era tarde demais e não havia mais sentido no que antes era uma bela peça de fazenda.


O Congresso Nacional avalia dois projetos de lei do que se denomina como 'abandono afetivo' e prevê indenização pelo dano moral decorrente dessa ausência. E isso é exatamente o que significa: cobrar pelo amor. Não se trata aqui de cobrar uma pensão alimentícia. Para isso, as leis existem e são bastante rigorosas. Trata-se de invadir a esfera do privado e fazer com que o pai ame seu filho. Um dos projetos vai além e propõe que se o pai deixar de prestar assistência moral (?) ao filho menor (para os maiores, os pais estão liberados, aparentemente, como se o amor fosse suficiente até os 18 anos) sem justa causa (morte é justa causa?), isso será considerado crime punível com detenção de até seis meses.


Claro que juristas se desdobram em defender ou atacar a constitucionalidade dos projetos de lei. Até onde eu sei, o direito brasileiro, inspirado em larga medida pelo direito romano, sempre abre brechas para duas interpretações extremamente opostas.


Mas não é isso que eu ataco. E sim a obrigatoriedade consanguínea que o pai deve (observe, deve!) ter para com o(s) filho(s), traduzida em amor. O que me incomoda de fato é que políticos debatam assuntos íntimos e, pior, o amor, como se dele fossem proprietários. Pior ainda: como se dos cidadãos fossem arautos. Ao passo que é sabido por todo o País que esses mesmos políticos têm filhos extra-conjugais, jamais assumidos. Que são déspostas. Nepotistas. Que empregam parentes. Cujos parentes podem ser serpentes. Que tipo de moral têm esses parlamentares para se intrometer na minha vida, na sua vida, na vida de nossos filhos? De querer dar nome e papel passado a um amor que, por definição, existe ou não?


Acho que esses legisladores, tão afoitos na tarefa de regular nossos cotidianos, deveriam, mais do que depressa, aprovar as experiências genéticas - clonagem, células-tronco, reprodução humana baseada na decodificação do genoma - para que nossos descendentes nasçam programados para: serem ardentemente amados por seus pais biológicos, para entender porque a banana, de repente, vendida às dúzias, começou a ser vendida por peso, e porque o pão francês nosso de cada dia que ninguém nos dá nem hoje nem nunca deixou de ser comercializado em unidades para serem vendidos por peso. Se existe a tal criatura que está no céu, e que, teoricamente, regulamenta cá abaixo tudo o que se passa, que decrete logo uma segunda edição do dilúvio para que comecemos de um novo marco zero. Ora-pro-nobis!

3 Comentários:

João Roque disse...

Isso é um absurdo!

Redneck disse...

Dri, obrigado! Desejo o mesmo para você. Beijo!

Redneck disse...

Pinguim, é de absurdos assim que vive este País. E hoje eu soube de mais uma iniciativa autoritária: querem obrigar os condutores de veículos a fazerem o teste do bafômetro, que constata o nível de álcool no sangue. O problema é que a lei maior me assegura que eu tenho o direito de não me incriminar a mim mesmo. Estão pisoteando quaisquer princípios constitucionais dessa república de bananas. Abraço!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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