Saia da Sibéria, tente ir para a Ibéria e acabe na Libéria
No início deste ano, comecei a ter uma série de problemas com o NET Fone. Problemas que o jargão técnico define como "degradação de voz". Eu ouço perfeitamente mas o(a) meu(minha) interlocutor(a) me perde, em etapas, como se eu estivesse a atravessar uma zona de fog (neblina intensa).
(Eu, pronto para deixar as terras geladas da Sibéria/NET)
Viro um fantasma nos cabos da rede de telefonia da NET (doravante chamada Sibéria). Não sou mais do que um ectoplasma, um espiralado halo numa tentativa vã de fazer, pelo menos, contatos imediatos de primeiro grau. Numa civilização moderna, chame isso de conseguir completar uma chamada e falar ao telefone normalmente, sem interrupção, assim como fez D. Pedro II em 1876, na Filadélfia, EUA, quando testou a invenção de Alexander Graham Bell. Consta, oficialmente, que D. Pedro II foi o primeiro brasileiro a usar o telefone.
Bem, 133 anos e 200 milhões de brasileiros depois, estamos aqui, em 2009, na era digital. Era que, a se confiar na família Jetson e na privatização do Sistema Telebrás, era para ser desfrutada, ao menos, com o mais elementar dos aplicativos do aparelho de Bell: o serviço de voz. Não tenho conseguido.
A privatização ocorreu em 1998. Antes, ficávamos, usuários, completamente à mercê das estatais de telefonia, com planos de expansão que nos faziam contrair nossos estômagos, bolsos e outros orifícios do corpo. Era a era (vencerei pela repetição) das teles estatais e aqui, no Estado de São Paulo, a alaranjada Telesp vendia um telefone como se vendesse um carro. Havia bolsa de telefone que cotava a região e quem tinha uma linha era feliz. O telefone celular, que chegou ao Brasil em 1993 (em 1996 em São Paulo) estava restrito às camadas de exibidores tolos que os ostentavam feito um aparato vindo diretamente de Star Trek. Que brega!
Ao chegar ao Estado de São Paulo, a estatal Telefônica (doravante chamada Ibéria) esverdeou a região. Feito bêbado com bílis podre, vomitou o verde-musgo de sua logotipia por todo o Estado para cravar a bandeira de nau conquistadora. De maduros (laranja-Telesp) passamos a crus (verde-Telefônica). E, após 11 anos, estamos ainda crus. Bebês que esgoelam para se fazer ouvir, uma vez que o sistema telefônica jaz feito mármore pétreo.
(Eu, pronto para embarcar para o Velho Continente, rumo à Ibéria/Telefônica)
As operadoras como a NET e Telefônica criaram uma série de outros serviços - banda larga, TV paga - e invadiram, cada uma à sua maneira, o território da outra - a NET passou a oferecer telefonia e a Telefônica foi para o ramo da TV paga. São, todas, de capital estrangeiro - a NET é mexicana, de um dos homens mais rico do mundo - Carlos Slim - que também é dono da Embratel e da Claro. A Telefônica é do governo espanhol.
Entre a tourada espanhola e a tequila mexicana, sobramos nós, paulistas e brasileiros, a nos contorcermos ante as investidas do bravio touro e rebolarmos sob os efeitos da aguardente do povo que vem dos incas e astecas. Não temos uma capa vermelha. Não temos água para combater a ressaca.
A NET/Sibéria opera uma rede híbrida - cabo coaxial e fibra óptica. Mas o NET Fone é fruto de uma combinação com redes IP (internet protocol), chamadas (sem o serem) de 'última geração'. De fato, não entendo como pode uma rede de última geração me transformar num fio de voz, me extinguir e me apagar de seus milhares de circuitos. Tecnicamente, numa rede desse tipo, a voz transforma-se em pacotes de dados. Pessoalmente, concluo que os pacotinhos que decifram a minha voz para o sistema estão perdidos num imenso limbo (doravante chamado Libéria), numa espécie de centro de distribuição logística de Papai Noel que, sobrecarregado por tanta encomenda, perde alguns milhares de embrulhos lá pelos lados do Pólo Norte.
