Meu rugido dominical
(Essa escultura de leão é baseada na obra "Leão", do francês Prosper Lecourtier, e está instalada no Parque Ibirapuera)Hoje este é um Rugido de comemoração: São Paulo celebra, neste domingo, 455 anos de existência. Fundada em 1554, no Pátio do Colégio, região central onde é possível ver uma parede da primeira construção, preservada, de taipa e de barro, São Paulo é a maior cidade do Brasil, da América Latina e uma das cinco mais populosas do mundo.
Segundo dados oficiais, o município de São Paulo tinha 11.091 milhões de habitantes em 2007. A região metropolitana (formada por 39 municípios, inclusive São Paulo) tem 19,2 milhões de habitantes. Dos mais de 11 milhões de habitantes de São Paulo, a proporção é de 91,1 homens para 100 mulheres. Número mais do que ratificado por todas as mulheres que conheço, que atestam a falta de homens na cidade.
À primeira vista, São Paulo é um caos: trânsito, contínua sensação de insegurança (por vezes confirmada na prática), hipermovimentada, com milhares de pedestres a tomarem calçadas, ruas e lojas - somente pelas calçadas da Avenida Paulista passam mais de 1,5 milhão de pessoas por dia -, a cidade é um organismo vivo, em constante mutação e pode assustar.
De fato, aterroriza, no primeiro contato. Sinuosas ruas nas quais se perde e se encontra, seja nas regiões centrais ou periféricas, São Paulo sempre é um corpo em evolução. As alterações de paisagem são visíveis e os prédios nascem prematuros: num mês estão cobertos por tapumes, no mês seguinte estão prontos, totalmente ocupados pelas pessoas.
Não sei afirmar se a cidade acolhe. Antes, recolhe. Chega-se aqui e se fica à força, seja por necessidade, falta de alternativa ou força de vontade. Ouso afirmar que a cidade é intocável. Não se conquista São Paulo, nunca. Se é conquistado pela cidade. Que te traga, engole e arrebata, para o bem e para o mal.
A relação do paulistano com São Paulo é instável e equilibra-se precariamente entre um amor eterno e ódio imediato: deixa-se a cidade aos milhões nos feriados. Quando se viaja para longe, se tem a sensação de liberdade. Por instantes, sonhamos em viver nas paradisíacas praias nordestinas, voltar a morar no campo, levar uma vida romantizada no litoral, se embrenhar de vez nas matas amazônicas e matogrossenses. Para, no momento seguinte, correr ao aeroporto, tomar o avião, esperar pelo táxi e encontrar São Paulo à espera.
Não há feriado que não se viaje aliviado por deixar essas ruas e do qual se retorne mais aliviado ainda ao chegar à familiar rua, ruídos e rotina que, mesmo em mutação, reconhece-se como parte de si. A cidade não é um apêndice a ser extirpado. É veia, circula nas entranhas.
Se fico doente de São Paulo, simultaneamente sou dependente da cidade. Aprende-se a ser São Paulo. Ao contrário do que afirmaram sobre o Brasil, São Paulo é para iniciantes, sim. Os iniciados a tratamos com algum cinismo porque, cínica, a cidade é cíclica: hoje, dilúvio, amanhã, sol inclemente. Hoje, feia. Amanhã, linda.
E, também ao contrário do que se imagina, o anonimato em São Paulo é mais mito do que verdade. Conhecemo-nos a todos: nos reconhecemos no aperto diário do metrô, no medo coletivo ao atravessar o sinal fechado, ante o diário acidente na rua, diante de pequenas e grandes catástrofes. É uma aldeia estendida, não mais do que isso. Intercambiamos as relações entre zona norte, sul, leste, oeste e centro. Sim, a cidade pode ser bem democrática. Também é bastante elitista.
Os contornos tanto são definidos quanto podem vir abaixo. Há momentos de confluência e divergência. Há pontes que nos ligam e túneis que nos separam. Mas, é fácil se reconhecer no outro, na compreensão do coletivo. Há familiaridades e estranhezas. Porém, onde não as há?
Se as proporções gigantes afastam o convívio próximo, aquele no qual todos se conhecem, ao mesmo tempo abafam o sentimento de posse e de opressão que, em geral, tende a circular nas pequenas cidades.
É aqui que preconceitos caem. No entanto, a cidade pode ser tão provinciana quanto qualquer cidade brasileira. Olhar feio e desaprovar. Moderna? Nem tanto! Talvez em pequenos guetos. Porque, à luz do dia, São Paulo é, sim, uma metrópole. Contudo, sujeita às mesmíssimas chuvas e trovoadas de qualquer outra cidade. Também há limites em São Paulo. Também há controle. O descontrole tem hora e lugar.
São Paulo chega aos 455 anos indefinida. É uma cidade à qual não questionaram o que seria quando crescesse. Por isso, dança conforme a música. Rebola, faz a dança da garrafa, dança jazz, rumba, tango. Contemporânea, se joga no tecno. Retrô, busca o passado no forró. Bêbada de tanta mistura, São Paulo vaga. Vive apenas o presente. Não retrocede. Ao contrário, enterra o passado rapidamente, derruba, destrói. Se reconstrói diariamente. Incessante. Sempre. São Paulo, por definição, é uma indefinição. Mas, somos todos instáveis. Ou não? Portanto, parabéns São Paulo. Parabéns por tudo o que é, o que poderia ser ou o que virá a ser. Se ser ou não ser é a questão, prefiro sê-lo ou não sê-lo exatamente aqui, nesta cidade.
Seja o primeiro a comentar
Postar um comentário