Meu rugido dominical
Dá para medir a dor? Existe um dorômetro, uma régua-dor? Não, não me refiro à dor física, impingida contra a carne do corpo, contra um osso, um corte na pele, um parto, uma dor de dente, de estômago, uma cólica. Não, essas dores são mensuráveis. Todos as temos, homens e mulheres, em diferentes proporções. Mas as sabemos, com maior ou menor intensidade.
As dores físicas são, em grande medida, a propósito, passíveis de serem interrompidas por força de intervenções médicas, de remédios, de fortes vacinas ou drogas potentes. Ainda que alguns de nós as soframos inapelavelmente, essas dores são celulares, têm origem. Portanto, conhece-se a causa, ainda que a consequência possa ser, em alguns casos, completamente descontrolada.
Quero dizer da dor d'alma. Daquela que não tem parâmetros, sem referência. Aquela a qual o teu modelo não serve ao meu. Não é espelhável porque solitária. E é solitária porque talvez não possa, nunca, ser compartilhada por duas pessoas. Nunca. E isso, por si só, já é dolorido o bastante.
A dor d'alma não tem cura. Não tem droga potente. Laboratórios concorrem em corridas malucas para encontrar a chave, a felicidade embutida em pílulas. Seriam Midas se o fizessem. Que a dor de uma alma é permanente. De toda a humanidade. Nunca há remédio para tanta dor. Como se mede a dor?
Que se enfileirassem as dores, pequenas, miúdas, individuais ou coletivas, talvez que não houvesse perímetro ao redor da terra para contabilizar tanta dor. Talvez que essa reunião de dor avolumasse o planeta a ponto de provocar uma nova explosão. Uma expansão movida a dor. Combustão de dor.
Como se mede a dor? Impalpável e, porém, implacável. Que surge sem causa aparente. De uma palavra dita, de um riso, de um sorriso. Pode a dor surgir, afinal, da felicidade? Da alegria? Pois que dor não é tristeza e, portanto, não caminham, tristeza e dor, juntas, gêmeas? A dor brota. Feito minas d´água inexplicáveis que nascem da terra a qual se acreditava árida. A dor é fértil. Prenhe de terrenos. Áridos ou irrigados, independe de cultivo.
Colhe-se a dor mais pelo joio do que pelo trigo. Espalha-se feito erva daninha e danifica. Dana. Danação. Como se mede a dor? Por que mecanismos irriga-se a dor e se a extravasa? E se a sufoca? É possível compilar a dor? Fechá-la em caixas de Pandora como queria a lenda? Como se mede a dor? E para quê medir a dor? De que vale saber a extensão, se é dramática, profunda, fantasiosa, grotesca ou apenas dor?
Dizem os dentistas que a dor de dente que aparece não surge do nada, assim repentinamente. Que está lá, no princípio, em desenvolvimento. Começa na raiz ou na parte mais externa do esmalte do dente. Uma pequena broca a perfurar o acesso para a dor maior que virá. No início, uma leve irritação. Um incômodo que a escova e o creme dental resolvem. Afasta-se a bactéria e abafa-se a dor. Mas a dor persiste, fina, com ondas que ressonam de tempos em tempos, intermitentes na persistência. E depois, finalmente, quase que como um alívio, a dor fatal chega. De fazer chorar. De ranger os dentes, de forma literal e autêntica. A dor, enfim, verdadeira, honesta, que expõe os nervos e aos nervos de quem a possui.
Também a dor d'alma, a angústia, se processa por etapas. É uma dor que se constrói. Não levianamente. De forma alguma! Pois que a dor é um organismo vivo, que se expande. Alimentado pelas quimeras todas. Como bactérias vivas. Colônias inteiras para povoar a mente e a alma. Que, desencadeadas por células da alma, transpõem as fronteiras nas quais as enjaulamos e, num átimo, eis que fazem a travessia e rompem. Rompem e se derramam, se esparramam. Se condensam ora em brumas, ora em lama. Nos enlameiam, nos sujam, nos pervertem.
Ah! Como se mede a dor? Me diga como se mede a dor. Como se, na medida em que fosse possível medir a dor, pudéssemos, simplesmente, medir a distensão e tomar as medidas para que não mais se esgarçasse. Para que se asfixiasse em si mesma. Para que se desenvolvessem métodos, compressas, comprimidos, tubos que encapsulassem a dor. Que fossem objeto de estudo, raridades de laboratórios. Que ficassem presas como Pandora determinou. Seguras. E nos deixassem, aqui fora, seguros de que não há mais dor.
Me perdoem a insistência no questionamento. Mas, se eu pudesse a medir a dor, eu a fatiaria em peças menores, como se pudesse me servir dela como nos servimos daqueles sofisticados finger foods de eventos: para caber entre os dentes sem que a boca seja pequena demais e tampouco sem que se perca o sabor fundamental. Não sou masoquista a ponto de achar que a dor tem que ser sorvida. Não, não é isso. É que seria mais fácil digeri-la, em pequenos bocados.
Que, se a medisse, entenderia sua extensão, peso, cintura, duração. Pois que administrar o intangível não é fácil. Dói fazê-lo. E sem sabê-lo, pois, é ainda mais canhestro o processo. Que, se a medisse, talvez a medicasse com um pouco mais de percepção. Por fim, talvez, a compartimentaria e faria dela presa minha e não o contrário. Pois que nem a bocarra de um leão pode estraçalhar a dor, esqueleto invisível cujos ossos atravessam a garganta e sufocam em perigo de morte. Ah! Dor. Doa-se, a vagabunda, fácil, fácil. Pois que a minha dor, a doo eu, a quem interessar possa.
2 Comentários:
Olá
Vi-te como seguidor no meu blog.
Vim aqui..ao teu.
Gostei do que li! Revi-me no texto.
A dor da alma não tem tamanho, forma ou cor. É simplesmente uma dor indescritível.
Bjs.
Mona Lisa, obrigado pelo comentário e visita. Volte, pois, que aqui os Da Vincianos têm morada garantida, com ou sem dor de alma. Beijo!
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