The book is on the table
Embora eu não tenha atualizado com frequência esta seção, continuo a ler sofregamente porque, não canso de me repetir, a literatura, raramente, me aborrece. E, fora do universo literário, são cada vez mais raras as coisas que não me aborrecem.
Corro o risco, com isso, de me quedar para o lado de lá, o dos livros, e deixar o lado de cá, o do mundo real, e ficar eu mesmo aborrecido e aborrecedor. Mas, não sei se é um cansaço com o mundo real e com as pessoas, falto de vontades, me atiro aos livros, um a um, como se estivéssemos, eu e os livros, em extinção.
O que não é de todo inverdade. Porque, vivemos para morrer, em paráfrase a Jorge Luis Borges. De tal forma, repito, ainda que não tenha comentado os livros, os consumo com a mesma voracidade de sempre, em visitas semanais e não de todo vazias às livrarias. Volto, sim, mais vazio de carteira. Mas isso é uma questão para a vida real, e não para os livros.
Começo com um livro que foi um tiro, uma bala rápida, um ataque. Eu o li como o publicaram: em choque, rápido para não perder tempo em pretextos - como, por quê, que mundo é esse e outras questões que, realmente, não pautam esse livro. Falo de "A Besta" - de Roslund e Hellström - editora Planeta - 332 páginas.
É sobre um psicopata, assassino confesso de crianças, que escapa da prisão e prepara-se para praticar mais violência. E violência é o que não falta no livro. De ponta a ponta, sem perdão, sem tempo para respirar, sem que se explique muito. Uma morte se sobrepõe à outra sem dar tempo ao leitor de se recompor. Os autores, suecos, são Anders Roslund, conhecido jornalista da Suécia, e o ex-criminoso Börge Hellströn. Acesse aqui o site dos autores. Se o(a) leitor(a) assistiu o filme "Violência Gratuita" (Funny Games), terá a mesma sensação ao ler o livro: de impotência, dor e revolta.
"Nos Penhascos de Mármore" - Ernst Jünger - editora Cosac Naify (que faz parte da excelente coleção Prosa do Mundo) - 197 páginas, insere-se na categoria de romances sem categoria. Ou seja, não pertence a qualquer gênero literário especificamente, embora muitos tenham tentado classificar a obra como uma ode ao totalitarismo e ao nazismo, ao qual, nos primeiros tempos, o autor, Jünger, se alinhou.
Jünger sempre foi admirado por Adolph Hitler e, mesmo depois de começar a se voltar contra o nazismo e criticar abertamente o regime, pôde publicar livros na Alemanha nazista porque Hitler assim o determinou. Isso não arrefeceu alguns quadros nazistas e, por fim, Jünger nunca foi, efetivamente, molestado, nem mesmo no processo de desnazificação ao qual foi submetida a Alemanha pós-Hitler.
"Nos Penhascos" é a obra-prima de Jünger, que foi soldado alemão condecorado, e viajou, inclusive, ao Brasil. No livro, no cenário fictício que o autor desenha para simbolizar o totalitarismo, é possível constatar, segundo o prefácio de Antonio Cândido, alguns elementos tomados de empréstimos da Amazônia e do Pará, por exemplo, entre os quais as serpentes, entes centrais na trama da obra.
Até agora, depois de lido e absorvido o livro, não sei, efetivamente, se gostei ou não da obra. Trata-se de "Os 351 Livros de Irma Arcuri" - David Bajo - editora Nova Fronteira - 350 páginas. São dois personagens: uma, ausente, Irma, e o outro, presente o tempo todo, Philip, que 'brincam' num jogo de esconde-esconde pelo qual passam outros personagens, todos influenciados de alguma forma por Irma.
A protagonista é restauradora de livros e Philip é matemático, para quem a comunicação entre as pessoas somente é possível por meio de equações e gráficos. Nesse paradoxo entre literatura e matemática, Philip empreenderá uma busca por Irma por meio de pistas aleatórias deixadas nos 351 livros que Irma lhe deu como herança e, de forma simbólica, como pavimento a ser percorrido.
Eu afirmei que não sei avaliar se gosto ou não desse livro porque me pareceu que o autor emprega grande parte do tempo a colidir seus próprios conhecimentos literários com as equações matemáticas. E por um pontinho quase particular a me chicotear, de leve: Philip corre o tempo todo e eu sinto que perco o fôlego e, por vezes, deixei de ler o livro de tanto que alguns personagens correm, sem razão aparente a não ser o fato de se quedar exaustos. Ai que canseira! E a editora fez até um site para o livro!
Para concluir este post que a mim não me aborrece mas pode muito bem fazê-lo ao(à) leitor(a), termino com, na verdade, dois livros, contidos num só - "Contos Fatais" e "As Forças Estranhas" - Leopoldo Lugones - editora Globo - 305 páginas. São 13 contos em "As Forças Estranhas" (publicados em 1906) e mais 5 contos em "Contos Fatais" (de 1924).
São, todos os contos, puro realismo fantástico de um escritor argentino pleno de erudição. Esse sim, com o maior domínio do processo de escrever. Não sei se é por hábito da leitura, mas eu consigo mesmo saber quando o livro flui pela mão do autor e quando não flui. É o caso desses contos, e não é o caso do livro acima - "Os 351...", para exemplificar.
Lugones faz com que as modernas formas de conhecimento que começavam a vicejar (sim, feito moscas, porque nunca mais pararam de dar crias, essas formas de conhecimento) no início do século XX dialoguem com as antigas formas de magia, alquimia, do mito e do esoterismo e isso faz de ambas as narrações - "Forças" e "Contos" - verdadeiras histórias do realismo fantástico, plenas de ficção científica e, ao mesmo tempo, carregadas de sensações imemoriais de um medo primitivo. Prosa de um autêntico alquimista de palavras.
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