Pecados saciados
Em 24 dias - tempo que fiquei fora da cidade - fiz um passeio por alguns dos chamados "pecados capitais". Eu não creio em pecados, pero, que los hay, los hay. Assim, de forma perfeitamente humana, me entreguei aos prazeres da gula. Engraçado! Ao escrever, noto que pratiquei somente esse único pecado. Os demais - avareza, luxúria, ira, melancolia, vaidade e orgulho - não me afetaram. Ou realmente não na forma aceptiva mais comum, e sim de forma metafórica.
Explico: fui avaro com tudo o que não queria. Não acessei a internet um dia sequer e na maior parte das vezes não atendi ao celular.
(em casa)
A luxúria, que tanto prezo, a despeito de estar 100% presente no meu podre cérebro, passou longe. Carne, somente a de animais, e muitos. Não faltou vontade. Faltou espaço, talvez, e ocasião. Como saí assim de 2008, entro em 2009 virginalmente, mais puro do que uma vodca finlandesa.
De ira tampouco sofri, a não ser quanto a certas aflições: irado fiquei ao demorar para ser atendido no pedido da bebida, quando a comida não vinha e quando o sol se escondia.
A única melancolia da qual sofri foi com o encerrar das atividades do dia. No campo, ao olhar a linha do horizonte com o sol avermelhado, senti uma certa melancolia ao som de cigarras. Que não durava muito, posto que havia sempre algo que a substituía. Na praia, a melancolia vinha e ia em ondas e somente me afetava quando tinha que levantar da cadeira porque a areia ao redor se esvaziava.
(no campo)
A vaidade passou completamente batida. Aliás, foram as batidas (de maracujá, de coco, de limão, de frutas) que acabaram com qualquer pretensão de vaidade que pudesse restar. O corpo, que estava mais para mezza luna, transformou-se em lua cheia, acrescido de adiposidades que as vaidades leoninas preferem relegar a um terceiro e quarto planos. Plano estou, feito uma massa compacta de latinhas de cerveja que as consumi em larga escala. Para ratificar, uso os adjetivos que indicam uma maior ocupação de espaço em menor tempo: largura, vastidão, imensidão, amplidão, fofura.
(na praia)
Da única coisa que me orgulho, para encerrar, é que fui feliz com todos esses pecados. Exceto que, se os cometi, afinal, deles não me arrependo um instante sequer e, portanto, não purgarei nada e tampouco expurgarei esse tempo magnífico.
De tudo, sei que me uni à terra, ao mar e ao ar e me tornei, por esses dias, um elemento em meio aos demais elementos. Me senti elemento fundamental do meio. Pisei descalço na grama, na terra, na areia. Bebi água pura da fonte que nasce a 500 metros e da qual conheço plenamente a procedência e também provei do sal do oceano Atlântico, involuntariamente.
Fui mineral de todas as formas. Virei barro e retomei, por instantes, o pó ao qual voltarei. Fui poeira. Fui terra. Fui líquido e me derreti vezes sem conta.
Tirei o mato da terra e verti na terra meu suor. Fruto e consequência do trabalho. Plantei. Colhi do pé algumas frutas. Pesquei. Quase matei a carne que posteriormente comi. Ainda não tive coragem, mas, afora uma certa luxúria relacionada a cenas de sangue no pescoço do cordeiro (credo! pareceu bíblico!), matei apenas algumas formigas e pernilongos.
(um aniversário)
De forma que estou mais sólido do que líquido. Resgatei o sal no mar, estou com uma capa de bronze que, de tempos em tempos, qualquer serpente que se preze troca a pele e sou meio rasteiro mesmo. Então ...
Vou contar os detalhes à medida que me forem concedidos. Porque a energia é farta. Em contraponto à largura adquirida no corpo, também me foi dada amplidão do espírito. Da qual me lambuzei e da qual retirarei suprimentos para os dias que se seguem.
4 Comentários:
Red,
Nessas horas no perguntamos: por que nao paramos mais vezes, por que nao nos damos ferias?
Bjo
La Voyageuse, porque no afã do dia-a-dia, creio que nos esquecemos de parar. Depois, quando paramos, notamos a diferença que tudo isso faz. Beijo!
que belo e agradável texto. Estou adorando o blogue novo!
Luísa, você é uma querida. Que bom que você gosta. Beijo!
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