Um dia de fúria na cidade
As Erínias, deusas violentas e temíveis que confrontavam os demais deuses e eram temidas inclusive pelo todo-poderoso Zeus, número 1 do Olimpo, descenderam, elas próprias, de um ato trágico e violento: Cronos, o deus grego do tempo, era filho de Urano (Céu) e de Gea (Terra), e irmão dos titãs. Gea pediu ao filho Cronos que cortasse os testículos de Urano, seu pai, com uma foice que ela mesma arranjou para praticar a atrocidade.
Cronos cortou os testículos de Urano e, das gotas de sangue que se esvaíram, nasceram as Erínias que, mais tarde, seriam reconhecidas pelas crueldades. Esse é o mito grego. Os romanos incorporaram muitos mitos e deuses da Grécia. Mas, ao fazê-lo, em muitos casos, renomearam os deuses e os trataram como se fossem criações suas. As Erínias, no mito romano, transformaram-se nas Furias e, para a Roma Antiga, essas deusas, na verdade, designavam os gênios do mal dos infernos latinos. A partir daí, 'furias' passou a indicar também a própria emoção violenta (ou comoção) a que chamamos de 'fúria' e, por consequência, derivou o verbo 'furere' (enfurecer).
A cidade de São Paulo conheceu, nesta quinta-feira, 16, dois atos que configuram, de forma aterrorizante, um dia de fúria: no primeiro, um funcionário, leitor de relógios de consumo elétrico da companhia de eletricidade Eletropaulo, foi atraído para a residência de um morador e, dentro da casa, foi mantido em cárcere privado por dois dias, durante os quais passou por extensas sessões de tortura - ameaça com arma de fogo, choques elétricos (seria cômico se não fosse trágico o uso da energia elétrica) e encenações de atos de violência do morador que ensaiou, inclusive, um assalto no qual o funcionário tomaria parte como protagonista. O funcionário conseguiu fugir do agressor porque, num momento de distração do torturador, gritou por socorro e foi ouvido pelos vizinhos, que chamaram a polícia.
O caso aconteceu na região central de São Paulo e os vizinhos relataram que tudo o que acontecia no bairro de estranho era imediatamente relacionado com esse morador, um homem de 41 anos. Até agora, não estão claros os motivos que levaram o morador a enfurecer-se dessa forma e agredir uma pessoa com a qual ele nunca teve contato.
O outro caso envolveu uma mulher, que é parte integrante da Guarda Civil Metropolitana (GCM). A GCM, como se sabe, é uma espécie de polícia e somente não chega a ser polícia de fato porque, na legislação brasileira, há três espécies de polícia: federal, estadual civil e estadual militar. Os municípios, por lei, não podem montar destacamentos policiais armados. A GCM de São Paulo, assim, não pode portar armas de fogo.
Mas, numa discussão de trânsito entre a guarda da GCM (que estava num veículo da própria GCM) e um outro motorista, a mulher perdeu o controle e seguiu o motorista em perseguição implacável que somente foi contida por bombeiros (também eles policiais militares). A guarda, visivelmente alterada, portava uma arma ilegal e foi acusada de desacato à autoridade (os superiores que a perseguiam). Também nesse caso, não se sabe o que levou a mulher, uma autoridade, a empreender a perseguição furiosa nas ruas da cidade.
A fúria é uma emoção violenta, desencadeada pela exaltação dos ânimos, e pode se originar das mais diversas situações - desde problemas financeiros e transferência da 'culpa' para outras pessoas, como parece ser o caso do morador que torturou o funcionário da elétrica até a briga de trânsito que levou a guarda municipal a perseguir um motorista como se ele fosse um criminoso.
Eu imagino que você, assim como eu, já teve momentos de fúria. Aqueles que, num átimo, turvam nossas vistas e nos transformam em furores da natureza, completamente possuídos pelas Erínias (ou Furias, se romanas). Capazes, inclusive, de atos miseráveis como os das próprias deusas, de extirpar testículos e até mesmo pênis (aka Lorena Bobbit e uma ou outra brasileira que, eventualmente, o faz também, possuída que está pela fúria).
De forma que não parece, mas o mundo está mais povoado de eunucos e castratis do que sonha (e percebe) a nossa vã filosofia. De tempos em tempos, alguns homens padecem da penectomia (ou falectomia), que é a retirada apenas do pênis.
Esses dois casos de fúria em São Paulo tornaram-se públicos e eu imagino quantos não vêm à tona. Quantos Williams (personagem de Michael Douglas em 'Um Dia de Fúria') e Lorenas não estão à solta por aí, prontos para fazer emergir seus próprios gênios do mal, provavelmente adormecidos em lâmpadas incandescentes?
1 Comentário:
Merci d'avoir un blog interessant
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