Meu rugido dominical
É mais do que visível que lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) existem: são seus vizinhos, amigos, filhos, pais, colegas, empregados ou chefes. Neste mês, em que se comemora ao redor do mundo o orgulho gay, essa visibilidade tornou-se ainda maior. Nos EUA, o presidente Barack Obama declarou o mês de junho oficialmente como "National Gay Pride Month" (ou Mês Nacional do Orgulho Gay).
Os eventos desse tipo costumam incluir filmes, exposições, painéis de debate e outras atrações culturais, na face política. Na face que realmente vale a pena, a da diversão, entra tudo: baladas intermináveis, encontros, novos e antigos, compras, consumo, muita bebida, drogas e tecno (algumas vezes, rock'n roll). E, para culminar tudo e terminar em grande estilo, as associações gays realizam as paradas que, a cada ano, abrangem mais cidades no mundo.
Hoje, 14 de junho, aconteceu a 13ª. Parada Gay de São Paulo (as primeiras informações dão conta de que o público esperado, de 3,5 milhões, não chegou a se confirmar). Mas não é sobre essa parada que vou escrever (não fui; como não tinha companhia, preferi não ir sozinho). É de um outro ponto do planeta, especificamente aquele sobre o qual dizemos, no Brasil, que se fizermos um buraco na Terra, lá sairemos: a China. Sim, a China realizou a primeira semana do Orgulho Gay, em Shangai. E outras pequenas manifestações em Pequim e Hong Kong.
Estima-se que a China, com mais de 1,3 bilhão de habitantes, tenha uma população gay de 30 milhões de pessoas (20 milhões de homens e 10 milhões de mulheres), segundo dados de estudiosos locais sobre o tema. A China, país mais fechado do mundo (talvez, exceto, menos apenas do que a Coreia do Norte), retirou a homossexualidade da lista de crimes em 1997 (há 12 anos) e, somente há oito anos, em 2001, reconheceu que o homossexualismo é natural, e não um problema mental.
Relatos de estrangeiros que vivem na China dizem que nos últimos anos, em geral, a atitude da sociedade mudou muito em relação aos gays. O que criou, de alguma forma, a plataforma sobre a qual Shangai pôde realizar uma verdadeira festa pública (com cerca de 2 mil pessoas). É um fenômeno no país, um aumento da tolerância em relação ao assunto, visto pelo governo e pela maior parte das pessoas como um tabu. Pior: com preconceito.
Isso não quer dizer que algumas modernas cidades chinesas tornaram-se, da noite para o dia (ou melhor, do dia para a noite, que é o período preferido pelos gays) friendly (amigáveis): a discriminação social ocorre, seja por conta dos direitos legais ou no mercado de trabalho. Há casos confirmados de expulsão de estudantes das respectivas universidades simplesmente pelo fato de se assumirem gays.
Para fazer acontecer a Shangai's Gay Pride Week, por exemplo, os organizadores tiveram que transpor alguns obstáculos: um hotel local, que havia concordado em sediar o principal evento, retirou a oferta sem maiores explicações. Antes, duas projeções de filmes com temática gay haviam sido canceladas por pressão da prefeitura, sob a alegação de que faltava a respectiva licença para projetá-los. Oficialmente, a prefeitura não admitiu que tentou barrar o evento (como o fez, efetivamente), mas os organizadores dizem que, a despeito da descriminalização do homossexualismo ter ocorrido há alguns anos, o estigma social é grande e a aceitação pública da sociedade é bastante limitada.
De qualquer forma, Shangai conseguiu realizar o primeiro festival (ou semana) do orgulho gay na China. O evento, assim como em São Paulo, foi encerrado hoje, com um pequeno desfile/passeata (não dá para falar em parada quando as pessoas não chegam a 2 mil participantes).
Se você leu o post até aqui, perceberá uma série de coincidências com o Brasil. Embora carregue com indisfarçado orgulho o fato de realizar a maior parada gay do mundo, o Brasil, assim como a China, tem um limite de tolerância. Passou desse limite (que fica muito claro em dia de parada como neste domingo em São Paulo), atinge-se o que chamo de "zona de conflito".
Ou seja, deixa-se a "zona de conforto" (parada, danceterias GLS, bairros mais friendly), e, imediatamente, se tem acesso à "zona de perigo", que é aquela que fica encoberta pelo falso manto da cordialidade brasileira ('não somos um povo preconceituoso').
Não somente discordo desse ponto de vista - somos, pior, cheios de preconceitos enrustidos, a propósito do tema -, como acho que, por debaixo da camada de 'simpatizante', muitos, em particular, são contrários a essa visibilidade capaz de se expor cada vez mais colorida em todo o mundo. Assim como o brasileiro médio tem preconceito não-declarado com a raça negra, o tem também com os gays. É um fato que pode ser confirmado por qualquer um de nós. E me acuse de ser falastrão se isso não for verdade.
Mas assim como disse um organizador da parada de Moscou, que foi proibida de acontecer pela polícia local, que mais uns 10 anos e as coisas mudam, eu acredito que também no Brasil e na China as pessoas (confortáveis com sua heterossexualidade??!!!) deixem de avaliar os gays pela sexualidade e simplesmente os tratem como filhos, amigos, pais, colegas e seres humanos. Afinal, ao que eu saiba, salvo prova em contrário, ninguém que habita a Terra é extraterrestre.
Para concluir, as paradas no mundo incluem países os mais variados: Filipinas, Holanda, Sérvia, Taiwan, Polônia, Índia, Rússia (exceto pela parada, proibida, eventos paralelos aconteceram), Croácia, Eslovênia, Romênia, Bósnia e Herzegovina, Macedônia, Albânia, Eslováquia, Lituânia, EUA, Inglaterra, Canadá, Colômbia, Chile, Alemanha, Espanha, Finlândia, Turquia, Israel, Irlanda, Portugal, Itália, Áustria, Bélgica, Suíça e mais alguns países que eu nem sei dizer quais são.
Tem um link aqui com as datas dos calendários mundiais. A despeito de junho ser o mês oficial, as paradas acontecem de março a dezembro em todo o mundo. Então, acho que sim, as coisas mudam, aqui, ali e na China. Que bom!
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