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sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O meu fio de Ariadne

Em Creta, o Minotauro, conforme a mitologia grega, exigia pagamentos de tributos anuais. O pagamento consistia na oferenda de sete rapazes e sete moças que seriam literalmente comidos pelo Minotauro, que se alimentava de carne humana. O jovem ateniense Teseu, num determinado momento, pediu para ser incluído entre os rapazes. Na cerimônia de entrega dos humanos ao Minotauro, Teseu recebeu de Ariadne, filha do rei Minos, um novelo que deveria ser desenrolado no interior do labirinto, onde vivia o Minotauro. O objetivo de Teseu era matar o Minotauro e usar o fio como artifício de saída pois, sem o fio condutor, o jovem se perderia nas inúmeras entranhas do labirinto. Teseu matou o Minotauro e, com o apoio do fio, encontrou a saída, casou-se com Ariadne e a levou consigo para Atenas.





Há pouco mais de dois anos e meio, eu comecei a tecer um fio de Ariadne próprio. Foi este blog. Esse meu fio de Ariadne, no entanto, foi tecido de dentro para fora: eu estava preso num labirinto e não havia fio algum que me indicasse a saída. Mas fui persistente e um longo emaranhado de fios que pareciam entrecruzar-se sem levar a saídas possíveis começaram a desembaraçar-se um a um e o labirinto, finalmente, começou a ser demarcado. Até que num determinado momento, todo o labirinto estava coberto por fios e, ao não haver mais embaraços, achei a saída, enfim.


Hoje, em conversa longa com uma pessoa querida, à segura distância daquele labirinto que ainda me assusta, tenho dimensão quase que real na minha cabeça do que foi todo o processo de desenrolar novelos inteiros e sair, se não ileso, ao menos com vida (no sentido metafórico) dos inúmeros becos daquela morada de um Minotauro que tomou ares de um gigantesco Ciclope.





O Minotauro, figurativamente, é um boi com aparência humana: touro de Minos. Um touro viril, sexualmente atraente e, portanto, que encerra em si a promessa de energia, força e explosão sexual. Por outro lado, a parte taurina indica violência e uma vontade primitiva de ferir, de machucar. Se na mitologia grega o Minotauro se alimenta de carne humana, devo confessar que o meu próprio minotauro se alimentava de alma humana.


Essa pessoa a quem me referi está num processo bastante similar ao meu. Com uma diferença bastante significativa: ela ainda não sabe que também há, em algum lugar, um fio de Ariadne para começar a ser desembaraçado. Todo o processo é bastante idêntico ao meu e foi com bastante consternação que observei vários (demais até) pontos equivalentes.





O meu êxito ao sair do labirinto aconteceu porque em algum momento, por razões que eu não consigo esclarecer mesmo hoje, sob as luzes algo que difusas daquele passado, eu me dei conta de que havia, sim, uma saída.


E esses processos são degradantes: nos prostram, nos colocam, se for possível, abaixo do fundo do poço. Não basta estarmos no fundo do poço: somos submersos sob a água que está no fundo do poço. Pois que acredito que há, em algum mecanismo de nossas mentes, algum dispositivo que faz com que não sejamos mais nós mesmos. Passamos a ser um outro, irreconhecível. Uma deformação do que fomos. Para emergir do poço é preciso deixar vir à tona também a pessoa que éramos e que, de alguma forma, perdermos para minotauros de almas.


Ao conversarmos sobre isso, eu não soube dizer as fórmulas e as eventuais palavras mágicas que convertem a vítima em herói. Não existe um Teseu que se submete ao hipotético sacrifício e muito menos uma providencial Ariadne a nos conceder a linha que nos guiará no labirinto. Temos que arrancar a linha de nós mesmos.





Ao dar conta, uma vez mais, de quanto foi difícil o meu percurso e avaliar que, passado tanto tempo, eu ainda veja claramente, horrorizado, o passo-a-passo daqueles dias, compreendo, afinal, que, embora eu tenha saído do labirinto, mantive o fio de Ariadne preso nos tornozelos, feito um cordão umbilical a me ligar ao interior daquele obscuro lugar.


Preciso, e portanto tenho que escrever isso porque talvez sejam essas as palavras mágicas a concluir o processo, preciso de uma tesoura. De um teseu-tesoura que rompa o fio. Que me liberte de vez assim como se corta a linha que prende o balão de gás ao poste e que faz com que o balão se perca na atmosfera. A conversa com a referida pessoa me trouxe recordações vívidas. Me trouxe também a convicção de que eu não quero que 2010 seja apenas uma repetição pálida de 2009. Quero que 2010 vibre, que me leve aos ares. Que teseu-tesoura me leve para Atenas.

2 Comentários:

João Roque disse...

Meu caro Sérgio
não porque eu seja muito inteligente, mas apenas devido a ter uma ideia de vida muito semelhante à tua, eu tenho até aqui entendido, umas vezes completamente, outras mais dificilmente as mensagens que transmites com a tua prosa magnifica.
Mas claro que há aspectos na vida pessoal de cada um, que apenas nós entendemos bem, tal como uma tela ou um poema é sempre e só a visão que o seu autor lhe quis dar. Daí a eu estar um pouco confuso acerca desta tua postagem e confesso que com a alusão ao blog me assustaste um pouco, tendo por momentos pensado que esse corte para o qual necessitas a tesoura terá eventualmente algo a ver com o blog; espero que assim não seja e o que acontece é que apenas queiras ver resolvida uma situação que se tem arrastado e que de alguma forma te tem preocupado...
Abraço grande.

Já te adicionei no MSN.

Redneck disse...

João, por vezes eu me expresso muito para dentro de mim mesmo e entendo que não me faço claro. Ao contrário, o blog representa para mim o fio de Ariadne que me tirou do labirinto específico a que me referi. Quanto ao corte - e aí você o captou muito bem - refere-se ao fato de eu repisar a história vezes sem conta e é aí que compreendi que tenho que deixar tudo isso para traz. E não ao blog, não mesmo. Tenho que deixar a história para traz, cortá-la. E para tanto eu pedi um teseu-tesoura para isso. Ainda que acredite que o teseu sou eu mesmo, eu não vou me fazer de rogado se uma outra tesoura-teseu se oferecer para fazer o tal do corte. É isso. Aos poucos pretendo deixar, pois, esse assunto de lado, já que ele tem estado presente neste blog desde o nascedouro. Mas o blog continuo como fonte de alegria para mim. Ainda mais pelo fato de ter ressonância com pessoas que já me são caras, como é o seu caso. Abração!

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Redneck, em inglês, define um homem rude (e nude), grosseiro. Às vezes, posso ser bem bronco. Mas, na maior parte do tempo, sou doce, sensível e rio de tudo, inclusive de mim mesmo. (Redneck is an English expression meaning rude, brute - and nude - man. Those who knows me know that sometimes can be very stupid. But most times, I'm sweet, sensitive and always laugh at everything, including myself.)

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