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domingo, 19 de outubro de 2008

Meu rugido dominical


Na madrugada deste domingo, assisti a um filme sobre a longevidade de um relacionamento. O filme é "Away From Her" (Longe Dela), de Sarah Polley (a atriz que protagoniza dois filmes excelentes, já comentados aqui no blog - Minha Vida Sem Mim e A Vida Secreta das Palavras).

No filme Away From Her, Fiona (Julie Christie) e Grant (Gordon Pinsent) estão casados há 44 anos. Fiona tem o Mal de Alzheimer e, aos poucos, começa a sentir os sintomas da doença. O Mal de Alzheimer é uma doença degenerativa do cérebro e se caracteriza, principalmente, pela perda progessiva da memória a ponto de, num dado momento, a pessoa acometida pelo mal não se lembrar de toda uma vida ou, ainda, recordar-se apenas dos fatos mais recentes. Ainda, pode ter lembranças que vêem em flashes e se apagam rapidamente.

Em Away From Her, a personagem Fiona resolve se internar em uma clínica especializada, a despeito da oposição do marido, Grant. Uma das regras da instituição é que o paciente fique um mês isolado. Nesse período, Fiona conhece Aubrey (Michael Murphy), outro paciente de Alzheimer, por quem se apaixona. Quando o marido a visita, ela não o reconhece e, durante o desenrolar do filme, Grant tenta de todas as maneiras resgatar Fiona. No limite, consegue afastar Aubrey da clínica. Porém, Fiona não volta do outro mundo e continua apaixonada por Aubrey. Derrotado, Grant, que é apaixonado pela esposa, traz de volta Aubrey e será obrigado a assistir, em silêncio, o amor da esposa por outro homem.

O filme mostra o poder de um relacionamento que atravessa o frágil refrão "na saúde e na doença" e, mais importante, o altruísmo do marido em liberar a esposa para outro homem. A grande tristeza é que ela nunca saberá disso. Para Fiona, interessa apenas Aubrey. A vida de 44 anos de casamento com Grant simplesmente se apagou.

Esse esquecimento é uma metáfora, para mim, de como se mata a morte de outra pessoa. Quando perdemos uma pessoa - pela morte física ou pelo final de um relacionamento -, realizamos o luto. O luto é um processo pelo qual absorveremos, dia após dia, o sumiço da pessoa de nossas vidas. Os cheiros, as roupas, um pequeno objeto do cotidiano esquecido em algum lugar. Tudo são lembranças que remetem diretamente à pessoa perdida.

Para processar o luto, temos que matar a morte da pessoa perdida. Quando, finalmente, conseguimos administrar a morte da morte, podemos, então, seguir em frente. Não creio que consigamos nos livrar, efetivamente, das perdas. Estarão sempre lá, numa procissão de pequenos funerais tristes e sombrios. Porém, serão apenas isso, imagens de funerais, lembranças que se perdem na poeira dos tempos e que, de repente, como ocorre aos portadores do Mal de Alzheimer, voltam do nada para depois serem sepultados nos escombros do cérebro.

Eu, que me descubro cada vez mais romântico e sensibilizado pela durabilidade das relações, defendo que é possível construir longas relações. Tenho exemplos à minha volta que me fazem acreditar no fato de que duas pessoas podem conviver, sim, por longos períodos.

Estou cansado da volatilidade dos encontros. Chamas que se acendem e se apagam como um fósforo curto. Vive-se dessas pequenas mortes como se elas fornecessem vida suficiente para viver. Quando, na minha opinião, morre-se a cada vez que se mata uma relação. Seja de cansaço, de desamor ou de traição.

Acho que há uma doença mais mais fatal do que o Mal de Alzheimer. Uma doença de alma, em que se refutam os indícios de algo mais concreto. Se não de uma felicidade buscada, ao menos de tentativa de ser feliz. Essa doença tem sintomas crônicos: ausência de compreensão, pressa de se chegar ao futuro, cegueira diante do presente.

O esquecimento provocado pelo Mal de Alzheimer é metáfora dos pequenos deslizes: nos esquecemos de olhar para o lado, de ligar para as pessoas, de enviar uma mensagem, trocar um e-mail, tocar o outro num gesto espontâneo, fazer ver a falta que a outra pessoa nos provoca quando ausente e a alegria que nos dá quando presente.

Esse filme me remete a outro, "Como Se Fosse a Primeira Vez", em que Lucy (Drew Barrymore) sofre de uma doença - fictícia - em que todos os dias perde a memória recente. Henry (Adam Sandler) se apaixona por Lucy. Mas, todos os dias, Lucy se esquece de Henry e ele tem que aprender a conquistá-la diariamente, como se fosse, novamente, a primeira vez.

Um filme - Away From Her - aborda uma relação de longa duração e a perda. O outro - Como Se Fosse a Primeira Vez - é sobre a paciência e a persistência. Ambos falam sobre as perdas e a capacidade de lidar com esses vazios.

Contudo, ainda que eu defenda essa intimidade e longevidade, o que mais tenho visto é a completa incapacidade das pessoas em persistirem, se doarem e se permitirem ir muito mais que além dos jardins. Chegar às terras espinhosas e desérticas e não terem o impulso de voltar. Prosseguir, apesar das adversidades e mesmo com todos os obstáculos. Pois que somos perenes tanto quanto um cérebro portador de Alzheimer. E podemos, num repente, perder tudo e seremos tão-somente folhas de outono que jazem para que outros renasçam.

5 Comentários:

Anônimo disse...

...e se for obrigado a matar o amor?! como faz? digo amor como poderia dizer emoção, desejo, paixão, afecto, amizade, enfim, um sentimento que nos faz querer aproximar e, ao mesmo tempo, a necessidade de nos afastarmos? como fica? como se escolhe ante o inconciliável? escolhendo. aquilo de que abdicámos é vida que temos que matar, não é esquecimento, não é alzheimer... é lembrança presente. não mandar ums mensagem ou um mail implica sempre um outro, quero dizer, o "erro" assiste a ambas as partes, ou a 3, 4... fossemos crianças e era mais simples! fossemos adultos sem deixar de ser criança e seria tudo mais fácil, mais bonito.

o anónimo do costume :-)

Anônimo disse...

relendo sseu post, fico a pensar que o red fala de duas circunstâncias distintas, ambas ao nível dos relacionamentos humanos, mas... há mais do que uma mensagem não há?

Redneck disse...

Caro Anônimo, perspicaz você! Na verdade, falo da quimera em que nos convertemos - uma que busca o porto seguro da estabilidade, a outra que reluta ao comprometimento e uma terceira que, desde já, nega as possibilidades, dadas as experiências anteriores. Preferia, como você disse, ser adulto sem deixar de ser criança. Seria menos cruel. E, sim, o erro é de ambas as partes. Abraço!

Patty Diphusa disse...

Como assim na madrugada de domingo?

Beijo, me liga.

Redneck disse...

Patty, a minha madrugada se estendeu até quase 6 da manhã e por isso o filme. Beijo, me liga! (se a gente ficar nessa, ninguém liga para ninguém, isso sim.)

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