Na roça
Dos mais de 15 dias que passei no interior, cerca de 95% do tempo foram dedicados à roça. Roça é uma palavra antiga. Poucos a usam, assim como poucos ainda consentem em viver "na roça". Se diz "campo", agora. Mas, para mim ainda é roça.
Quando eu vivia na roça, havia muitos vizinhos. Num raio de 1 Km, era possível visualizar os vizinhos, observar o trabalho cotidiano de todos. As pessoas no cafezal, nos roçados de arroz, de feijão, de milho. Havia mutirões para colheitas maiores, para a moagem do milho. Havia grandes almoços para matar a fome do trabalho braçal.
Agora, há apenas um vizinho que pode ser visto na linha do horizonte. As pessoas abandonaram as roças para viver nas cidades e são poucos os que insistem na dura vida do campo. Pois que a rotina da roça é dura. Debaixo de sol ou de chuva, há trabalho sem fim a ser feito.
Enquanto estive por lá, me dediquei a capinar ou carpir a horta, o pomar, ao redor da casa. Limpar o mato que insiste em tomar conta de tudo. O solo é fecundo. Tanto brotam as plantas quanto as ervas daninhas. A cada vez que vou para lá, costumo fazer a limpeza que chamo de "perfumaria": carpir ao redor das árvores que plantamos, das flores, a horta, uns pedaços do pomar. Se o mato não está muito alto, é mais fácil. Veja que já não tenho fôlego para grandes empreitadas.
Pois desta vez não foi diferente e consegui carpir, a duras penas, mais do que almejava. Sob o sol inclemente, dei conta de quase tudo que queria, com a ajuda do meu irmão. Tenho orgulho de fazer isso porque a cada vez que visito aquele pedaço de terra (abaixo, o mapa do lugar), vejo os resultados.
As árvores começam a se mostrar, vigorosas. O quintal, de quatro anos para cá, está completamente mudado e o pomar, graças aos esforços do meu irmão, está praticamente formado.
Pois enquanto eu carpia, meditava sobre toda aquela natureza - que muitos andam a pensá-la diferente, incluso nós, lá de casa, com projetos de preservação - vazia de pessoas e talvez por isso em franco progresso de recuperação. Pássaros antigos - anus, pássaros pretos, garças, tucanos - voltaram, depois de longa ausência.
Vi até mesmo um estranho pássaro gigantesco que não me lembro de ter visto lá antes. As pequenas capoeiras estão mais exuberantes do que nunca. Ao cair da tarde, há uma revoada constante de bandos de pássaros. É uma festa de asas e de piados.
Então, não lamento completamente a ausência de pessoas na zona rural. Com a retirada do humano, a flora e a fauna se recompõem. Claro, há um trabalho constante de fiscalização da Guarda Florestal: não se pode sequer picar madeira para lenha e muito menos queimar qualquer parte de mata.
Finalmente, o que se vê no dia-a-dia da roça é um ressurgimento da mata nativa. Na penúltima vez que em lá estive - julho do ano passado - fui testemunha de derrubada de árvores da minha infância por vizinhos. O troco veio rápido: foram multados e obrigados a plantar 2 mil novas mudas na região.
Sou testemunha de que não há nada mais gratificante, ao final do dia, do que observar a quietude, quebrada apenas pelo barulho dos bichos. É um contraponto perfeito ao barulho das cidades - seja de São Paulo ou mesmo da minha cidade, pequena, contudo cheia de ruídos. Ao entardecer, sinto as consequências físicas do capinar: dores na coluna, falta de fôlego, transpiração abundante e exaustão. Porém, o efeito da paisagem e de todo o contexto que a cerca revigora. E, assim, no dia seguinte, repete-se a mesma faina, com pequenas e gratas surpresas que se desdobram ao infinito.
6 Comentários:
Red,
Fiquei supresa ao saber da fiscalizacao rigorosa da Guarda Florestal. Muito bom isso!
Oi La Voyageuse, pena que isso ocorra em casos pontuais. O Estado de São Paulo tem sido bastante rigoroso, mas, em terras sem lei nos estados extremos (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), as matas continuam a ser dizimadas indiscriminadamente. Beijo!
E eu continuarei reflorestando aquele cantinho, pelo menos ao redor da cas. Adquiri 30 mudinhas de uma planta que não sei o nome e pretendo planta-las. Espero que estejam lindas quando você voltar.
Beijo.
Oi Denise, você escreveu de Ourinhos? Hummm ... Quanto as plantas, acho ótimo. Quantas mais tiverem, mais bonito ficará o "cantinho", não é? Beijo!
Nada como um bom trabalho na roça para cansar e descansar ao mesmo tempo...
Luísa, lavrar a terra é lavrar, em simultâneo, o espírito. Beijo!
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