A Telefônica/Ibéria usa uma rede secular, chamada de 'par trançado', 'fios de cobre' ou simplesmente 'cobre'. Para pegar o lucro à unha, despejou ouro no cobre e suga com força de extrator de petróleo todos os dividendos: faz passar pela malha de cobre uma rede de banda larga que, se na Espanha fosse definida como tal, seria multada e teria sua concessão cassada. A banda larga brasileira está lá no fim da linha (não do telefone, que esse não existe) na classificação de piores serviços oferecidos no mundo.
(Eu, perdido em profundas terras da Libéria, devidamente sucumbido ao limbo)
Hoje, sou um assinante pleno da Sibéria: TV paga, banda larga (sem virtude alguma) e telefone. Pago um ticket médio mensal alto, que gira acima dos R$ 300. Mas isso não quer dizer nada. Recebi, desde janeiro deste ano, a visita de 5 diferentes técnicos (um dos quais não tinha a menor noção de onde começava e acabava a rede) para resolver a minha dissolução (de voz e de pessoa, ao que parece) através dos cabos e centrais de comutação. Não houve acordo. Continuo a me perder (nem tanto a mim mesmo, e sim para os outros) em degradações sem fim que me levarão, eu creio, a um completo sumiço.
Com a entrada da portabilidade numérica, resolvi agir: contatei a Ibéria e solicitei a minha transferência para a velha e até então confiável rede de cobre. Tenho comigo o número da OS (ordem de serviço): 31968120. A OS, de 03/04/2009, registra o dia em que o técnico da Ibéria instalou a conexão na minha residência. Era, na minha opinião, o passe para a saída da gelada Sibéria e a entrada para o Velho Mundo da Ibéria, ao qual eu tinha pertencido e ao qual eu tentava voltar, feito um velho mouro prenhe de saudades de Sevilha.
Depois disso, me vi como um mouro rejeitado repetidas vezes pelos madrilhenos, catalães, sevilhanos, galeses, galicianos e todos os demais burgos unidos sob a unificação espanhola que, uma vez tendo debelado o mouro (quando saí da operadora, há uns 3 ou 4 anos), não mais o aceitam em suas fileiras, a título de retaliação. Foram inúmeros os apelos feitos junto à Ibéria, em tentativa de admissão. Dos quais guardei alguns protocolos - 19426584 (em 13/04), 18884112, 18892382 e outros os quais não me dei o trabalho de anotar.
Hoje, 11/05, faz 45 dias que estou na Libéria, conhecida também por limbo. Não saí da Sibéria totalmente - porque somente deixarei o continente gelado se conseguir o traslado para a Ibéria - e nem cheguei nem perto da Ibéria - porque, visto como mouro arrependido, pago por ter um dia ousado deixar o território ibérico.
Me sinto o personagem de Tom Hanks em "O Terminal": num estado de trânsito em que a partida nunca acontece. Destituído de território, sou apenas um ectoplasma que vaga ermo pelas redes na cidade sem chegar a uma decantada convergência que, no final, me uniria a todos e a tudo. Volto a afirmar: estou em estado de degradação. Minha voz some, se desmancha como aquela expressão que definiu o fim de todas as coisas: tudo o que é sólido desmancha no ar. Sou eu.
17 Comentários:
Red
degradação?...
tentei ler, entreler, mas por vezes seus textos são demasiado densos. mesmo "técnicos". não consigo, confesso. e tenho sono, muito sono, arrasto um cansaço pardacento. as melhoras. se REComponha!
Olha, quem sabe lá na radiola não se anima? para mim me vale todo o dia, sem santo.
Red,
E adianta fazer esse tour pela Siberia, Iberia e Liberia para acabar nessa miseria????? Eh triste isso, nao?
Beijo e nao desista de botar a boca no trombone so porque nao te deixam vc falar ao telefone (nossa, ate rimou!)
não deixam falar no telefone?... agora "viajei"...
Umbilical, por que eu tenho que me recompor se tudo o que acontece faz com que eu me descomponha e tenha que descompor publicamente aquilo que era para ser privado? Talvez eu esteja cansado de andar a me compor para o mundo e queira um pouco de descompostura. Porque, como disse em post anterior, somos educados em posturas e retidões que, no final das contas, só servem para nos afixiar. Este post é deve-se ao fato único de eu não ter a disponibilidade de um telefone fixo, a despeito de pagar contas altas pela respectiva assinatura. Ou seja, pago pelo serviço mas não tenho o serviço prestado.
Radiola, não entendi nada!!!!
