The book is on the table
Com fome de canibal privado de repasto gordo, devorei em menos de 36 horas, entre a compra e a leitura final, as 607 páginas do segundo volume da trilogia "Millenium 2 - A Menina que Brincava com Fogo" - Stieg Larsson - Companhia das Letras - 607 páginas. O primeiro volume - "Millenium 1 - Os Homens que Não Amavam as Mulheres" - era igualmente extenso - 522 páginas, o qual eu li em novembro do ano passado.
Antes de falar do conteúdo da obra, como expressão literária, quero falar da forma e de falhas técnicas que, por partir de uma editora como a Companhia das Letras, muito me surpreende. Eu não me recordo de ter notado essas falhas no primeiro volume.
O segundo volume deveria se chamar "Millenium 2 - Meneio" tal a profusão da palavra "meneio" no livro todo. A uma dada altura, cheguei a contar cinco vezes a palavra numa só página. Era tanto menear de cabeça que achei que os personagens ficariam, no mínimo, com torcicolo. Bastava um deles falar alguma coisa e o outro meneava a cabeça. Isso me incomodou tanto que passei a contar a palavra, num evidente exercício matemático, e não mais literário.
Meneavam, todos, obsessivamente suas cabeças que cheguei a acreditar que as constantes dificuldades de se elucidar os pontos obscuros deviam-se, sobretudo, ao balançar intenso dos cérebros. Como se os neurônios estivessem em sinapses bipolares, com cada um a tentar fazer conexão com o outro sem ter sucesso.
Eu sugiro que a editora conte, no arquivo digital, quantas vezes a palavra "meneou" aparece. Até pensei em fazer a conta. Mas meneei minha própria cabeça somente de pensar em quantas vezes teria que menear contra tanta repetição. Pelos meus cálculos, a palavra "meneou" deve surgir pelo menos umas 1,2 mil vezes (havia páginas com até cinco "meneou" e outras com um "meneou").
A tradução foi feita a partir da edição francesa, e não da edição original sueca. Creio que isso colaborou para uma série de balanços de cabeças. Não sei bem porque, mas acho que foi isso. Também não entendi porque não chamaram um tradutor de sueco. Eu, por exemplo, sou completamente versado em sueco e acho um desperdício não me aproveitarem. Um detalhe: o tradutor do primeiro volume é um e o do segundo, outra. Acho que isso conta.
Outro problema: "o gigante louro se afastou, desorientado .... Nisso, Mikael aproveitou ..." (não está ipsis literis, mas é isso mesmo). A qualquer ação, a reação vinha com "nisso, tal pessoa fez aquilo", "nisso, a garota ...". Horrível. Pobre. Bengala.
Para completar, descobri uma nova palavra: "tronar". Não imaginei que tronar fosse verbo. Mas é. "A cafeteira tronava sozinha ...". Oras, melhor seria se tivessem dito: "A cafeteira estava lá, majestosa ...". Tronar significa algo como apresentar-se majestosamente, do alto. Mas, ou muito me engano, ou cafeteiras não tronam, e sim pessoas.
Por fim, eu nunca reclamo da forma dos livros. Mas desta vez não passarás. O livro inteiro cheirava a madeira recém-cortada, daquela que você sente até o cerne. Dava para ler no papel o último gemido da árvore ante a corrente da serra elétrica. Sem brincadeira! Cheiro forte mesmo. Creio que o livro foi impresso na serraria. E, se uma lupa eu tivesse, acharia, por certo, minúsculas partículas de pó de serragem. Elementares, as partículas, de tão verdes que se conservavam nas folhas.
Bem, depois de tudo isso, não me sobra muita disposição para falar do conteúdo em si. O livro não é um primor na história da arte literária. Mas tem o dom, bem-vindo a todos os livros, de prender a atenção. Funciona como um thriller: a cada página, vencidos os chacoalhares de cabeça, aparecem novos suspenses. A história até que tem alguns elementos interessantes: uma hacker poderosa, um jornalista investigativo que gosta de investigar e os vilões, que sempre são atraentes sob o meu ponto de vista.
A trilogia vendeu mais de 10 milhões de exemplares no mundo todo. O autor foi considerado uma revelação na Suécia. Mas, em 2004, assim que entregou os originais para a editora, morreu de ataque fulminante. Uma pena.
A despeito de todos os problemas, espero ansiosamente pelo terceiro e último volume. O lançamento deve ocorrer daqui a uns seis meses e, até lá, dá tempo suficiente para a editora resolver esses percalços e, pelo menos, usar papel que já esteja mais seco, com madeira sem clorofila. Se reeditarem o livro (o segundo) e corrigirem as falhas e os meneares de cabeça, eu aceito uma nova edição de presente. Menearei a cabeça positivamente.
8 Comentários:
Bem, é mais fácil responder aqui, embora continue problemático aceder à página sem que o pc se "meneie" todo! ahahah.
Só para dizer, Red, que não me faltava mais nada do que enfiar a cabeça em livros, ou seja lá no que for, para desvendar os enigmas de "olhares indiscretos", cretinos, sob discretas janelas. Não desvendo nada quando vendada.
iPhodasse para os enigmas de quem os instiga quais bolas de fogo para jogar nas mãos de outros!
Fui pesquisar a sinopse sobre esses dois livros que refere... não obstante a forma, o conteúdo pode até ser interessante... ( E que aconteceu ao gigante loiro?!!!!!!!!!)
bOM FIM DE SEMANA.
já deu uma escutada no meu sítio, seu ingrato? :)
Red,
Acho que so mesmo meneando a cabeca, inclusive a dos personagens, para espantar o cheiro forte do livro, ne?
Beijo e bom final de semana
ive got mail! tão fui.
Umbilical, o gigante louro é um desses caras brutamontes sem cérebro. O resto você imagina. Esse tipo de livro eu gosto porque me tira o foco de outras literaturas mais densas. É como Stephen King, de quem eu gosto também. Diferente de um Ian McEwan, de quem acabei de ler "A Criança Perdida no Tempo". Excelente. De resto, sugiro que você não 'enfie' a cara nos livros para desvendar nada. Nem que tente desvendar nada. Para quê, afinal? E, sim, já dei uma passada no teu sítio, ingrata.
La Voyageuse, meneei minha cabeça em concordância. Bom final de semana também. Beijo!
Dove, embora eu tenha escorregado nesse liso comentário tratado a sabonete, não posso deixar de imaginar o que há por debaixo de tão brumosa espuma.
Estava tão irritada com a tradução do volume dois que resolvi pesquisar na internet pra ver se havia alguma crítica. Concordo em gênero, número e grau quanto aos meneios. Mas, dentre outras pérolas, merece destaque o trecho em que o protagonista acorda de madrugada no sofá e vai "titubeando" até a cama... Aliás, o verbo "titubear" é utilizado uma outra vez com esse significado... Até pensei que o tradutor desconhecesse o verbo "cambalear", mas, para minha surpresa, ele o utilizou mais pro final do livro... Será que a Companhia das Letras não tem revisão pra tradução?
Anônima, tanto o 'meneio' quanto o 'titubeio' são, ambos, hesitações do tradutor e do revisor, pois que sim. Titubearam todos, inclusive a Cia. das Letras. Acabei há pouco de ler a terceira parte da trilogia e, a cada vez que lia a palavra 'meneio', eu tinha urticárias e vontade de fazer uma fileira de letras e, com elas, formar uma companhia de letras para fazer passeata em frente à Cia. das Letras. Eu já até me oferece como revisor para a editora. Mas eles menearam a cabeça, titubearam e até agora não sei se foi sim ou não. Beijo!
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