La Voyageuse, ainda bem que tem outros meios, como este aqui. Ainda assim, eu sou um animal telefônico e me desagrada sobremaneira não ter acesso a uma tecnologia tão antiga em tão modernas eras. Beijo!
Radiola, se você viajou, eu estou em nave interplanetária. Continuo a não entender o que você quis dizer.
lumbelico!!!!
ahahha. oras Red! radiola toca, né?! dá MÚSICA!!! :) ora leia outra vez sff. bota o ólico! (estou a brincar).
me desculpe. claro que não n~eo entendeu nada. eu num tenho nave interplanetária mas vagueio no espaço parvo de minhas ideias doidas e as vezes passo nos lugares e me sai maluquice... esquece. abraço e força. descomponh-ase!
Red
nem me fala em confusão idiota de gente sem vida privada! e que gosta de fazer privada pública sobre a vida alheia...
eu cá já nem ouso me pre-ocupar disso. eles que se descomponham a eles mesmos, miséria que trazem no lugar dos olhos e lixo em vez de palavras. o mal único é que cada vez mais me vou afastando, isolando, pra lá de pontes, abraços, conversas com ou sem fios. o mal é um bem, talvez, um reencontro precoce com a solidão... beijo, mi liga! :)
fica frio (nunca entendi que é isso d fica frio pra brasileiro? é n esquenta ou... sei lá! ceis é tudo "adúltero" com as palavras! eheh
por falar nisso, conhece a sensação de que todo o mundo em seu redor "sabe" maiss de sua própria "vida" que você mesmo?! surreal, no mínimo.
Radiola, eu sei que radiola toca. Ou deveria. A sua deve estar tocando algumas músicas de transe. Hipnóticas. No final das contas, até que eu não me descompus tanto assim. Só um pouco. E com iRadiola. e iRadiohead. Abraço!
Umbelical, fica frio, não esquenta não. Adúlteros, nós, a ponto de mudar-lhes o nome (Umbilical, em post-resposta ao desafio), Auriculares vós, cheios de Radiolas e musicalidade. Surreal? Nada! Vai que, no final das contas, é melhor que tomem conta da vida nossa e nós da deles, já que a vida é uma desembestada mesmo e, cá entre nós, ninguém controla é nada. E como tu queres que eu te ligue se nem de fios e muito menos de sem fios quer ouvir falar? Eu cá a administrar uma crise aguda causada por falta de telefone e tu a brincar com ligações internacionais. Estou me sentindo phoneless, mudoless, cachorroless. beijomeliga! (para o wireless pq o fixo não funciona)
red,
obrigada por ter respondido afirmativa e prontamente a meu desafio.
de resto, em toda a volta, espaço, silencioso ou musical, lhe juro que permanece aquilo a que chamei surreal, sobre-real, sub-real, não sei. tudo se desmorona a cada re-composição, tentativa de controle dirá você.
trago o espírito "em água", de mágoa, maré cheia nos olhos que escondem oceanos de lágrimas por rebentar. tsunami que um dia, acredito, me invadirá e a todos. e nem nadar direito sei.
se pudesse recolhia a face no bolso e caminharia do pescoço pra baixo, abaixo de cão, rastejo, esgravato. e que deus é esse que conecta a seu bel prazer ilusões de óptica? que nos confunde nos sentidos o próprio sentido?
procuro uma face onde saiba ler um olhar, difuso, oblíquo, qualquer coisa! clamo por um rosto sem máscaras, uma voz cujo objecto seja meu ouvido.
ando morrendo de compusturas descompostas de outros...
não sou mais do que a interrogação da criança para quem o mundo, além de enigma, trás resposta junto.
estarei me descompondo? falo do íntimo onde se joga sem fios?!
não sei.
iIphodasse!
desculpe o desabafo em blogue alheio. n sei se expludo pro espaço se desapareço dentro, completly.
traz do verboo trazer
Umbilical, entendo grande parte do seu pesar, mas os enigmas existem mais do que respostas e sou incapaz de te dar alguma, eu que estou mais perdido do que nunca. Não de desculpe pelo desabafo por, por incréu que tu sejas, é pelas vias copiosas de se desabar que alguns enigmas podem vir a ser desvendados. Eu acho. De resto, iPhodasse mesmo porque a vida é cruel e melhor seria eu eu pudesse viver feito com avestruz, com a cabeça enfiada dentro dos livros cujos enigmas (quase) sempre são respondidos.
Postar um comentário